Philip M. Fearnside

Justiça ambiental e barragens amazônicas: 14 – Retrocessos sob o presidente Bolsonaro

A eleição de outubro de 2018 de Jair Bolsonaro, que se tornou o presidente do Brasil em 1º de janeiro de 2019, sinaliza uma redução significativa da proteção tanto para o meio ambiente quanto para os direitos humanos [1]. A […]

Manaus, 25/07/2019. O presidente e o vice-presidente do TJAM, desembargadores Yedo Simões e Wellington Araújo, acompanharam a agenda do presidente da República, Jair Bolsonaro, que esteve em Manaus para participar da reunião do Conselho de Administração da Suframa. Antes, Bolsonaro entregou certificados e medalhas aos estudantes amazonenses premidos na Olimpíada Internacional Matemática Sem Fronteiras 2019, na unidade V do Colégio da Polícia Militar. Foto: Raphael Alves

Por Philip Martin Fearnside Publicado em: 16/09/2019 às 19:47

A eleição de outubro de 2018 de Jair Bolsonaro, que se tornou o presidente do Brasil em 1º de janeiro de 2019, sinaliza uma redução significativa da proteção tanto para o meio ambiente quanto para os direitos humanos [1]. A declaração de Bolsonaro durante a campanha de que ele retiraria o Brasil das Nações Unidas porque “É uma reunião de comunistas, de gente que não tem qualquer compromisso com a América do Sul” foi mais tarde esclarecido como se referindo apenas à Comissão de Direitos Humanos da ONU [2].

Seus ataques de campanha às restrições ambientais incluíam frequentes promessas de despir o poder de licenciamento do IBAMA e distribuir essa autoridade aos ministérios em cada área temática, como o Ministério de Minas e Energia no caso de barragens [3].

Bolsonaro também prometeu abolir o Ministério do Meio Ambiente e transferir as suas funções para o Ministério da Agricultura [4], mas depois de assumir o cargo foi convencido pelos ruralistas proeminentes a manter o Ministério do Meio Ambiente para não provocar restrições aos países importadores de produtos agrícolas brasileiros [5]. No entanto, ele conseguiu o mesmo efeito transferindo as funções de fiscalização e controle do desmatamento para o Ministério da Agricultura [6], que é dirigido por uma ruralista conhecida como a “musa do veneno” por seu papel como congressista na defesa da remoção de restrições aos agrotóxicos [7].

O Serviço Florestal Brasileiro também foi transferido do Ministério do Meio Ambiente para o Ministério da Agricultura [8]. O que restou do Ministério do Meio Ambiente foi neutralizado com a nomeação de um ruralista como ministro [9], e um chefe do IBAMA que quer que licenças ambientais sejam concedidas automaticamente preenchendo um formulário on-line [10].

Outro movimento para neutralizar a aplicação das leis ambientais é uma mudança nas normas do Ministério do Meio Ambiente para responsabilizar os inspetores individuais financeiramente, caso que qualquer infração lavrada por eles for derrubada posteriormente, como por um recurso judicial; a medida é retroativa por cinco anos [11]. Nos meses que se seguiram à eleição de Bolsonaro, a frequência de ameaças e ataques aos inspetores do IBAMA e aos seus veículos aumentou muito [12].

As ONGs são um alvo particular de Bolsonaro, que prometeu expulsar organizações ambientais internacionais como o Greenpeace e o WWF [13]. Ele frequentemente pediu o fim dos “ativistas” [14]. Salles fez de um dos seus primeiros atos como ministro do Meio Ambiente uma suspensão de 90 dias de todos os projetos que o ministério havia contratado através de ONGs, após o que alguns poderiam ser reintegrados após uma avaliação de “pente fino” [15].

Os povos indígenas e suas terras têm sido importantes impedimentos à destruição de florestas e rios amazônicos por desmatamento e represas (por exemplo, [16]). Eles também são alvo de Bolsonaro, que caracterizou os povos indígenas como isolados em suas “reservas” como “animais em zoológicos” [17]. Durante sua campanha, Bolsonaro prometeu não permitir a demarcação de “um único centímetro” de terras indígenas adicionais [18].

O presidente transferiu a responsabilidade pela demarcação de terras indígenas da FUNAI para o Ministério da Agricultura em um setor liderado por um ruralista [19]. O que resta da FUNAI foi transferido do Ministério da Justiça para o Ministério de Direitos Humanos, Família e Mulher, que é chefiado por Damares Regina Alves. A ministra é uma pastora que era funcionária da bancada evangélica, que foi um fator crítico na eleição de Bolsonaro e que quer que as restrições sejam removidas do proselitismo em áreas indígenas [20]. Em 2009, a Atini-Voz Pela Vida, uma organização evangélica co-fundada por Damares Alves, foi denunciada por líderes indígenas à Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados pela adoção ilegal de crianças indígenas, e três casos contra a organização estão avançando nos tribunais [21, 22].

