Política

Após pressão, deputados irão investigar pedofilia no Amazonas

Com a blindagem da base governista do PSD e PMDB e a pressão dos representantes de 34 organizações que compõem o Movimento Amazonas Contra a Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes e a Corrupção (Mapec), a Assembleia Legislativa do Amazonas […]

Manifestantes fecharam rua para pedir abertura de CPI (Foto: Divulgação Mapec AM)

Por Kátia Brasil Publicado em: 18/04/2014 às 01:50

Com a blindagem da base governista do PSD e PMDB e a pressão dos representantes de 34 organizações que compõem o Movimento Amazonas Contra a Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes e a Corrupção (Mapec), a Assembleia Legislativa do Amazonas enfim instalou a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pedofilia, no dia 9 de abril, e começa a investigar, na próxima semana, as denúncias de violência contra meninas abusadas por políticos, empresários, comerciantes, servidores públicos e agenciadores nos municípios de Coari, Manaus, Parintins e São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas.

Foram dois meses de articulações entre os parlamentares para abertura da CPI da Pedofilia no âmbito estadual, já que 22 dos 24 deputados oficializaram, em fevereiro, o pedido de criação da comissão.

Primeiro, as lideranças do PSD e PMDB não queriam a investigação, que tem como alvo um colega do parlamento, deputado Fausto Souza (PSD), prefeito, ex-prefeitos e empresários aliados da base governista, que é comandada pelo ex-governador Omar Aziz, presidente regional do PSD, e pelo senador Eduardo Braga, líder do PMDB no Senado. Depois, as lideranças temeram que a investigação interferisse no processo eleitoral e tentaram adiar a instalação da comissão para o mês de outubro. Toda eleição em Manaus o termo “pedofilia” vira mote de adversários.

A abertura da CPI da Pedofilia estadual foi um pedido do movimento social e da Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara Federal, que investiga casos no país, entre eles, a rede de exploração sexual comandada supostamente pelo prefeito afastado Adail Pinheiro (PRP) e o caso da Operação Estocolmo, que envolve políticos e empresários, mas que diante da tragédia imposta às crianças e adolescentes é preciso aprofundar a apuração nos rincões da Amazônia.

Deputados da comissão são acusados por crimes

A CPI da Pedofilia da Assembleia Legislativa do Amazonas foi instalada com nove integrantes, sendo sete membros da base governista, convocados pelo presidente da Casa, deputado Josué Neto (PSD). O autor do requerimento de abertura da comissão, deputado Luiz Castro (PPS), da oposição, foi preterido nos cargos de presidente e relator.

Os deputados da base levantaram suspeita do seu nome porque o sogro dele cumpre pena por abusar de meninas. Sobrou para Castro uma vaga como membro titular. No entanto, Josué Neto escolheu dois deputados que respondem a processos criminais para compor a CPI.

O presidente da CPI da Pedofilia da Assembleia Legislativa do Amazonas, deputado estadual Abdala Habib Fraxe Junior (PTN), foi condenado pela Justiça Federal, em 2010, às penas de seis anos, seis meses e 20 dias, no regime aberto, por crimes de formação de quadrilha e contra a ordem tributária e econômica. As acusações contra ele têm como base uma investigação da Polícia Federal sobre um esquema de cartel na venda de combustível em Manaus. Na época, Fraxe Junior era diretor do Sindicato dos Revendedores de Combustíveis do Amazonas. Ele recorreu da decisão no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Outro convocado para ser membro titular da CPI da Pedofilia foi o deputado estadual Luiz Ricardo Saldanha Nicolau (PSD). Desde o mês de março último ele figura como réu no processo aberto pelo Tribunal de Justiça do Amazonas para investigar o superfaturamento nas obras do edifício-garagem da Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas (Aleam). A obra custou aos cofres púbicos R$ 26,3 milhões. A ação só foi aberto depois que o Conselho Nacional de Justiça apurou leniência dos desembargadores no andamento do processo.

Reunião da CPI com os deputados Abdala Fraxe (de gravata amarela) e Ricardo Nicolau (blusa branca) Foto: Edmar Perrone/Aleam

São também membros da CPI da Pedofilia os deputados da base governista: Orlando Cidade (PTN), escolhido relator, Conceição Sampaio (PP), titular, David Almeida (PSD), Tony Medeiros (PSL) e Vera Castelo Branco (PTB), ambos suplentes. O deputado José Ricardo (PT), que é suplente, é oposição ao governo estadual.

Diante das articulações para investigar ou não a exploração sexual infanto-juvenil no Amazonas, os representantes das organizações que compõem o Movimento Amazonas contra a Pedofilia, a Exploração Sexual e a Corrupção (Mapec) dizem que irão vigiar cada passo dos deputados, pois querem a punição dos culpados pelos crimes que impõem as meninas a segregação social e a impunidade.

O irmão que nunca foi investigado

Não é a primeira vez que o Poder Legislativo investiga casos de exploração sexual envolvendo suspostamente políticos do Amazonas. Em 2008, a Assembleia Legislativa tentou investigar o caso de Coari, mas a comissão foi encerrada por articulação da base governista, que apoiava o prefeito afastado Adail Pinheiro.

