Política

Um louco no palácio

É inédito, inacreditável e assustador: de dentro da sede do governo federal, em Brasília, o presidente da República conspira contra o resultado das eleições, contra a democracia e contra o próprio país. Não há outra interpretação que se possa dar […]

(Manaus - AM, 23/04/2021) Presidente da República Jair Bolsonaro, durante entrevista ao apresentador Sikêra Júnior.(Foto: Alan Santos/PR)

Por Lúcio Flávio Pinto Publicado em: 01/11/2022 às 10:41

É inédito, inacreditável e assustador: de dentro da sede do governo federal, em Brasília, o presidente da República conspira contra o resultado das eleições, contra a democracia e contra o próprio país. Não há outra interpretação que se possa dar ao silêncio de dois dias de Jair Bolsonaro à proclamação oficial do resultado da votação de domingo, realizada sem qualquer acidente ou imprevisto de significado, com o maior comparecimento já registrado de eleitores à segunda votação desde que o processo eletrônico foi implantado.

Se não está por trás da greve política (praticamente um locaute) dos caminhoneiros, iniciada logo depois do final da contagem dos votos, Bolsonaro não tem argumentos para se defender. Mesmo que já não tivesse tomado uma medida concreta (drástica e rigorosa, se necessário) para conter a paralisação, ele deveria ter se pronunciado contra a iniciativa, que viola muitas regras, inclusive o preceito constitucional de ir e vir livremente. O seu silêncio, pelo contrário, é o sinal indireto de apoio aos caminhoneiros, que espalham pelas rodovias brasileiras um rastilho de pólvora.

A inércia do presidente, que renunciou implicitamente às suas funções e deveres, leva o ministro Alexandre de Moraes a assumir mais uma vez a função de delegado da ordem pública, agora sem contestação legítima e legal. Sua ordem de liberação das estradas, dada à Polícia Rodoviária Federal, é quase uma contingência compulsória. Se desobedecido, ele ameaça mandar prender os criminosos. Mas quem irá prendê-los?

Sem resposta das autoridades competentes para cumprir a ordem judicial, como tem que ser, na sucessão das instâncias será necessário recorrer às forças armadas? Mas passando por cima do seu comandante-em-chefe, que é o presidente. Uma vez fora do quartel, como se sabe muito bem, mais difícil será recolocar a tropa nos seus devidos lugares.

Bolsonaro está se inspirando em seu modelo, Donald Trump. Melando a história americana, como um celerado, ele liderou a invasão da sacrossanta (para os americanos) sede do poder legislativo, o Capitólio, em Washington. Felizmente o ataque não foi tão eficiente, Causou mortes, mas foi contido. O ex-presidente, agora, está sendo investigado. O comportamento de Bolsonaro, irresponsável e insano, é mais bem articulado, mais sagaz. No seu bunker, no Palácio do Planalto, ele espera o circo pegar fogo. Não como um palhaço, papel inocente demais para sua volúpia de violência. Como um louco.

A imagem que abre este artigo é de Alan Santos e mostra o presidente Jair Messias Bolsonaro, derrotado nas últimas eleições, com o apresentador de televisão Sikera Jr., em Manaus-Am (Foto: Alan Santos/PR)

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Sobre a matéria

Lúcio Flávio Pinto

Lúcio Flávio Pinto é jornalista desde 1966. Sociólogo formado pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo, em 1973. Editor do Jornal Pessoal, publicação alternativa que circula em Belém (PA) desde 1987. Autor de mais de 20 livros sobre a Amazônia, entre eles, Guerra Amazônica, Jornalismo na linha de tiro e Contra o Poder. Por seu trabalho em defesa da verdade e contra as injustiças sociais, recebeu em Roma, em 1997, o prêmio Colombe d’oro per La Pace. Em 2005 recebeu o prêmio anual do Comittee for Jornalists Protection (CPJ), em Nova York, pela defesa da Amazônia e dos direitos humanos. Lúcio Flávio é o único jornalista brasileiro eleito entre os 100 heróis da liberdade de imprensa, pela organização internacional Repórteres Sem Fronteiras em 2014. Acesse o novo site do jornalista aqui www.lucioflaviopinto.com.