A Amazônia segundo Lúcio Flávio Pinto

Porteiras abertas à destruição

Pouco mais de um ano atrás, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, fez uma declaração que se incorporou à seção nefasta fraseologia brasileira:“Precisa ter um esforço nosso aqui, enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de […]

Por Lúcio Flávio Pinto Publicado em: 26/05/2021 às 14:51

Pouco mais de um ano atrás, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, fez uma declaração que se incorporou à seção nefasta fraseologia brasileira:
“Precisa ter um esforço nosso aqui, enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só se fala de covid, e ir passando a boiada, e mudando todo o regramento [ambiental], e simplificando normas”.

A frase famosa foi dita na reunião ministerial do governo Bolsonaro no dia 22 de abril de 2020. A sessão foi gravada na integra para ser mantida em sigilo, mas o Supremo Tribunal Federal decidiu torná-la pública. A decisão serviu para mostrar, em toda sua crueza, que o responsável pela gestão e preservação dos recursos naturais do país era como a raposa controlando o galinheiro.

Salles fez a observação chocante como se ela fosse natural, brotando espontaneamente pela sua boca. Provocou espanto e perplexidade no ministro que se encontrava ao lado dele, Nelson Teich, que olhava em torno, incrédulo. Pouco depois o médico deixaria o ministério da Saúde, ao constatar que não tinha autonomia para agir. Foi substituído por um general especialista em cumprir ordens do chefão, por mais absurdas que fossem.

Na verdade, desde que assumiu o ministério, em janeiro de 2019, o que Ricardo Salles mais fez foi levantar todas as cercas legais para a passagem de madeireiros, fazendeiros, grileiros de terras, falsos desenvolvedores de projetos de manejo florestal e até mesmo garimpeiros individuais e explícitas ou dissimuladas empresas de extração de ouro. Uma boiada sem fim. Liberta das travas estatais, destruidora, selvagem, sanguinária.
Depois de ir às frentes de conflitos e assumir causa oposta àquela que seria coerente com a sua missão ministerial, levando à prática as orientações do presidente Jair Bolsonaro, Salles agora pode ter sido flagrado ao cortar as cercas demarcatórias da legalidade para criminosos, tocando num território mais longínquo e poderoso, os Estados Unidos.

A Polícia Federal anunciou já possuir provas de que o presidente do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), Eduardo Bim, finalmente afastado, depois de receber todo apoio de Salles, teria cometido crimes de facilitação ao contrabando e advocacia administrativa. As provas foram obtidas na Operação Akuanduba, que atingiu também Salles. Provas mais sólidas, porém, dependeriam do aprofundamento da apuração dos fatos, um caminho no qual já começam a se acumular obstáculos.

As investigações só se tornaram possíveis por um entendimento direto entre o ministro Alexandre Moraes e o delegado Franco Perazzoni, da PF, sem passar pelo Procurador (ma non tropo) Geral da República. Recolocando-se em campo, Augusto Aras, requereu ao STF que o caso seja retirado de Moraes e repassado à ministra Cármen Lúcia, relatora em uma ação semelhante.

À Polícia Federal, técnicos do Ibama informaram que cerca de três mil cargas de madeira da Amazônia foram exportadas, através de portos do Pará, a diversos países, sem autorização do órgão. Os carregamentos de três madeireiras retidos nos EUA, cujas irregularidades motivaram a Operação Akuanduba, foi apenas um dos casos. Autorizada pelo Supremo, a operação tem na sua mira 23 alvos.

O universo é muito maior, não abrangendo apenas madeireiros que exportam. Estende-se praticamente a todas as frentes econômicas que penetram em novas áreas na Amazônia, por estradas e por rios, atingindo os vales dos rios Xingu, Tapajós, Madeira, Juruá, Purus e Acre.
É integrada por diversos tipos de personagens, os mais agressivos no momento os garimpeiros, que destroem áreas muito superiores às da época da garimpagem manual (agora são utilizadas máquinas pesadas, de alto valor) e, bem armados, já enfrentam forças federais, policiais e militares.
Todos parecem se sentir autorizados a fazer o que querem, convencidos de ser o que querem Salles e os seu chefe, o capitão Bolsonaro.

A imagem que abre este artigo mostra o ministro Ricardo Salles com técnicos e fiscais do Ibama no Pará após a operação Handroanthus GLO (Foto Reprodução Instagram)

Além de colaborar com a agência Amazônia Real, Lúcio Flávio Pinto mantém quatro blogs, que podem ser consultados gratuitamente nos seguintes endereços:

* lucioflaviopinto.wordpress.com – acompanhamento sintonizado no dia a dia.

* valeqvale.wordpress.com – inteiramente dedicado à maior mineradora do país, dona de Carajás, a maior província mineral do mundo.

* amazoniahj.wordpress.com – uma enciclopédia da Amazônia contemporânea, já com centenas de verbetes, num banco de dados único, sem igual.

* cabanagem180.wordpress.com – documentos e análises sobre a maior rebelião popular da história do Brasil.

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Sobre a matéria

Lúcio Flávio Pinto

Lúcio Flávio Pinto é jornalista desde 1966. Sociólogo formado pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo, em 1973. Editor do Jornal Pessoal, publicação alternativa que circula em Belém (PA) desde 1987. Autor de mais de 20 livros sobre a Amazônia, entre eles, Guerra Amazônica, Jornalismo na linha de tiro e Contra o Poder. Por seu trabalho em defesa da verdade e contra as injustiças sociais, recebeu em Roma, em 1997, o prêmio Colombe d’oro per La Pace. Em 2005 recebeu o prêmio anual do Comittee for Jornalists Protection (CPJ), em Nova York, pela defesa da Amazônia e dos direitos humanos. Lúcio Flávio é o único jornalista brasileiro eleito entre os 100 heróis da liberdade de imprensa, pela organização internacional Repórteres Sem Fronteiras em 2014. Acesse o novo site do jornalista aqui www.lucioflaviopinto.com.