Meio Ambiente

Hydro ameaça fechar a produção de bauxita em resposta ao embargo judicial em Barcarena

A fotografia acima é da bacia de rejeitos sólidos DRS 1, da qual a mineradora diz que está próxima de atingir sua capacidade, mas que passou por obras (Foto aérea de Pedrosa Neto/Amazônia Real) São Paulo (SP) – A […]

Por Kátia Brasil Publicado em: 03/10/2018 às 13:46

A fotografia acima é da bacia de rejeitos sólidos DRS 1, da qual a mineradora diz que está próxima de atingir sua capacidade, mas que passou por obras (Foto aérea de Pedrosa Neto/Amazônia Real)

São Paulo (SP) – A mineradora norueguesa Hydro Alunorte, acusada de crimes ambientais no município de Barcarena, no nordeste do Pará, anunciou na manhã desta quarta-feira (3), que vai suspender em 100% a produção de bauxita na refinaria do município e também na mina localizada em Paragominas, que fica na mesma região. A empresa, que tem como principal acionista o governo da Noruega, justifica que sua decisão é motivada pelo embargo de 50% da capacidade de produção pelas autoridades brasileiras há sete meses.

A Justiça embargou as atividades da Hydro Alunorte após o vazamento de resíduos sólidos que contaminou os mananciais da bacia do rio Pará, impactando populações tradicionais. A empresa nega o incidente, que aconteceu entre os dias 16 e 17 de fevereiro deste ano.

A mineradora não informou quantos empregados irá dispensar, mas deixa claro que sua decisão é uma ameaça para reverter o embargo judicial e para economia do Pará.

“Embora seja cedo demais para determinar o impacto total, a decisão de paralisar a Alunorte e a Mineração Paragominas terá consequências operacionais e financeiras significativas, potencialmente também para o portfólio de alumínio primário da Hydro, incluindo a Albras”, diz a nota divulgada pela mineradora.

“Continuaremos trabalhando de forma construtiva com as autoridades para suspender o embargo e retomar as operações, a fim de restabelecer a Alunorte como a maior refinaria de alumina do mundo”, diz John Thuestad, Vice Presidente Executivo de Bauxita & Alumina da Hydro.

Funcionários da Hydro Alunorte durante Assembléia Geral em Barcarena em 22 de março de 2018 (Foto Pedrosa Neto/Amazônia Real)

Empresa se comprometeu em reduzir impactos

A decisão pelo fechamento da produção da Hydro Alunorte e da Mineração Paragominas acontece dois dias antes de vencer o primeiro prazo do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado pela empresa com os Ministérios Públicos do Estado do Pará e Federal e o governo do Pará, em 5 de setembro passado.

No documento, a mineradora se comprometeu em investir R$ 250 milhões em medidas de avaliação e redução de impactos socioambientais causados pelo vazamento da bacia de rejeitos de bauxita DRS 1, em Barcarena.

O incidente ambiental foi confirmado em dois laudos emitidos pelo Instituto Evandro Chagas. Um dos laudos, divulgado em fevereiro passado pelo pesquisador em Saúde Pública da Seção de Meio Ambiente do IEC, Marcelo de Oliveira Lima, confirmou que houve o vazamento de rejeitos da barragem da empresa Hydro Alunorte.

Segundo o pesquisador do IEC, as amostras analisadas tinham níveis de chumbo, sódio, nitrato e alumínio, sendo que este último está 25% acima do permitido para a saúde humana. Ele afirmou que a lama vermelha vista nas comunidades São João, Burajuba, Sítio Conceição, Cupuaçu Boa Vista, São Lourenço Gibiriê, todas de remanescentes quilombolas, é de bauxita e outros produtos químicos.

“Ao contrário do que a empresa diz e afirma, houve, sim, transbordamentos. As bacias não estavam suportando a quantidade de chuvas”, disse Marcelo de Oliveira Lima, em coletiva de imprensa em Belém, logo após a realização do laudo, em fevereiro.

Em abril, a Justiça do Pará moveu uma ação civil pública, por meio da Procuradoria Geral do Estado (PGE), e determinou à Hydro Alunorte depositar R$ 150 milhões pelos danos causados em Barcarena, desta vez um vazamento do depósito de resíduos sólidos DRS 2 . O despacho foi expedido pelo juiz Emersom Benjamin, que embargou o depósito.

Comunidade afetada pelo vazamento na barragem de rejeitos da mineradora Hydro Alunorte (Foto: Pedrosa Neto/Amazônia Real)

Um relatório do Comitê de Gestão e Avaliação de Resposta à Contaminação Ambiental no Município de Barcarena, criado por decreto federal em março deste ano e coordenado pela Casa Civil da Presidência da República, analisou os cenários observados na região entre os dias 26 e 27 de abril – depois de dois meses do desastre ambiental, e classificou “que os incidentes ocorridos em Barcarena, como o acontecido com a empresa Hydro Alunorte, geraram poluições de caráter agudo (muito intenso), com a tendência de retorno às condições anteriores dias após o fato”.

