Philip M. Fearnside

A Hidrelétrica de Sinop: 5 – Floresta morta e peixes em reservatórios

Morte de peixes por falta de oxigênio A decomposição de serapilheira, folhas e outro material orgânico de fácil degradação leva à diminuição do oxigênio na água, especialmente durante o enchimento do reservatório. Isto pode causar mortandade de peixes […]

Figura 3. Peixes mortos no rio Teles Pires abaixo da barragem de Sinop em 07 de fevereiro de 2019, durante a fase de enchimento do reservatório (Foto: N. Flausino Júnior).

Por Philip Martin Fearnside Publicado em: 04/04/2019 às 22:04

Morte de peixes por falta de oxigênio

A decomposição de serapilheira, folhas e outro material orgânico de fácil degradação leva à diminuição do oxigênio na água, especialmente durante o enchimento do reservatório. Isto pode causar mortandade de peixes dentro do reservatório, e o lançamento desta água pelas turbinas e vertedouros pode matar peixes a jusante da barragem. A mortalidade a jusante da barragem de Tucuruí, em 1984, é um exemplo clássico [1]. As perdas de pesca no rio Tocantins provocadas pela hidrelétrica de Tucuruí não se limitaram à mortandade inicial, mas duraram permanentemente com uma redução grande de produção pesqueira no rio, principalmente a jusante (porém também a montante) da hidrelétrica, e essa perda nunca foi compensada por produção pesqueira dentro do reservatório [2].

Benefícios exagerados de madeira morta como abrigo para peixes

Há razões para duvidar que seja necessário deixar árvores em pé para o benefício de peixes em reservatórios amazônicos. O parecer sobre ictiofauna encomendado pela Companhia Energética de Sinop ([3], p. 129-197) destaca o papel de árvores mortas deixadas no reservatório como abrigos para proteger peixes pequenos contra os predadores. Embora madeira morta tenha este papel em certas situações, a vantagem no caso de um paliteiro em um reservatório como o da usina de Sinop não seria tão grande. Geralmente, este abrigo é fornecido por peças no fundo que se encontram em posição horizontal, como no trabalho de Sass e colegas [4] sobre um lago nos Estados Unidos usado como ilustração no referido parecer ([3] p. 154). No caso de troncos verticais de árvores em pé, como no reservatório de Sinop, este papel seria bem menor. Também, é provável que o reservatório da UHE-Sinop seja estratificado termalmente, com água sem oxigênio no fundo. Isto resultaria nos peixes não poderem aproveitar as vantagens de quaisquer galhos e troncos em posição horizontal no fundo do lago. Peixes que costumam ficar no fundo, como bagres, se dão mal em reservatórios, enquanto peixes que ficam mais perto da superfície, como o tucunaré (Cichla ocellaris e C. Temensis), predominam. Isto é claro em reservatórios amazônicos de armazenamento, como Tucuruí e Balbina.

O parecer sobre ictiofauna ([3], p. 129-197) apresenta o exemplo do reservatório de Mourão, na bacia do rio Paraná, onde há mais peixes em uma parte deste reservatório com paliteiro do que em uma parte sem paliteiro [5]. O parecer ([3] p. 152) sugere que um fator importante seria a disponibilidade de perifiton, o seja, um lodo que cresce na superfície dos troncos submersos e que é consumido por algumas espécies de peixes. De fato, perifiton cresce em troncos submersos, como no caso do reservatório de Balbina. Embora o aproveitamento de perifiton por peixes ocorre, este fator pode ter um papel modesto em manter o estoque de peixes em um reservatório. O caso de Balbina ilustra como a presença de um “paliteiro” de árvores mortas no reservatório não garante a produção de peixes. O reservatório da UHE Balbina foi enchido entre outubro de 1987 e março de 1989, criando o que provavelmente seja o maior paliteiro do mundo [6]. Mesmo assim, a produção de peixes sempre foi extremamente baixa. A produção entrou em colapso (Figura 5), e o reservatório tinha que ser fechado para pesca comercial a partir de 1997. [10]

Figura 5. Desembarque de pescado da pesca comercial no reservatório de Balbina. O reservatório tinha que ser fechado para pesca comercial a partir de 1997, apesar de ter um enorme paliteiro de quase 3.000 km2. Fonte: [7].

