A Hidrelétrica de Sinop: 7 – Sinop como emissor de gases de efeito estufa

Por Philip Martin Fearnside Publicado em: 04/05/2019 às 23:32

A UHE Sinop é prevista para ter emissões bastante altas de gases de efeito estufa, como mostrado pelo trabalho publicado por de Faria e colegas [1] na revista Environmental Research Letters. Este estudo mostrou que, mesmo considerando o potencial de aquecimento global (GWP) de metano para 100 anos, “a maior parte dos fatores de emissão simulados para Cachoeira dos Patos, Cachoeira do Caí, e Sinop são mais altos do que para usinas termoelétricas” ([1], p. 8).

Esta diferença é ainda maior quando considerando o GWP para 20 anos (Figura 8), que é o relevante para cumprir com o limite de temperatura global “bem abaixo de 2°C acima da média pré-industrial” do Acordo de Paris (ver: [2, 3]). Afinal, não temos 100 anos para controlar o efeito estufa.

A UHE Sinop foi a recordista entre todas as 18 barragens amazônicas analisadas por de Faria e colegas [1]. E estas estimativas são conservadoras por subestimar parte da emissão abaixo das barragens (ver: [4]). Como é evidente na Figura 8, o impacto de Sinop pode ser muito maior que combustível fóssil, mesmo quando o GWP de 100 anos favorecido pela indústria hidrelétrica é usado para a comparação.

Figura 8. Fatores de emissão (kg CO₂-eq/MWh) gerado por simulações dos tipos “de baixo para cima” (“Bottom-up”) e “de cima para baixo” (“Top-down”), considerando o potencial de aquecimento global (GWP) de metano para 100 anos (valor = 34) e para 20 anos (valor = 86). Os pontos em cor verde ou laranja indicam o resultado de cada uma das 10.000 simulações executadas.

As linhas tracejadas verticais indicam os valores medianos, em termos mundiais, que seriam emitidos para gerar a mesma energia pelas seguintes opções: hidrelétricas (4), gás natural (470), óleo (840) e carvão (1000) segundo [5], p. 982; ver: [2]). Fonte: [1], p. 10).

Um dos fatores importante na emissão de gases de efeito estufa de hidrelétricas é a magnitude da variação no nível da água no reservatório. Quando o nível da água é rebaixado para aproveitar este volume para gerar energia durante a época de baixa vazão, um lamaçal forma em volta do lago (a zona de deplecionamento).

Uma vegetação não lenhosa cresce nesta zona, e, quando a água sobe de novo, estas plantas, que são enraizadas no fundo, decompõem rapidamente em um ambiente sem oxigênio, formando metano. Quando estão crescendo, as plantas retiram carbono da atmosfera em forma de CO₂, mas depois este carbono volta à atmosfera em forma de metano, com impacto muito maior que CO₂sobre o aquecimento global. Assim, o reservatório se torna uma “fábrica de metano” transformando CO₂ em CH₄, e este processo é sustentado ao longo de toda a vida da barragem [6].

Em uma reunião em 14 de novembro de 2018 com funcionários de Sinop Energia na sede da empresa na cidade de Sinop, este autor obteve respostas sobre os planos para manejo do reservatório. A cota da água deve ser mantida entre os níveis máximo normal e mínimo normal de operação, com água sendo tirada para geração de energia. No entanto, ao descer até atingir o nível mínimo normal de operação, a água continuaria a ser retirada do reservatório para manter a requerida vazão sanitária no rio a jusante.

Assim, a cota no reservatório poderia ser rebaixada até um nível bem menor, portanto abrindo uma zona de deplecionamento maior e aumentando a geração de metano.

Deve ser lembrado que, além do rebaixamento até um nível menor para manter a vazão sanitária, em casos de seca extrema um rebaixamento ainda maior do que o planejado pode ser realizado, como aconteceu em Balbina e Samuel durante o El Niño de 1997/98. Neste caso o chão foi exposto em grandes áreas de paliteiro, resultando em incêndios dentro desses dois reservatórios.

É relevante lembrar que as mudanças climáticas previstas implicam em uma redução substancial da vazão do rio Teles Pires [7].

Em nossa reunião com funcionários na sede da empresa em Sinop em 14/11/18, este autor perguntou se a empresa estava planejando ter um projeto para crédito de carbono. Fomos informados de que a possibilidade de preparar um projeto deste tipo no futuro havia sido discutida na empresa, mas que só teria uma decisão a respeito depois que a usina esteja em funcionamento.