A empresa norueguesa contratou auditorias internas e externas e rebate que não houve vazamento ou transbordo dos depósitos de resíduo de bauxita. “Não há indícios de contaminação decorrentes do evento da chuva de fevereiro”, diz a mineradora Hydro Alunorte.

Segundo a nota da mineradora, a decisão de fechar as produções em Barcarena e Paragominas “foi tomada após verificar que a área de depósito de resíduos de bauxita 1 (DRS1) está próxima de atingir sua capacidade, devido ao embargo que impede o uso do filtro prensa, tecnologia de última geração, e da recém-desenvolvida área de depósito de resíduos de bauxita (DRS2)”. No entanto, a empresa não informa os níveis da capacidade de resíduos das duas bacias.

A mineradora responsabiliza as autoridades brasileiras por sua decisão. “Os embargos impediram a Alunorte de utilizar a mais nova área de depósito de resíduos de bauxita (DRS2), que estava em comissionamento em fevereiro, e a tecnologia de filtros prensa, que representam um investimento de mais de R$ 1 bilhão”, diz a nota.

Segundo a mineradora, com o embargo, “a Alunorte foi forçada a operar apenas o DRS1, que foi originalmente planejado para ser encerrado, e os filtros tambor menos eficientes. O DRS1 está, portanto, se aproximando de seu fim de vida mais rápido do que o previsto, forçando a Alunorte a tomar a decisão responsável de encerrar temporariamente 100% de suas operações. Isso terá efeito imediato na mina de bauxita de Paragominas, que também suspenderá 100% das operações. Tanto a Alunorte quanto a mina de Paragominas iniciaram o processo de desligamento com segurança.”

“Nosso time tem trabalhado duro nos últimos sete meses para manter operações seguras e preservar empregos. Este é um dia triste, pois temos a tecnologia mais avançada do mundo para continuar com operações seguras, que estamos impedidos de utilizar. Isso afetará empregos, comunidades, fornecedores e clientes”, diz John Thuestad.

Veja como bacia DRS 1 estava em 22 de fevereiro de 2018:

Bacia DRS 1 da mineradora Hydro Alunorte, em Barcarena (Foto: Pedrosa Neto/Amazônia Real)

No vídeo, novas imagens áreas das bacias em agosto de 2018

Sobre os empregados, a mineradora afirma na nota que “está trabalhando em colaboração com os sindicatos e fará o máximo para reduzir as consequências para os empregados, mas a decisão de paralisar as operações da Alunorte e da Mineração Paragominas afetará empregos diretos e indiretos em ambas as unidades.”

Até o momento, o governo do Pará não se pronunciou oficialmente sobre o anúncio da empresa de suspender as operações.

MP´s alertam para o TAC

O Ministério Público Federal e o Ministério Público Estadual divulgaram uma nota oficial conjunta em que se manifestam apenas sobre o Termo de Ajuste de Conduta (TAC), em que a Hydro se comprometeu a cumprir. Segundo os MPS´s, o TAC prevê a realização de auditorias e a tomada de providências para implementar melhorias e, porventura, as auditagens apontarem como necessárias para a segurança da infraestrutura e do processo produtivo da refinaria. “A legislação brasileira exige que seja dada prioridade a essa garantia de segurança. Os prazos para a realização das auditorias chegam a um ano, e são prorrogáveis”, diz a nota.

Em abril deste ano, o MPF entrou na Justiça Federal com ação cautelar em que pede decisão urgente para garantir a suspensão parcial das atividades da Hydro Alunorte. Também pediu que a refinaria de alumina seja obrigada a prestar atendimento emergencial às comunidades impactadas por despejos irregulares de resíduos tóxicos. Na ação, o MPF também pede que seja assegurada os direitos dos trabalhadores da empresa.

“…Que a Hydro seja obrigada a assegurar que, antes de qualquer dispensa imotivada de funcionários, haja negociação com o sindicato profissional, e que, em caso da efetivação da dispensa imotivada, seja garantido ao empregado dispensado indenização mensal no valor equivalente ao do salário recebido pelo trabalhador, enquanto estiver vigente a suspensão das atividades industriais solicitada na ação”, diz o órgão.

Ainda sobre o TAC, os MP´s exigem que a Hydro pague as multas referentes ao vazamento de resíduos sólidos em 2009. Na época, a empresa Hydro tinha participação acionária de 34% da mineradora, que era controlada pela Vale do Rio Doce. Em maio de 2010, a Norsk Hydro ASA, terceira maior fornecedora mundial de alumínio, anunciou, em Oslo, na Noruega, a assinatura de um acordo de troca de ações com a brasileira Vale.

Os principais acionistas da Hydro são o estado norueguês com 34,7 por cento e o fundo de pensão do governo norueguês com 6,5% (em 31 de dezembro de 2017). Entre outros acionistas majoritários encontram-se investidores institucionais na Noruega, Estados Unidos, Reino Unido e Hong Kong.

