A Amazônia segundo Lúcio Flávio Pinto

Que governo é este?

O corte de 120 milhões de reais no orçamento do próximo ano do Ministério do Meio Ambiente para o combate a queimadas e desmatamento no Brasil está mantido. Mas foi cancelado o congelamento de R$ 60 milhões, que deveriam ser […]

Por Lúcio Flávio Pinto Publicado em: 29/08/2020 às 14:55

O corte de 120 milhões de reais no orçamento do próximo ano do Ministério do Meio Ambiente para o combate a queimadas e desmatamento no Brasil está mantido. Mas foi cancelado o congelamento de R$ 60 milhões, que deveriam ser creditados ontem para serem aplicados a partir de segunda-feira pelo Ibama e o ICMBio na manutenção das frentes de ação.

O dinheiro só seguiu para a conta depois que o ministro Ricardo Salles divulgou uma nota anunciando a retirada das equipes de campo com todos os seus equipamentos, de caminhões a aviões e helicópteros, por causa da suspensão da verba. O impacto foi muito forte, dentro e fora do Brasil.

O vice-presidente da república, general Hamilton Mourão, que acumula a presidência do Conselho da Amazônia Legal, criado recentemente para dar aos militares que ocupam posições civis no governo uma estrutura de poder própria na região, foi obrigado a entrar em cena.

Mourão disse que o ministro do Meio Ambiente se precipitou. Quanto a isso não há dúvida. Mas antes de reagir de forma tão agressiva quanto surpreendente, Salles obteve da área econômica a informação de que a ordem de congelar os recursos partiu dos generais Luis Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, e Braga Neto, da Casa Civil.

Ao invés de tentar uma negociação de bastidores com dois poderosos assessores no Palácio do Planalto, recurso usual nessas ocasiões, Salles realmente precipitou sua atitude. Deu por consumado o cancelamento do dinheiro destinado às forças-tarefas, que combatem os incêndios e as derrubadas de floresta em plena estação de seca na região.

O choque foi grande. O anúncio era uma decisão de fuga do governo em momento tão grave de agressões à natureza, que ficaria indefesa. Ao mesmo tempo, o vilão da história passava por súbita e surpreendente mutação, passando a defensor da Amazônia, do Pantanal e de todos os biomas vilipendiados pelo pragmatismo economicista do governo Bolsonaro. E o general Mourão, ator de destaque nas últimas cenas, como comandante de um colegiado que parece ser sua propriedade privada, teve que se expor para se defender e se explicar.

Ricardo Salles apostou todas as suas fichas nesse lance do jogo. Blefou, evidentemente, mas pode ter dado uma demonstração de força, incluindo a força que não tem. Quem lhe cobrar que exiba as cartas comprovará o blefe, que não é o primeiro na carreira do audacioso burocrata. No entanto, só há um jogador capaz de fazer essa cobrança: o presidente Jair Bolsonaro.

O que ele fará, é a grande incógnita desse fim de semana tumultuado. Se Salles sairá fortalecido dessa confusão ou será demitido, não é o dado mais relevante do imbróglio. A revelação mais importante é o desnudamento de mais um arranjo de bastidores: na busca obsessiva por dinheiro para financiar a campanha antecipada de Bolsonaro pela reeleição, o meio ambiente seria sacrificado na “vaquinha” que os principais auxiliares do presidente fazem para financiar iniciativas que rendem votos entre os brasileiros mais pobres, como o auxílio emergencial. Se Salles não tivesse gritado, depois de consumado o congelamento do dinheiro, os R$ 60 milhões seriam destinados ao fundo eleitoral.

Do que este governo é capaz constitui desafio à imaginação e à criatividade humana.

A imagem deste artigo é uma fotomontagem a partir de fotografias de Carolina Antunes /PR e mostra o presidente Jair Bolsonaro; o vice, general Mourão e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles durante a cerimônia de assinatura do decreto que institui a criação do Conselho Nacional da Amazônia Legal, em 11 de fevereiro de 2020 no Palácio do Planalto.

Além de colaborar com a agência Amazônia Real, Lúcio Flávio Pinto mantém quatro blogs, que podem ser consultados gratuitamente nos seguintes endereços:

* lucioflaviopinto.wordpress.com – acompanhamento sintonizado no dia a dia.

* valeqvale.wordpress.com – inteiramente dedicado à maior mineradora do país, dona de Carajás, a maior província mineral do mundo.

* amazoniahj.wordpress.com – uma enciclopédia da Amazônia contemporânea, já com centenas de verbetes, num banco de dados único, sem igual.

* cabanagem180.wordpress.com – documentos e análises sobre a maior rebelião popular da história do Brasil.

Lúcio Flávio Pinto é jornalista desde 1966. Sociólogo formado pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo, em 1973. Editor do Jornal Pessoal, publicação alternativa que circula em Belém (PA) desde 1987. Autor de mais de 20 livros sobre a Amazônia, entre eles, Guerra Amazônica, Jornalismo na linha de tiro e Contra o Poder. Por seu trabalho em defesa da verdade e contra as injustiças sociais, recebeu em Roma, em 1997, o prêmio Colombe d’oro per La Pace. Em 2005 recebeu o prêmio anual do Comittee for Jornalists Protection (CPJ), em Nova York, pela defesa da Amazônia e dos direitos humanos. Lúcio Flávio é o único jornalista brasileiro eleito entre os 100 heróis da liberdade de imprensa, pela organização internacional Repórteres Sem Fronteiras em 2014. Acesse o novo site do jornalista aqui www.lucioflaviopinto.com.

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Sobre a matéria

Lúcio Flávio Pinto

Lúcio Flávio Pinto é jornalista desde 1966. Sociólogo formado pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo, em 1973. Editor do Jornal Pessoal, publicação alternativa que circula em Belém (PA) desde 1987. Autor de mais de 20 livros sobre a Amazônia, entre eles, Guerra Amazônica, Jornalismo na linha de tiro e Contra o Poder. Por seu trabalho em defesa da verdade e contra as injustiças sociais, recebeu em Roma, em 1997, o prêmio Colombe d’oro per La Pace. Em 2005 recebeu o prêmio anual do Comittee for Jornalists Protection (CPJ), em Nova York, pela defesa da Amazônia e dos direitos humanos. Lúcio Flávio é o único jornalista brasileiro eleito entre os 100 heróis da liberdade de imprensa, pela organização internacional Repórteres Sem Fronteiras em 2014. Acesse o novo site do jornalista aqui www.lucioflaviopinto.com.