Philip M. Fearnside

Amazônia e o Aquecimento Global: 5 – Secas

O fenômeno El Niño é uma das principais causas de secas na Amazônia, especialmente na porção norte da região. El Niño é causado por águas superficiais quentes no Oceano Pacífico. A frequência desses eventos aumentou significativamente desde 1975 e, em […]

Peixes morrem durante a seca em Manaquiri (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real/2009)

Por Philip Martin Fearnside Publicado em: 17/12/2018 às 14:07

O fenômeno El Niño é uma das principais causas de secas na Amazônia, especialmente na porção norte da região. El Niño é causado por águas superficiais quentes no Oceano Pacífico. A frequência desses eventos aumentou significativamente desde 1975 e, em 2007, o IPCC pôde concluir que mais aquecimento global resultará em mais “condições semelhantes ao El Niño” ([1] p. 779). Isso foi demonstrado por 18 dos 21 modelos climáticos analisados pelo IPCC. Os grandes eventos El Niño em 1997-98, 2003 e 2015-16 causaram extensos incêndios florestais na Amazônia (por exemplo, [2-4]). Nos últimos anos, os modelos climáticos melhoraram sua representação do El Niño e hoje indicam que o aquecimento global continuado aumentará muito a frequência de “Super El Niños” [5].

Secas na Amazônia também são causadas pelo aquecimento no Oceano Atlântico. O dipolo do Atlântico causa secas no sul da Amazônia, como ocorreu em 2005 e 2010 [6, 7]. Em 2005, a seca foi centralizada sobre o Acre, enquanto em 2010 estava espalhada por três centros em todo o sul da Amazônia (Figura 7).

Figura 7 – Intensidade de seca em 2005 e 2010 expressa como Déficit Cumulativo Máximo de Água (MCWD) [8].

O dipolo do Atlântico é causado por uma mancha de água morna na parte sul do Oceano Atlântico Norte, em combinação com um trecho mais frio no Atlântico Sul, na latitude da região Nordeste do Brasil. A diferença entre a temperatura da água superficial em retângulos nessas áreas é significativamente associada à precipitação em um retângulo centrado sobre o Acre (Figura 8). Projeções dos modelos indicam que o dipolo do Atlântico aumentará muito rapidamente – muito mais rapidamente do que o esperado aumento na frequência do El Niño [9].

Figura 8 – Anomalia da temperatura da água durante o dipolo do Atlântico em 2005 [9]. A diferença entre as temperaturas nos dois retângulos no Oceano Atlântico está significativamente relacionada à precipitação no retângulo centrado sobre o Acre, no sudoeste da Amazônia.

Os dados das medições da temperatura da água no trecho quente no Atlântico Norte mostram um aumento de 0,6 °C em apenas 20 anos, sem indicação de desaceleração (Figura 9). Deve ser enfatizado que isso é baseado em medições, não em simulações de computador e, portanto, tem muito menos incerteza associada. O aquecimento da água é causado pela diminuição dos aerossóis atmosféricos, principalmente a poeira do deserto do Saara e a poluição da Europa. Com o aquecimento global, mais água está evaporando dos oceanos, e essa água forçadamente cai em algum lugar como chuva. O aumento da chuva está limpando a poeira do ar sobre o Atlântico, o que significa que mais energia do Sol chega à água, em vez de ser interceptada por partículas de poeira na atmosfera[11].

Figura 9 – Medição da temperatura da superfície do mar (SST) na mancha de água quente no Atlântico Norte tropical, que desencadeou o dipolo do Atlântico em 2005 [10]. A temperatura da água nesta área está aumentando continuamente, aquecendo 0,6 °C em 20 anos.