No comunicado da transferência das ações da Vale, a Norsk disse em comunicado que “a operação inclui a transferência do controle de Paragominas, uma das maiores minas de bauxita do mundo, 91% de participação na refinaria de alumina Alunorte, 51% na fábrica de alumínio Albras e 81% na futura refinaria de alumina CAP. Com esse acordo, a Hydro, que já detinha 34% de participação na Alunorte e 20% na CAP, assegura o suprimento de bauxita para sua produção pelos próximos 100 anos e consolida sua parceria com a Vale no mercado brasileiro”.

A Hydro Alunorte informa em seu site que sua capacidade total de produção é de de seis milhões de toneladas por ano de alumina, tendo 1.600 empregados próprios e cerca de 800 contratados.

Procurado pela reportagem, o Ministério Público do Trabalho do Pará disse que vem acompanhando desde o 1º semestre a situação referente aos trabalhadores da Hydro, tendo participado de diversas reuniões com a empresa e instituições do Poder Público.

Segundo o MPT, em abril foi realizada mediação entre o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Químicas do Município de Barcarena e representantes da empresa Norsk Hydro/Alunorte, na sede do Ministério Público do Trabalho do Pará e Amapá.

“No momento, existe um Inquérito Civil instaurado no órgão voltado a acompanhar as demandas trabalhistas decorrentes da interrupção das atividades da empresa, porém, precisaremos aguardar os desdobramentos do anúncio feito hoje para assim tomar as providências cabíveis a fim de assegurar os direitos dos trabalhadores dispensados”, disse o MPT, através da assessoria de imprensa.

Não foi surpresa para quilombolas

Maria do Socorro, da Cainquiama, no protesto após o vazamento de rejeitos em Barcarena (Foto: Cainquiama/Facebook)

O advogado Ismael Moraes, da Associação dos Caboclos, Indígenas e Quilombolas da Amazônia (Cainquiama), disse que o anúncio da mineradora Hydro Alunorte, de suspender 100% da produção de bauxita em Barcarena e Paragominas, não é uma surpresa. “A Hydro está paralisada não é porque a capacidade da bacia chegou ao limite. É porque ela se acostumou a trabalhar na ilegalidade. Ela só tinha condições de funcionar despejando diretamente no rio (Pará). Toda aquela quantidade de resíduos. Uma vez flagrada utilizando aqueles dutos clandestinos ela não tem mais para onde se aliviar”, disse.

A Cainquiama é a organização que representa diversas pessoas atingidas pelos danos ambientais em Barcarena. Moraes afirmou que era de conhecimento da população que as bacias DRS 1 e DRS 2 “não têm capacidade de aguentar essa quantidade de produção de área de milhares de metros cúbicos diários que são despejados. E hoje as bacias não tem mais capacidade. Se colocar nas bacias, vai ter outro vazamento, outro escândalo”, disse.

Para o advogado, a mineradora Hydro poderia ter feito há mais de dois anos as obras necessárias e de forma programada. “Mas foi inconsequente, achava que poderia continuar enganando uma quantidade enorme de pessoas e corrompendo outras.”

Ele comentou sobre o impacto da decisão da Hydro nos postos de trabalho. “Esse é o momento dramático a que chegou os empregados da Hydro. Tem o aspecto social das pessoas desempregadas, mas tem também as pessoas que vêm sendo contaminadas há décadas por essa atividade”, disse Ismael Moraes, da Cainquiama. (Colaborou Elaíze Farias)

Os textos, fotos e vídeos publicados no website da Amazônia Real estão licenciados com uma Licença Creative Commons – Atribuição 4.0 Internacional e podem ser republicados na mídia com os créditos dos autores e da agência.

Reportagem Noticiosa

Sobre a matéria

Kátia Brasil

Kátia Brasil é co-fundadora e editora executiva da agência de jornalismo independente e investigativo Amazônia Real, com sede em Manaus (AM). Recém formada pela Faculdade Hélio Alonso, no Rio de Janeiro, foi morar na Amazônia no início do ano de 1990. Trabalhou nas TVs Educativa e Cultura e nos jornais O Globo, A Gazeta de Roraima, O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo. Entre os prêmios que ganhou estão o Esso Regional Norte 1991 e Women Journo Heroes (#JournoHeroes), da International Women’s Media Foundation (IWMF), em 2019, Prêmio Abraji, em 2020, Vladimir Herzog e Comunique-se, ambos em 2021. É uma das jornalistas brasileiras +Admiradas Negras da Imprensa Brasileira, em 2024. É diretora editorial do Projor/Observatório da Imprensa. Conselheira do Tornavoz e RBJA, e membra da Comissão da ABI Ambiental. Foi eleita em 1o. lugar Região Norte do Prêmio TOP 100 +Admirados Jornalistas Brasileiros. Integra o forbiddenstories.org, o Fórum Permanente das Mulheres de Manaus (FPMM) e o Coletivo Mães Pela Diversidade em defesa das pessoas LGBTQIAPN+. ([email protected])