A Amazônia segundo Lúcio Flávio Pinto

Os desafios de Belo Monte

Em 2020 a hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, a quarta maior do mundo, funcionou pela primeira vez a plena carga, desde que entrou em operação comercial, em 2016. Em novembro de 2019 entrou em atividade a última das suas […]

Altamira, 27/11/2018 - Amazônia Real - Hidrelétrica - Matéria mostra as consequências da instalação da hidrelétrica de Belo Monte no rio Xingu e os impactos na vida da cidade de Altamira e de seus moradores, especialmente os que foram mais diretamente impactados. Passando pelo lago formado pela barragem, entrevistamos beiradeiros da localidade conhecida como Paratizão, que foram reassentados e que lutam com as dificuldades trazidas pela barragem. À jusante da primeira barragem, segimos para a comunidade Vila da Ressaca, que além dos impactos sofridos com a redução da vazão provocada pela barragem, limitando a atividade pesqueira, sofrem com a posibilidade da instalação da mineradora Belo Sun que deverá impactar drasticamente a vida dos moradores. - Na foto, cena da comunidade Paratizão. Foto: Lilo Clareto/Amazônia Real

Por Lúcio Flávio Pinto Publicado em: 05/04/2021 às 16:51

Em 2020 a hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, a quarta maior do mundo, funcionou pela primeira vez a plena carga, desde que entrou em operação comercial, em 2016. Em novembro de 2019 entrou em atividade a última das suas 18 gigantescas turbinas, que lhe permitem gerar até 11,4 mil megawatts, Com essa potência máxima, de 11.233 megawatts, a usina fornece energia para 17 Estados brasileiros, através de cinco linhas de transmissão.

Mesmo assim, a Norte Energia, concessionária da usina, amargou no ano passado prejuízo de 860 milhões de reais para uma receita operacional líquida de R$ 4,4 bilhões. Em 2019, seu lucro foi de R$ 209 milhões e o faturamento, de R$ 4,2 bilhões.

A forte retração da atividade econômica nacional provocada pela pandemia do coronavírus reduziu na mesma proporção a geração de energia, comprimindo preços e atingindo o desempenho das receitas da empresa. Muitas atividades foram interrompidas e várias empresas deixaram de funcionar. A queda em megawatts gerados também afetou a garantia física alocada, “reduzindo significativamente a disponibilidade de capacidade de energia para a venda”. Comparado à expectativa, houve redução líquida de compra e venda de energia ao redor de R$ 500 milhões. “Não fossem tais fatores imponderáveis, nossa geração teria sido maior”.

Neste primeiro ano com capacidade de geração total e com todas as unidades disponíveis, houve um incremento de custos em alguns itens, tais como depreciação, encargos de uso do sistema transmissão e serviço da dívida que atingiram seus valores máximos. Comparado aos resultados de 2019, tais fatores representaram aumento de R$ 1,2 bilhão, impactando os resultados.

Como uma indústria de capital intensivo inicial, a Norte Energia admite estar sujeita a prejuízos em seus primeiros anos de plena operação, mas o fator excepcional da redução de demanda pela pandemia – somada à necessidade de migrar uma administração presencial para virtual, com fechamentos de escritórios e adoção do home office por causa da doença – foi o prejuízo de R$ 860 milhões.

Apesar desse resultado desfavorável, a empresa diz ter investido R$ 6,3 bilhões em investimentos compensatórios relacionados a projetos socioambientais desde o início da implantação do projeto, “marca recorde nacional para obras de infraestrutura de energia elétrica”. Anuncia que mais R$ 1,2 bilhão será investido nos próximos anos.
Além de procurar reverter o prejuízo, a Norte Energia terá um grande desafio neste ano para renovar a licença ambiental da hidrelétrica de Belo Monte. O ponto principal dessa agenda é a negociação com o Ibama sobre o hidrograma a ser aplicado em 2021 para controlar a vazão de água do rio Xingu abaixo da barragem da usina.

O hidrograma determina as vazões médias mínimas a serem liberadas
mensalmente, em anos alternados, garantindo a disponibilidade de água aos demais usuários e a integridade ecológica nesse trecho, de aproximadamente 100 quilômetros.

A empresa diz que produziu estudos adicionais, demonstrando que permanecem inalterados os impactos ambientais na Volta Grande do Xingu, onde estão as populações ribeirinhas e indígenas, identificados no Estudo de Impacto Ambiental e seu respectivo Relatório de Impacto Ambiental do edital do leilão, que deu origem ao contrato de concessão. Por isso, confia que as negociações “resultarão na manutenção do atual hidrograma”.

A empresa assegura, no seu balanço anual, que vem cumprindo rigorosamente o hidrograma previsto no licenciamento ambiental desde o início da operação da primeira turbina da usina, em 2016, em particular, no
período de abril de 2020 a janeiro de 2021, quando atendeu a um hidrograma alternativo estabelecido pelo Ibama.

A hidrelétrica de Belo Monte inundou uma área de 478 quilômetros quadrados (ou 47,8 mil hectares) rio acima no Xingu. Desse total, 57% da área inundada, ou 274 km2, correspondem ao leito original do próprio rio no período da cheia. Os restantes 204 km2 são áreas novas alagadas, sobretudo na cidade de Altamira, a maior e mais próxima da usina.