Isto mostra que a barragem não depende do crédito de carbono para justificar a sua construção em termos financeiros, o que é a questão crítica com relação à “adicionalidade” de crédito de carbono e a sua elegibilidade sob a Convenção de Clima [8, 9]. [12]

Notas

[1] de Faria, F.A.M.; Jaramillo, P.; Sawakuchi, H.O.; Richey, J.E. & Barros, N. 2015 Estimating greenhouse gas emissions from future Amazonian hydroelectric reservoirs Environmental Research Letters 10(12): art. 124019.

[2] Fearnside, P.M. 2015. Emissions from tropical hydropower and the IPCC. Environmental Science & Policy 50: 225-239. Tradução em português.

[3] Fearnside, P.M. 2017. Dams with big reservoirs: Brazil’s hydroelectric plans threaten its Paris climate commitments. The Globalist, 29 de janeiro de 2017. Tradução em português.

[4] Fearnside, P.M. 2016. Greenhouse gas emissions from Brazil’s Amazonian hydroelectric dams. Environmental Research Letters 11(1): art. 011002. Tradução em português.

[5] Moomaw, W., Burgherr, P., Heath, G., Lenzen, M., Nyboer, J., Verbruggen, A. 2012. Annex II: Methodology. p. 973-1000. In: Edenhofer, O., Pichs-Madruga, R., Sokona, Y., Seyboth, K., Matschoss, P., Kadner, S., Zwickel, T., Eickemeier, P., Hansen, G., Schlomer, S., von Stechow, C. (Eds.), IPCC Special Report on Renewable Energy Sources and Climate Change Mitigation, Cambridge University Press, Cambridge, Reino Unido.

[6] Fearnside, P.M. 2008. Hidrelétricas como “fábricas de metano”: O papel dos reservatórios em áreas de floresta tropical na emissão de gases de efeito estufa. Oecologia Brasiliensis 12(1): 100-115.

[7] Sorribas, M.V., Paiva, R.C.D., Melack, J.M., Bravo, J.M., Jones, C., Carvalho, L., Beighley, E., Forsberg, B. & Costa, M.H. 2016. Projections of climate change effects on discharge and inundation in the Amazon basin. Climatic Change, 136(3): 555-570.

[8] Fearnside, P.M. 2013. Credit for climate mitigation by Amazonian dams: Loopholes and impacts illustrated by Brazil’s Jirau Hydroelectric Project. Carbon Management 4(6): 681-696. Tradução em Português .

[9] Fearnside, P.M. 2015. Tropical hydropower in the Clean Development Mechanism: Brazil’s Santo Antônio Dam as an example of the need for change. Climatic Change 131(4): 575-589. Tradução em português.

[10] Fearnside, P.M. 2018. Remoção prévia da vegetação na área do reservatório da UHE Sinop. Parecer técnico para o Ministério Público do Estado de Mato Grosso. 06 de dezembro de 2018. Disponível aqui.

[11] Fearnside, P.M. 2019. Brazil’s Sinop Dam flaunts environmental legislation. Mongabay, 01 de março de 2019.

[12] As pesquisas do autor são financiadas por fontes acadêmicas: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (processos 429795/2016-5, 610042/2009-2, nº575853/2008-5, 311103/2015-4), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM) (processo 708565) e Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) (PRJ13.03). O autor agradece o Ministério Público do Estado de Mato Grosso (MPE-MT) pelas despesas de viagem e apoio logístico durante uma visita à área do reservatório de Sinop; ele não aceitou pagamento pelo parecer que fez para essa entidade. Este texto é atualizado a partir de [10]. Uma versão em Inglês foi publicada pela Mongabay [11].

A fotografia que abre este artigo é da obra da usina hidrelétrica Sinop (Foto: Sinop Energia)

Leia os outros artigos da série:

A Hidrelétrica de Sinop

A Hidrelétrica de Sinop: 2 – Mortandade de peixes

A Hidrelétrica de Sinop: 3 – As explicações da empresa

A Hidrelétrica de Sinop: 4 – O processo de licenciamento

A Hidrelétrica de Sinop: 5 – Floresta morta e peixes em reservatórios

A Hidrelétrica de Sinop: 6 –Floresta morta e gases de efeito estufa

Philip Martin Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências e também coordena o INCT (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia) dos Serviços Ambientais da Amazônia. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 500 publicações científicas e mais de 200 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis aqui.

Reportagem Noticiosa

Sobre a matéria

Philip Martin Fearnside

É doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 600 publicações científicas e mais de 500 textos de divulgação de sua autoria que podem ser acessados aqui. https://philip.inpa.gov.br