Sergio Olímpio Gomes (conhecido como “Major Olímpio”), um importante apoiador de Bolsonaro que foi eleito senador pelo Estado de São Paulo, fez uma promessa de campanha de “vender” as terras indígenas do país [23]. As propostas legislativas dos partidários de Bolsonaro incluem tornar os povos indígenas “parceiros” em projetos hidrelétricos, oferecendo royalties aos líderes tribais em troca de apoio às barragens em seus territórios [24]. Todos esses desenvolvimentos acelerariam a construção das represas amazônicas planejadas no Brasil. O anúncio do plano “Barão do Rio Branco” em janeiro de 2019 sinaliza uma aceleração de projetos hidrelétricos na Amazônia, começando com o rio Trombetas [25, 26]).

CONCLUSÕES

Barragens na Amazônia brasileira provocam graves impactos sociais e ambientais e demonstraram um padrão de violação de direitos humanos. Considerações de justiça ambiental devem motivar um repensar desta estratégia de desenvolvimento, deslocando o foco do desenvolvimento para alternativas energéticas, tais como a redução da utilização de eletricidade, a cessação da exportação de energia na forma de alumínio e outras commodities eletro-intensivos, eliminação de desperdício e ineficiência e geração a partir de recursos solares eólicos.

Injustiças provocadas por barragens existentes da Amazônia precisam ter prioridade em programas do governo, para reestabelecer os meios de subsistência e qualidade de vida das populações afetadas.

Salvaguardas precisam ser reforçadas no desenvolvimento brasileiro e nos órgãos reguladores brasileiros e internacionais, e nas instituições financeiras, para evitar as injustiças ambientais ilustradas por barragens da Amazônia.[27]

Notas

[1] Fearnside, P.M. 2018. Why Brazil’s new president poses an unprecedented threat to the Amazon. Yale Environment 360, 8 November 2018. https://e360.yale.edu/features/why-brazils-new-president-poses-an-unprecedented-threat-to-the-amazon

[2] BBC-Brasil. 2018. Bolsonaro presidente: As propostas com as quais Jair Bolsonaro se elegeu presidente do Brasil. BBC-Brasil, 28 de outubro de 2018.

[3] Maisonnave, F. 2018. Bolsonaro has made grim threats to the Amazon and its people. Climate Home News, 08 de outubro de 2018.

[4] Bragança, D. 2018. Bolsonaro defende o fim do Ministério do Meio Ambiente. OECO, 01 de outubro de 2018.

[5] Watanabe, P. 2018. Bolsonaro recua de fusão de Ambiente e Agricultura e diz não querer xiita ambiental. Folha de São Paulo, 01 de novembro de 2018. https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2018/11/bolsonaro-recua-em-fusao-de-meio-ambiente-e-agricultura-e-diz-nao-querer-xiita-ambiental.shtml

[6] Phillips, D. 2019. Jair Bolsonaro launches assault on Amazon rainforest protections. The Guardian, 02 de janeiro de 2019.

[7] Boldrini, A. 2018. Ruralistas festejam ‘musa do veneno’ em festa após aprovação de relatório sobre agrotóxicos. 26 de junho de 2018.

[8] Albuquerque, L. & M. Parreira. 2019. Ministra da Agricultura anuncia deputado Valdir Colatto como novo chefe do Serviço Florestal. 16 de janeiro de 2019.

[9] Guerra, R. & A. Ribeiro. Indicado para Meio Ambiente foi denunciado pelo MP por improbidade administrativa. O Globo, 09 de dezembro de 2018.

[10] Borges, A. 2018. Novo chefe do Ibama quer licenciamento ambiental automático. Terra, 21 de dezembro de 2018,

[11] Boghossian, B. 2019. Ministério quer punir fiscais que apliquem multas consideradas inconsistentes. Folha de São Paulo, 21 de janeiro de 2019, p. A22.

[12] Maisonnave, F. 2018. Com cartazes pró-Bolsonaro, protesto de madeireiros obriga Ibama a fugir de cidade do AM. Folha de São Paulo, 18 de dezembro de 2018.

[13] ClimaInfo. 2018. Mídia internacional comenta as ameaças de Bolsonaro à floresta amazônica. ClimaInfo, 10 de outubro de 2018.

[14] Seto, G. 2018. Bolsonaro diz que pretende acabar com ‘ativismo ambiental xiita’ se for presidente. 09 de outubro de 2018.

[15] Azevedo, A.L. & Grandelle, R. 2019. Ministério do Meio Ambiente suspende todos os convênios e parcerias com ONGs. Extra Globo, 15 de janeiro de 2019.

