Pressão social e resistência fóssil marcam primeira semana da COP30

Na primeira semana da COP30, protestos indígenas, militarização e impasses sobre combustíveis fósseis expõem limites da conferência.

Paralela à COP30, a Marcha Mundial pelo Clima percorreu as ruas de Belém na manhã deste sábado (15/11) (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real/2025).
Amazonia Real Publicado em: 15/11/2025 às 18:40
Por da Amazônia Real
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“A COP do Clima se transformou em um evento muito tecnocrático, muito fechado à participação social e pouco democrático. O processo da COP não está adequado à realidade e à crise climática. Tudo que se defina aqui vai ser insuficiente. Isso foi muito reforçado nas últimas três COPs, em países que não permitiram a participação da sociedade civil", afirma a Susana Muhamad.

“A questão, aqui em Belém, é que estamos em território amazônico que é um território indígena e um dos pilares para a estabilidade climática. Esta COP deveria estar falando da Amazônia a fundo e não se pode falar da Amazônia sem os povos indígenas. A Amazônia não pode ser só o nome de um território. Povos indígenas não podem ser uma decoração, apenas para dizer que estão aqui. Suas vozes deveriam incidir na conferência”, Susana Muhamad.

“Esse tópico, sozinho, pode fazer dessa COP a mais importante de todas. Isso não é pouca coisa. O embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP30, foi muito hábil e inteligente em focar na agenda de ação e implementação. Por que isso é inteligente? Porque esta agenda não é regulada pelas regras da UNFCC (Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, que organiza as COPs), não está amarrada ao bloqueio de alguns países", Paulo Artaxo.

“Quem mais está se opondo ao mapa do caminho é a Arábia Saudita. Mas tem um detalhe muitíssimo importante que não deve ser desprezado. A Arábia Saudita sempre teve essa posição e ela tinha o apoio dos Estados Unidos. Aqui, ela não tem apoio político do peso dos Estados Unidos. A Venezuela também é outro país que sempre se opôs a essa questão, só que agora a Venezuela está numa posição muito frágil e precisa do apoio brasileiro para enfrentar uma eventual invasão [dos Estados Unidos]. Então, eles também estão fragilizados. É um jogo geopolítico. São esses interesses que dominam a negociação diplomática. Considerando tudo isso, não há razão nenhuma para ter uma perspectiva pessimista. É preciso entender a complexidade do que está em jogo. Estamos falando do desenvolvimento econômico de mais de 190 países para os próximos 50 a 60 anos”, Paulo Artaxo.

“Um componente novo nesse cenário foi a forte intervenção dos indígenas brasileiros. Embora esperada, a contundência da etnia Munduruku sempre é muito forte. Acho que vai continuar e se expandir com outros grupos fazendo coro”, Ima Vieira.

“Teve um impulso inicial dos países para apoiar o abandono gradual dos combustíveis fósseis, mas precisa de tomada de decisões e aí aparecem os problemas. Este tema enfrenta forte resistência. A redução da dependência dos combustíveis fósseis, levantada pelo Brasil, é uma questão delicada que corre em paralelo. Os grandes produtores de petróleo, liderados pela Arábia Saudita, sequer aceitam que este assunto seja tratado”, Ima Vieira.

“Os debates sobre financiamento, metas de emissões e compromissos internacionais progrediram pouco, e acho que a conferência vai ter dificuldades para apresentar resultados concretos. Os países em desenvolvimento continuam insistindo que só poderão aumentar suas ambições [de metas climáticas] se houver garantia dos recursos financeiros prometidos e isso está muito distante. Os impasses entre países ricos e em desenvolvimento são muito grandes”, Ima Vieira.

“Vários países submeteram suas NDCs, mas a gente vê claramente que a ambição desses países não está a contento, não está de acordo com o que a gente precisa e com a emergência que estamos enfrentando. O relatório do Global Carbon Budget (2025), mostra que o que a gente tem que fazer daqui para frente  tem que ser bem mais ambicioso e mais rápido. O relatório tem um gráfico que mostra o quanto a gente tem que reduzir de emissões para ficar em 1,5 grau até 2035. A curva é uma descida de tobogã para reduzir. E eu não vejo o engajamento suficiente dos países para que isso aconteça”, Ane Alencar.

“Até hoje, as COPs não tinham tratado do fogo como uma questão importante porque os incêndios florestais não entram nos inventários nacionais de emissões. Hoje, tem vários painéis sobre incêndios florestais na COP porque a gente tem vivido isso intensamente, no Brasil e em outros países. Finalmente, a gente tem essa chamada para ação sobre os incêndios. Ele não entra na agenda, mas é uma chamada para ação assinada por mais de 60 países. É como se fosse uma carta de intenções apontando os principais rumos que a gente pode construir a partir de agora. Deu-se relevância à questão do fogo. É um tema cada vez mais prioritário e que ganhou mais visibilidade. A gente precisa achar caminhos para a gestão do fogo. Nem todo fogo é ruim, mas os incêndios florestais precisam ser controlados”, Ane Alencar.

Referências:

Protesto de indígenas Munduruku impõe diálogo com a COP30
https://amazoniareal.com.br/protesto-de-indigenas-munduruku-bloqueia-acesso-a-cop30/

“A COP30 não reconhece a gente”, diz indígena do protesto
https://amazoniareal.com.br/a-cop30-nao-reconhece-a-gente-diz-indigena-do-protesto/
Cristina
Cristina Serra

Cristina Serra é jornalista e trabalhou nas redações dos jornais Resistência, Leia Livros, Jornal do Brasil, Veja e da Rede Globo. Cobriu o desastre de Mariana, em 2015, para o Fantástico. Escreveu o livro “Tragédia em Mariana – a história do maior desastre ambiental do Brasil”(Record).

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