Philip M. Fearnside

Resposta à tréplica da EPE sobre petróleo e gás

A tréplica postada na Amazônia Real por Hermani Vieira da Empresa de Pesquisa energética (EPE) é, mais uma vez, reveladora dos problemas fundamentais com o EAAS Solimões (Estudo Ambiental da Área Sedimentar do Solimões) e com o papel da EPE […]

URUCU 27 06 2007 OBRAS DO GASODUTO COARI MANAUS. JATEAMENTO COM GRANALHA DE AÇO DESFILE NO KM 19 FOTO ALBERTO CÉSAR ARAÚJO/

Por Philip Martin Fearnside Publicado em: 15/04/2020 às 14:58

A tréplica postada na Amazônia Real por Hermani Vieira da Empresa de Pesquisa energética (EPE) é, mais uma vez, reveladora dos problemas fundamentais com o EAAS Solimões (Estudo Ambiental da Área Sedimentar do Solimões) e com o papel da EPE nele. A tréplica explica que a finalidade do EAAS é para “aperfeiçoamento do processo de decisão”. No entanto, fica claro que o processo de decisão em questão é apenas sobre como a exploração do petróleo e gás seria implantada para que tenha o mínimo possível de impactos negativos, e não uma decisão sobre se essa iniciativa seja sábia ou não para o país.

Enfatiza-se na tréplica o papel da EAAS em identificar “áreas sensíveis onde não é recomendável que se instalem novas atividades”. Estas recomendações são, principalmente, para não explorar em Unidades de Conservação ou Terras Indígenas (pelo menos, por enquanto). No entanto, a implicação é de que as áreas, fora destes locais “sensíveis”, poderiam ser aptas à exploração. No caso da região em questão, há uma vasta área de terras devolutas. Esta área seria atrativa para exploração de petróleo e gás devido à falta de impedimentos legais, mas, infelizmente, também seria mais atraente para a entrada de grileiros e sem-terra (entre outros), levando ao desmatamento em grande escala.

A tréplica de Hermani Vieira lista como tarefas que não são atribuições do EAAS a aprovação e levantamento de potencial petrolífero e a concessão de licenças ambientais. Esta compartimentalização do processo pode ser conveniente em proteger a EPE contra críticas no futuro se grandes impactos fossem surgir. Porém, se esquiva da responsabilidade da EPE de pensar de uma forma mais abrangente sobre os rumos de desenvolvimento na sua área – a de energia. É notável que a tréplica não conteste nada do conteúdo do meu texto sobre o perigo de desmatamento por atores que não sejam as próprias companhias petrolíferas, e sobre os enormes impactos para o país que seriam provocados pela perda deste bloco de floresta, inclusive sobre os reservatórios das hidrelétricas na região sudeste.

Com relação aos cenários no EAAS, a tréplica enfatiza que foram feitos por “profissionais especializados” em petróleo e gás e em “estudos socioambientais”. Isso dá entender que os cenários foram preparados por meio de consultorias, ou seja, por profissionais que são contratados para produzir estudos sobre determinados tópicos segundo termos de referência elaborados pelo contratante. Neste caso, a tarefa especificada teria sido para considerar a área dos primeiros poços ao longo de um horizonte de tempo de apenas 20 anos, e sem considerar outros atores que não sejam as companhias petrolíferas e os atuais residentes da região. Hermani Vieira explica que estes profissionais especializados não tinham “o quantitativo de infraestrutura suficiente” para prever o desmatamento nos cenários. Esta limitação deve refletir as prioridades que o próprio EPE estabeleceu para os estudos contratados. Novamente, isto chama atenção à necessidade da EPE pensar de uma forma mais ampla para poder cumprir com seu importante papel em apontar direções mais sábias para o país na área energética.

A tréplica termina afirmando que, embora os cenários no EAAS adotem um horizonte de apenas 20 anos, “foi recomendada uma validade de 10 anos para o Estudo”. É impressionante como a percepção da EPE é limitada neste caso. Considerando apenas 10 anos, ou mesmo 20 anos, é evidente que os impactos considerados serão muito menores do que se fosse considerado um horizonte de tempo mais longo. Desconsiderar os impactos maiores que seguirão depois, se a área fosse aberta, pode ajudar na aprovação de projetos específicos de exploração dentro do guarda-chuva da inciativa. No entanto, não reflete a escala do impacto deslanchado pela decisão inicial.

Os processos que se instalam quando uma área na Amazônia fica acessível para migração duram muitas décadas e ficam, em grande parte, fora do controle do governo. A magnitude do impacto de abrir a região ao oeste do rio Purus para a entrada de desmatadores seria de uma enorme dimensão, que a EPE, evidentemente, não estaria prevendo. A contribuição em potencial que a exploração de petróleo e gás faria a este impacto merece uma consideração muito mais deliberada por parte da EPE, antes de patrocinar ações que facilitem a exploração naquela área, como é o caso do EAAS.

A desculpa por considerar apenas 10 ou 20 anos seria, provavelmente, o grau de certeza sempre maior para horizontes curtos. No entanto, conduzir o planejamento de forma restrita, “fechando os olhos” para o futuro mais distante, é uma fórmula para desastre. Imagine se os estudos de mudanças climáticas fossem feitos apenas para os próximos 20 anos. Estaríamos sendo “cegos” às consequências das nossas ações de hoje, assim como a EPE está sendo “cega” às consequências das suas ações no último grande bloco intacto de floresta amazônica.

Acompanhe a debate nos artigos e comentários:

Os riscos do projeto de gás e petróleo na “Área Sedimentar do Solimões”

Petróleo e Gás no Solimões: Resposta a Hermani Vieira da EPE

A fotografia que abre esta nota é da obra do gasoduto Coari-Manaus, em 2007 (Foto: Alberto César Araújo)

Philip Martin Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 600 publicações científicas e mais de 500 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis aqui.

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Sobre a matéria

Philip Martin Fearnside

É doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 600 publicações científicas e mais de 500 textos de divulgação de sua autoria que podem ser acessados aqui. https://philip.inpa.gov.br