A hidrelétrica possui duas barragens. A montante está a barragem Pimental, que abriga turbinas de pequeno porte, com capacidade de gerar em conjunto 230 MW, potência três vezes inferior à geração de uma única das 18 máquinas instaladas na segunda barragem, situada 97 quilômetros abaixo no Xingu.

A barragem de cima, com vertedouros capazes de escoar 62 mil metros cúbicos (ou 62 milhões de litros) de água por segundo promove o desvio de parte da vazão do rio Xingu para o canal de derivação principal, de dimensões colossais. Tem 20 quilômetros de extensão, 25 metros de profundidade, 210 metros de largura na base e 300 metros de largura na superfície.

É essa água desviada que vai acionar as gigantescas turbinas na casa de força Principal, que fica 87 metros abaixo do ponto inicial de desvio, a 97 quilômetros de distância.

Esse arranjo de engenharia, buscando compatibilizar a geração de energia com os impactos ecológicos e sociais de uma grande obra numa região de fronteira como a Amazônia, levou a uma cominação única na história das grandes barragens: uma hidrelétrica de grande porte sem um reservatório proporcional às suas necessidades de água.

“A opção por uma usina a fio d’água implicou em renunciar a parte do potencial energético do rio Xingu, em favor de um menor impacto sobre o uso dos recursos do rio pelas comunidades ribeirinhas a montante e a jusante”. Observa a Norte Energia no seu balanço.

“Esse tipo de usina minimiza a necessidade de reservatório de acumulação, operando praticamente em queda de água constante, em uma região com grande desnível natural”.

Durante toda sua operação, a companhia garante que seguirá “a exigência da Agência Nacional de Águas de manter uma vazão mínima da hidrelétrica no rio Xingu, como garantia da manutenção da qualidade da água e navegabilidade no trecho conhecido como Volta Grande do Xingu”.

A empresa observa que em 2020, o Ibama reavaliou o hidrograma estabelecido no licenciamento ambiental e estabeleceu um regime de vazões alternativo para ser praticado entre abril e dezembro. A companhia diz recear alterações para os anos seguintes, alegando que poderá sofrer impactos financeiros. A redução de geração impactaria diretamente os valores do fator de escala de geração e poderia acarretar custos adicionais no Mecanismo de Realocação de Energia, além de substancial redução da disponibilidade de geração hidráulica para o Sistema Integrado Nacional.

“Nesse caso, os efeitos seriam sentidos nacionalmente, não apenas mediante pressão de alta nos preços das tarifas de energia elétrica para os consumidores finais, mas, também, com aumento de emissão de Gases de Efeito Estufa (GEE) pelo setor elétrico brasileiro, em face da necessidade de despacho de geração das termelétricas”.

A Norte Energia diz que “vem envidando esforços para assegurar
a manutenção do hidrograma preconizados no licenciamento ambiental do
empreendimento, por meio da articulação com o setor elétrico e com órgãos competentes, visando a uma solução de equilíbrio para a questão”.
Mas não parece ter incluído nessas consultas e diálogos as ONGs e pesquisadores que consideram insuficiente o volume de água que circula pela Grande Volta, prejudicando a natureza e os seus moradores.

A imagem que ilustra este artigo mostra uma cena da comunidade Paratizão, na região da Volta Grande do Xingu, em Altamira, Pará, onde o lago da Usina de Belo Monte inundou a floresta e impactou a vida das populações que foram reassentadas e que lutam com as dificuldades trazidas pela barragem (Foto: Lilo Clareto/Amazônia Real)

Além de colaborar com a agência Amazônia Real, Lúcio Flávio Pinto mantém quatro blogs, que podem ser consultados gratuitamente nos seguintes endereços:

* lucioflaviopinto.wordpress.com – acompanhamento sintonizado no dia a dia.

* valeqvale.wordpress.com – inteiramente dedicado à maior mineradora do país, dona de Carajás, a maior província mineral do mundo.

* amazoniahj.wordpress.com – uma enciclopédia da Amazônia contemporânea, já com centenas de verbetes, num banco de dados único, sem igual.

* cabanagem180.wordpress.com – documentos e análises sobre a maior rebelião popular da história do Brasil.

Reportagem Noticiosa

Sobre a matéria

Lúcio Flávio Pinto

Lúcio Flávio Pinto é jornalista desde 1966. Sociólogo formado pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo, em 1973. Editor do Jornal Pessoal, publicação alternativa que circula em Belém (PA) desde 1987. Autor de mais de 20 livros sobre a Amazônia, entre eles, Guerra Amazônica, Jornalismo na linha de tiro e Contra o Poder. Por seu trabalho em defesa da verdade e contra as injustiças sociais, recebeu em Roma, em 1997, o prêmio Colombe d’oro per La Pace. Em 2005 recebeu o prêmio anual do Comittee for Jornalists Protection (CPJ), em Nova York, pela defesa da Amazônia e dos direitos humanos. Lúcio Flávio é o único jornalista brasileiro eleito entre os 100 heróis da liberdade de imprensa, pela organização internacional Repórteres Sem Fronteiras em 2014. Acesse o novo site do jornalista aqui www.lucioflaviopinto.com.