Notas

[1] Fearnside, P.M. 2001. Environmental impacts of Brazil’s Tucuruí Dam: Unlearned lessons for hydroelectric development in Amazonia. Environmental Management 27(3): 377-396. Tradução em Português.

[2] Cintra, I.H.A. 2009. A Pesca no Reservatório da Usina Hidrelétrica de Tucuruí, Estado do Pará, Brasil. Tese de doutorado em engenharia de pesca, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE. 190 p.

[3] CES (Companhia Energética Sinop). 2016. Solicitação de autorização de supressão de vegetação – ASV da área do reservatório. Sinop-MT, dezembro-2016. 246 p.

[4] Sass, G.G.; Kitchell, J.F.; Carpenter, S.R.; Hrabik, T.R.; Malburg, A.E.; Turner, M.G. 2006. Fish community and food web responses to a whole-lake removal of coarse woody habitat. Fisheries 31(7): 321-333.

[5] Gois, K.S.; Pelicice, F.M.; Gomes, L.C.; Agostinho, A.A. 2015. Invasion of an Amazonian cichlid in the Upper Parana River: facilitation by dams and decline of a phylogenetically related species Hydrobiologia 746(1): 401-413. https://doi.org/10.1007/s10750-014-2061-8

[6] Fearnside, P.M. 1989. Brazil’s Balbina Dam: Environment versus the legacy of the pharaohs in Amazonia. Environmental Management 13(4): 401-423. Tradução em Português.

[7] Weisser, S.C. 2001. Investigation of the history of mercury contamination in the Balbina Reservoir, Amazon, Brazil. Dissertação de mestrado em toxicologia ambiental, Universität Konstanz, Konstanz, Alemanha, 66 p.

[8] Fearnside, P.M. 2018. Remoção prévia da vegetação na área do reservatório da UHE Sinop. Parecer técnico para o Ministério Público do Estado de Mato Grosso. 06 de dezembro de 2018.

[9] Fearnside, P.M. 2019. Brazil’s Sinop Dam flaunts environmental legislation. Mongabay, 01 de março de 2019. https://mongabay.org/

[10] As pesquisas do autor são financiadas por fontes acadêmicas: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (processos 429795/2016-5, 610042/2009-2, nº575853/2008-5, 311103/2015-4), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM) (processo 708565) e Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) (PRJ13.03). O autor agradece o Ministério Público do Estado de Mato Grosso (MPE-MT) pelas despesas de viagem e apoio logístico durante uma visita à área do reservatório de Sinop; ele não aceitou pagamento pelo parecer que fez para essa entidade. Este texto é atualizado a partir de [8]. Uma versão em Inglês foi publicada pela Mongabay [9].

A imagem que ilustra este artigo mostra peixes mortos no rio Teles Pires, abaixo da barragem de Sinop, fevereiro de 2019 (Foto: N. Flausino Júnior).

Leia os outros artigos da série:

A Hidrelétrica de Sinop

A Hidrelétrica de Sinop: 2 – Mortandade de peixes

A Hidrelétrica de Sinop: 3 – As explicações da empresa

A Hidrelétrica de Sinop: 4 – O processo de licenciamento

Philip Martin Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências e também coordena o INCT (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia) dos Serviços Ambientais da Amazônia. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 500 publicações científicas e mais de 200 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis aqui.

Reportagem Noticiosa

Sobre a matéria

Philip Martin Fearnside

É doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 600 publicações científicas e mais de 500 textos de divulgação de sua autoria que podem ser acessados aqui. https://philip.inpa.gov.br