[16] Nepstad, D.C., Schwartzman, S., Bamberger, B., Santilli, M., Ray, D., Schlesinger, P., Lefebvre, R., Alencar, A., Prinz, E., Fiske, G. & Rolla, A. 2006. Inhibition of Amazon deforestation and fire by parks and indigenous lands. Conservation Biology 20: 65-73. https://doi.org/10.1111/j.1523-1739.2006.00351.x

[17] G1. 2018. Índios em reservas são como animais em zoológicos, diz Bolsonaro. G1, 30 de novembro de 2018.

[18] De Olho nos Ruralistas. 2018. “Nem um centímetro a mais para terras indígenas”, diz Bolsonaro. De Olho nos Ruralistas, 08 de fevereiro de 2018.

[19] Sassine, V. 2018. Ruralista vai cuidar de demarcação de terras indígenas e licença ambiental no governo Bolsonaro. O Globo, 18 de dezembro de 2018.

[20] Moura e Souza, M. de. 2018. Igreja quer liberdade para converter Índios. Valor Econômico, 11 de dezembro de 2018.

[21] Balloussier, A.V. & C. Linhares, 2018. ONG de ministra é acusada de incitar ódio a indígenas e tirar criança de mãe. Folha de São Paulo, 15 de dezembro de 2018, p. A10.

[22] Estadão Conteúdo. 2018. ONG de futura chefe da Funai foi denunciada por discriminação indígena. Exame, 07 de dezembro de 2018.

[23] Amazonia.org. 2018. Senador, Major Olímpio apoiará venda de reservas indígenas e fim de torcidas organizadas. Amazonia.org, 09 de outubro de 2018.

[24] Pamplona, N. 2018. Produtores de energia querem indígenas como ‘sócias’ de hidrelétricas: Empresas vão entregar projeto para construção de usinas para equipe de Bolsonaro. Folha de São Paulo, 12 de novembro de 2018.

[25] CPISP (Comissão Pró-Índio de São Paulo). 2019. Governo anuncia nova hidrelétrica na Amazônia que impactará Terras Indígenas e Quilombolas. CPISP, 23 de janeiro de 2019.

[26] Rocha, J. 2019. Bolsonaro government reveals plan to develop the ‘Unproductive Amazon’. Mongabay, 28 de janeiro de 2019.

[27] As pesquisas do autor são financiadas pelo Conselho Nacional do Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico (CNPq: proc. 304020/2010-9; 573810 / 2008-7), Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM: proc. 708565) e Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA: PRJ15.125). Esta série é uma tradução de um capítulo do autor no prelo em Landscapes of Inequity: The Quest for Environmental Justice in the Andes/Amazon Region. Nicholas A. Robins & Barbara Fraser (Eds.), University of Nebraska Press, Lincoln, NE, E.U.A.

A fotografia que abre este artigo é do presidente da República, Jair Bolsonaro, em Manaus (Foto: Raphael Alves/TJAM/25/07/2019)

Leia os artigos da série:

Justiça ambiental e barragens amazônicas: 1 – Resumo da série

Justiça ambiental e barragens amazônicas: 2 – Como se enquadram as hidrelétricas

Justiça ambiental e barragens amazônicas: 3 – As ironias do discurso

Justiça ambiental e barragens amazônicas: 4 – A história de tomada de decisão

Justiça ambiental e barragens amazônicas: 5 – As barragens planejadas

Justiça ambiental e barragens amazônicas: 6 – O obstáculo do sistema atual

Justiça ambiental e barragens amazônicas: 7 – A erosão do licenciamento ambiental

Justiça ambiental e barragens amazônicas: 8 – Estratégias para iludir o controle

Justiça ambiental e barragens amazônicas: 9 – Propostas para neutralizar o licenciamento

Justiça ambiental e barragens amazônicas: 10 – Remoção de áreas protegidas

Justiça ambiental e barragens amazônicas: 11 – Suspensões de segurança

Justiça ambiental e barragens amazônicas: 12 – Alternativas a hidrelétricas

Justiça ambiental e barragens amazônicas: 13 – Reformas necessárias

Philip Martin Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências e também coordena o INCT (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia) dos Serviços Ambientais da Amazônia. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 500 publicações científicas e mais de 200 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis aqui.

Os colunistas da agência Amazônia Real têm liberdade para escolher os temas de seus artigos, que não são necessariamente da mesma opinião da agência de jornalismo independente.

Os textos, fotografias e vídeos produzidos pela equipe da agência Amazônia Real estão licenciados com uma Licença Creative Commons – Atribuição 4.0 Internacional e podem ser republicados na mídia com o crédito do autor e da agência Amazônia Real. Fotografias cedidas ou produzidas por outros veículos e organizações não atendem a essa licença.

Reportagem Noticiosa

Sobre a matéria

Philip Martin Fearnside

É doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 600 publicações científicas e mais de 500 textos de divulgação de sua autoria que podem ser acessados aqui. https://philip.inpa.gov.br