Violações a crianças e adolescentes indígenas no Baixo Amazonas

RENAN ALBUQUERQUE A Amazônia é extensão socioterritorial que comporta rica diversidade cultural e ambiental. Trata-se de um dos maiores redutos de concentração de recursos naturais e culturais do planeta. Em contrapartida, a região apresenta problemas de ordem econômica, social e […]

"A encomenda especial tratava-se de uma menina índia". (Foto: Alberto César Araújo)

Por Amazônia Real Publicado em: 12/01/2016 às 19:14

RENAN ALBUQUERQUE

A Amazônia é extensão socioterritorial que comporta rica diversidade cultural e ambiental. Trata-se de um dos maiores redutos de concentração de recursos naturais e culturais do planeta. Em contrapartida, a região apresenta problemas de ordem econômica, social e política, merecendo destaque a questão da violência sexual contra crianças e adolescentes indígenas.

Em áreas de garimpo, por exemplo, não é rara a prostituição infantil de jovens mulheres ameríndias; em comunidades rurais ocorre em certa medida a utilização de crianças e adolescentes para fins sexuais. São realidades diferentes, em parte, porém igualmente reforçadas por isolamento geográfico e também pela escassez de políticas sociais e fiscalização.

A violência sexual contra índias e índios caracteriza-se como expressão vinculada a relações de poder, a partir da qual dá-se o aproveitamento de outrem para submetê-la à jugo agressivo, utilizando-se de força física, coerção, sedução ou intimidação. Revela-se como uma ameaça manifesta a direitos humanos e recebe classificação de abuso ou exploração sexual. Como abuso sexual, entende-se ato ou jogo em que adultos submetem crianças e adolescentes para se estimular ou satisfazer-se.

Essa exploração indígena, porquanto, refere-se à relação mediada por dinheiro ou troca de favores. Sua particularidade, no Baixo Amazonas, funda-se na obtenção de lucro, seja de ordem financeira ou não. Na relação, o corpo da criança ou adolescente é visto como mercadoria ou objeto sexual. E mais: a mobilidade vinculada ao mercado de sexo acompanha dinâmicas de desenvolvimento local, cujo fluxo em rotas de tráfico ocorre em vias interestaduais, intermunicipais e internacionais, onde adolescentes, crianças e indígenas do Baixo Amazonas circulam na confluência de estradas, portos, áreas de grandes empreendimentos, ambientes de festivais regionais e países de fronteira.

O Conselho Tutelar de Parintins (município amazonense localizado na região do Baixo Rio Amazonas), em relação às agressões sexuais contra crianças e adolescentes índias(os) e não índias(os), organiza dados desde 2008. No referido ano, foram registrados 88 casos. No ano seguinte, as notificações alcançaram 72 ocorrências. Em 2010 os dados atingiram 126 vítimas e em 2011 houve 96 ocorrências. No ano de 2012 foram notificados 42 casos. Em 2013 e 2014, os casos relacionados à violência sexual chegam a quase 8% dos atendimentos.

A violação de direitos de crianças e adolescentes ameríndias é tema que suscita debates por se tratar de forma de violência a pessoas em formação física, psíquica e intelectual. Avaliar essas violações no complexo amazônico causa acirramento de discussão em função da própria mística e carga sociocultural que o ambiente exerce. E ao apresentar dados sobre a violência sexual há a preocupação em expor a temática em função de constantes diálogos intervenientes com características da região e de seus povos.

Discussões apresentadas em estudos de Souza et al., 2015 (1) sugerem que o ambiente do Baixo Amazonas é mais um espaço onde, apesar de mostrar-se enquanto contexto diferenciado e dotado de carga cultural forte, tais formas de violação se apresentam por conta da formação étnica populacional. Também outra questão paralela é a noção comum de ocultamento de crimes do tipo, o que pouco permite visualizar traços socioculturais existentes em ações que se caracterizem enquanto agressões a jovens amazônicos.

Significa dizer que a identificação de práticas de exploração sexual remete a debates constituídos e não declarados, que preveem dispositivos legais regentes do país acerca dessas comunidades e etnias, mas ainda pouco são conciliados no Baixo Amazonas para garantir proteção integral em consonância com aspectos que a região suscita.

Nota

(1). BATISTA, A. T. ; SOUZA, M. N. ; AZEVEDO, N. O. ; Rodrigues, R. A. Violações à criança e ao adolescente no Baixo Amazonas: trabalho infantil e violência sexual. In: 3º Encontro de Políticas Públicas para a Pan-Amazônia e Caribe: educação, interculturalidade e ambiente na Pan-Amazônia e Caribe, 2015, Manaus/AM. Anais do 3º Encontro de Políticas Públicas para a Pan-Amazônia e Caribe: educação, interculturalidade e ambiente na Pan-Amazônia e Caribe. Manaus/AM: EPPPAC, 2015. v. 3. p. Artigo 59.

* Renan Albuquerque é professor e pesquisador do colegiado de jornalismo da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e desenvolve estudos relacionados a conflitos e impactos socioambientais entre índios waimiri-atroari, sateré-mawé, hixkaryana, junto a atingidos pela barragem de Balbina e com assentados da reforma agrária.

A foto que ilustra este artigo é de Alberto César Araújo

Reportagem Noticiosa

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