A Amazônia segundo Lúcio Flávio Pinto

Pará, pobre Estado rico

O Pará é o maior Estado minerador do Brasil. O principal minério que extrai, o ferro, é o segundo na pauta de exportação brasileira. Do primeiro, a soja, o Pará produz cada vez mais. Por isso, é o 5º maior […]

Monumento ao Garimpeiro, Novo Progresso, Pará (foto: Cícero Pedrosa Neto/Amazônia Real)

Por Lúcio Flávio Pinto Publicado em: 19/10/2022 às 20:58

O Pará é o maior Estado minerador do Brasil. O principal minério que extrai, o ferro, é o segundo na pauta de exportação brasileira. Do primeiro, a soja, o Pará produz cada vez mais. Por isso, é o 5º maior exportador nacional, o que mais gera saldo de divisas para o país. É o 4º maior produtor de energia e líder em transferência bruta de energia. Tem o 3º maior rebanho bovino. São quase 24 milhões de cabeças (33 milhões em Mato Grosso e 24 milhões em Goiás.

Todos os bens são matérias primas ou produtos semielaborados. Como em grande parte (ou na quase totalidade), não pagam o principal imposto estadual, o ICMS. Foi o que estabeleceu uma lei de 1976, batizada de Kandir, em homenagem ao então deputado federal de São Paulo, Antônio Kandir, do PSDB.

O mesmo partido, sob a liderança do presidente Fernando Henrique Cardoso, que privatizou no ano seguinte a empresa que seria a mais beneficiada pela iniciativa, a Companhia Vale do Rio Doce (hoje, simplesmente Vale, para melhor efeito ao ouvido do investidor estrangeiro, sobretudo aos compradores de ações na bolsa de Wall Street, em Nova York).

Essa lei travou o caminho legal e institucional do Pará no beneficiamento das suas múltiplas riquezas naturais, que se estendem por boa parte do seu território, o 2º maior da federação, com 1,2 milhão de quilômetros, do tamanho da Colômbia. Virou um poderoso produtor de matérias primas. Poderoso, sim, mas com pés de barro.

A ponto de se destacar na venda de boi em pé. Um acidente no porto de Vila do Conde, supostamente um polo industrial, a 50 quilômetros de Belém, matou, de uma só vez, cinco mil cabeças, que seriam exportadas. Um título amargamente recorde para se juntar aos demais: o maior afogamento de bois da história nacional (e mesmo mundial?).

São Félix do Xingu, no extremo sudoeste do Estado, tinha floresta abundante o suficiente para emparelhar com a exploração dos minérios depositados em seu subsolo. O título que conquistou foi o de município com o maior rebanho bovino do Brasil. São 2,5 milhões de cabeças. As dezenas de fazendas que se instalaram na região à base da derrubada intensiva de árvores contribuíram, no mês passado, para uma receita de ICMS de 9,7 milhões de reais, a oitava maior dentre os 144 municípios do Pará.

A maior arrecadação foi de Parauapebas, localizado na região de Carajás, o maior município exportador do país, que alcançou cinco vezes mais em setembro: R$ 58 milhões. Depois da capital paraense, outro município minerador, Canaã dos Carajás, com R$ 37 milhões.

Marabá, ali perto, tem o 2º rebanho bovino, de 1,4 milhão de cabeças, e o 4º maior recolhimento de ICMS, mas porque é o centro administrativo da atividade mineral. Mas quatro municípios, com rebanhos entre mais de 600 mil e menos de 800 mil cabeças, tiveram receita na faixa de R$ 30 mil e R$ 40 mil reais. Quem teve mais foi Novo Progresso: seus 642 mil bois renderam R$ 91 mil de ICMS. Foi o 22º, vivendo intensamente de exploração ilegal de madeira e minério, e da pecuária, não muito mais legal.

Foi justamente Novo Progresso, à margem da rodovia Santarém-Cuiabá, que promoveu o dia do fogo, pondo fogo criminosamente na floresta, sob o estímulo e o apoio do presidente Jair Bolsonaro, que acompanhou o fogaréu de Brasília.

Dos 10 municípios que mais desmataram justamente nesse ano, 9 estavam localizados na Amazônia; 6 eram do Pará. Em primeiro lugar estava em Altamira, com 60 mil hectares e rebanho de 900 mil cabeças. Depois, Pacajá, com 21 hectares desmatados e Portel, com 19 mil hectares. Novo Progresso, com 24 mil hectares, em sexto, e Itaituba, em sétimo, com o desmatamento de mil hectares.

O demonstrativo dessa vocação imposta de produtor de bens de menor valor relativo proporcionalmente ao que obteria com sua industrialização está na receita do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados). Também no mês passado ficou um pouco abaixo de 11 milhões de reais (R$ 10.896.224). A maior parcela coube a Parauapebas, cuja cota, de R$ 1,6 milhão, foi R$ 400 mil superior à parte da capital (R$ 1.214.784), por sua vez, ligeiramente superior à de Canaã dos Carajás, que foi de um milhão de reais. Barcarena, distrito industrial de expressão nacional e internacional como polo de caulim, alumina e alumínio, restaram R$ 380 mil. A receita dos sete municípios com maior participação (incluindo Marabá, Ananindeua e Tucuruí) foi de R$ 5,5 milhões, metade do total. A outra metade foi rateada com 137 municípios.

Os valores correspondem a uma esmola industrial em São Paulo. É o que sobra ao Pará, na apuração rigorosa do encontro de contas.

A imagem que abre este artigo é de autoria de Cícero Pedrosa Neto/Amazônia Real e mostra o Monumento ao Garimpeiro, Novo Progresso, Pará.

Além de colaborar com a agência Amazônia Real, Lúcio Flávio Pinto mantém quatro blogs, que podem ser consultados gratuitamente nos seguintes endereços:

* lucioflaviopinto.wordpress.com – acompanhamento sintonizado no dia a dia.

* valeqvale.wordpress.com – inteiramente dedicado à maior mineradora do país, dona de Carajás, a maior província mineral do mundo.

* amazoniahj.wordpress.com – uma enciclopédia da Amazônia contemporânea, já com centenas de verbetes, num banco de dados único, sem igual.

* cabanagem180.wordpress.com – documentos e análises sobre a maior rebelião popular da história do Brasil.

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Sobre a matéria

Lúcio Flávio Pinto

Lúcio Flávio Pinto é jornalista desde 1966. Sociólogo formado pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo, em 1973. Editor do Jornal Pessoal, publicação alternativa que circula em Belém (PA) desde 1987. Autor de mais de 20 livros sobre a Amazônia, entre eles, Guerra Amazônica, Jornalismo na linha de tiro e Contra o Poder. Por seu trabalho em defesa da verdade e contra as injustiças sociais, recebeu em Roma, em 1997, o prêmio Colombe d’oro per La Pace. Em 2005 recebeu o prêmio anual do Comittee for Jornalists Protection (CPJ), em Nova York, pela defesa da Amazônia e dos direitos humanos. Lúcio Flávio é o único jornalista brasileiro eleito entre os 100 heróis da liberdade de imprensa, pela organização internacional Repórteres Sem Fronteiras em 2014. Acesse o novo site do jornalista aqui www.lucioflaviopinto.com.