Notas

[1] Meehl, G.A.; Stocker, T F.; Collins, W.D.; Friedlingstein, P.; Gaye, A.T.; Gregory, J M.; Kitoh, A.; Knutti, R.; Murphy J M.; Noda, A.; Raper, S.C B.; Watterson, I.G. ; Weaver, A.J.; Zhao, Z-C. 2007. Global Climate Projections. In: Solomon, S.; Qin, D.; Manning, M.; Chen, Z.; Marquis, M.; Averyt, K.B.; Tignor, M.; Miller, H.L. (eds.). Climate Change 2007: The Physical Science Basis. Contribution of Working Group I to the Fourth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change, Cambridge University Press, Cambridge, Reino Unido, p. 247-845.

[2] Alencar, A.C., D. Nepstad & M.C.V. Diaz. 2006. Forest understory fire in the Brazilian Amazon in ENSO and non-ENSO years: Area burned and committed carbon emissions. Earth Interactions 10(6): 1–17. https://doi.org/10.1175/EI150.1

[3] Barbosa, R.I. & P.M. Fearnside. 1999. Incêndios na Amazônia brasileira: Estimativa da emissão de gases do efeito estufa pela queima de diferentes ecossistemas de Roraima na passagem do evento “El Niño” (1997/98). Acta Amazonica 29: 513-534.

[4] Barlow, J., C. Peres, R.O. Lagan & T. Haugaasen. 2003. Large tree mortality and the decline of forest biomass following Amazonian wildfires. Ecology Letters 6: 6-8.

[5] Latif, M.; Semenov, V.A. & Park, W. 2015. Super El Niños in response to global warming in a climate model. Climatic Change 132(4): 489-500.

[6] Marengo, J.A., C.A. Nobre, J. Tomasella, M.D. Oyama, G. Sampaio de Oliveira, R. de Oliveira, H. Camargo, L.M. Alves & I.F. Brown. 2008. The drought of Amazonia in 2005. Journal of Climate 21: 495–516.

[7] Marengo, J. A., Tomsasella, J., Alves, L. M., Soares, W. & Rodriguez, D. A. 2011. The drought of 2010 in the context of historical droughts in the Amazon region. Geophysical Research Letters, 38, 1–5.

[8] Lewis, S. L., P. M. Brando, O. L. Phillips, G. M. F. Van Der Heijden & D. Nepstad. 2011. The 2010 Amazon drought. Science, 331: 554.

[9] Cox, P.M., P.P. Harris, C. Huntingford, R.A. Betts, M. Collins, C.D. Jones, T.E. Jupp, J.A. Marengo & C.A. Nobre. 2008. Increasing risk of Amazonian drought due to decreasing aerosol pollution. Nature 453: 212-215.

[10] Evan, A.T., D.J. Vimont, A.K. Heidinger, J.P. Kossin & R. Bennartz. 2009. The role of aerosols in the evolution of tropical North Atlantic Ocean temperature anomalies. Science 324: 778–781. https://doi.org/10.1126/ science.1167404

[11] As pesquisas do autor são financiadas exclusivamente por fontes acadêmicas: Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq: proc. 305880/2007-1; 5-575853/2008 304020/2010-9; 573810/2008-7), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM: proc. 708565) e Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA: PRJ15.125). Este trabalho foi apresentado no Fourth International Conference of Literature and Environment: II Biennial Conference of ASLE-Brasil “The Demise of Nature: Narratives of Water and Forests in the Anthropocene”, Universidade Federal do Amazonas, Manaus, 04-07 de junho de 2018.

A imagem que abre este artigo mostra a seca do rio no município de Manaquiri, no Amazonas (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)

Leia os artigos anteriores desta série:

Amazônia e o Aquecimento Global: 1 – Resumo da Série

Amazônia e o Aquecimento Global: 2 – Negadores do clima

Amazônia e o Aquecimento Global: 3 – Impactos na Amazônia

Amazônia e o Aquecimento Global 4 – O Relatório Suprimido

Philip Martin Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências e também coordena o INCT (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia) dos Serviços Ambientais da Amazônia. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 500 publicações científicas e mais de 200 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis aqui.

Reportagem Noticiosa

Sobre a matéria

Philip Martin Fearnside

É doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 600 publicações científicas e mais de 500 textos de divulgação de sua autoria que podem ser acessados aqui. https://philip.inpa.gov.br