Em 2004, a Casa abriu uma comissão, mas os acusados, entre eles juízes, foram inocentados por falta de provas. Entre os inocentados estava o ex-governador Omar Aziz (PSD). Na época vice-governador do governo de Eduardo Braga, ele foi acusado por uma menina de 15 anos de fazer um programa. A adolescente prestou depoimentos na polícia e no Ministério Público Estadual. No decorrer da investigação da Assembleia, ela inocentou o político.

A mesma garota depôs na CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) que investigou casos de exploração sexual no país pelo Congresso Nacional. O nome de Aziz foi excluído da relação de acusados do relatório final da CPI por uma manobra do ex-senador e hoje prefeito Arthur Virgílio Neto (PSDB). Segundo reportagem da Folha de S. Paulo à época, o ex-senador afirmou que as provas de exploração sexual da adolescente envolviam o nome do irmão de Omar Aziz. “Foi feita a confusão”, disse Arthur Virgílio Neto. Mas o nome desse irmão nunca foi revelado e ele não foi investigado.

Movimentos sociais vão vigiar CPI

Renato de Almeida Souto, conselheiro do Movimento Nacional de Direitos Humanos, afirma que a composição da CPI da Pedofilia da Assembleia Legislativa do Amazonas, com sete deputados da base governista, foi uma manobra política.

“É para aliviar a imagem daqueles que votaram pelo adiamento da CPI. Mais uma vez eles mostram que são incompetentes, que não têm conhecimento da Constituição Federal que reza “o poder emana do povo. Não temos credibilidade em alguns desses membros que compõem a CPI. Simplesmente, nós não iremos entregar as vítimas de abuso e exploração sexual não mãos deles. Temos a certeza que elas serão entregues aos denunciados e irão ser violentadas dos seus direitos”, afirmou Renato de Almeida Souto.

Lucimar Weil, coordenadora do Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescente (Cedeca) Pé na Taba, afirma que atua para que os casos de violação dos direitos sejam apurados e violadores sejam punidos na forma da Lei.

“Entendemos que os casos de exploração sexual contra crianças e adolescentes, envolvendo autoridades representativas dos poderes constituídos, além de empresários, amplamente divulgados na imprensa nacional precisam ser apuradas com os rigores da lei, com a seriedade e transparência, para que a os casos não fiquem impunes, sendo resguardada a proteção das famílias e das crianças e adolescentes evitando a revitimização, sobretudo”, afirmou.

A coordenadora do Cedeca Pé na Taba diz ainda que para não se repetir o que aconteceu com a CPI de 2004, que arquivou a investigação por falta de provas, o Centro de Defesa ficará vigilante exercendo o seu papel no monitoramento das ações da CPI, assim como as demais entidades que compõem o Mapec. “Estaremos solicitando junto ao Presidente da Comissão o calendário de reuniões para o acompanhamento de perto toda a tramitação da CPI, para que esta não se torne letra morta”, afirmou Lucimar Weil.

A presidente da CPI da Pedofilia da Câmara Federal, deputada Érika Kokay (PT-DF) avalia que “foi uma forma envergonhada” as manobras dos deputados estaduais para impedir a instalação da comissão no âmbito da Assembleia Legislativa. Segundo ela, é fundamental uma investigação para desmontar as redes de exploração sexual que foram estabelecidas na capital e nos municípios. “É preciso dar respostas à sociedade. Quanto mais tempo se passa para apurar os casos e para romper com a impunidade, mais crianças ficam vulneráveis a exploração sexual”, disse Érika Kokay.

Sem constrangimentos ou suspeições

Procurado pela agência Amazônia Real, o presidente da CPI da Pedofilia da Assembleia Legislativa, deputado Abdala Fraxe Junior (PTN) disse que a investigação será criteriosa. Segundo ele, a CPI tem objetivo de deixar uma contribuição para melhorar o aparato do estado em relação a proteção das crianças e adolescentes.

Com relação ao fato de figurar como condenado em um crime pela Justiça Federal, o deputado estadual Abdala Fraxe Junior afirmou que era um presidente sindical na época da investigação da Polícia Federal e não que vê relação entre o caso e a CPI da Pedofilia. “Não vejo no que isso (a condenação) pode constranger o meu trabalho na CPI. Até porque se o problema for processo, a CPI não seria instalada porque os 24 deputados têm processos. Seja um, seja outro. Para mim isso aí é uma tentativa de desvio de atenção que não vem ao caso”, afirmou o deputado Fraxe Junior.

O deputado estadual Ricardo Saldanha Nicolau (PSD), que é membro titular da CPI da Pedofilia, afirma que o fato de ser réu num processo que apura superfaturamento em obras na Assembleia não causa constrangimentos aos demais membros da comissão.

“Nós estamos investigando casos de pedofilia. Eu, graças à Deus, não tenho nenhuma caso pessoal, nem com a minha família, nem com nenhuma pessoa ligada à mim, então não tenho porque ter qualquer problema. Até porque é um processo (do superfaturamento) que está iniciando. Estou extremamente tranquilo e vamos provar tecnicamente (a inocência). Eu só teria suspeição se estivesse sendo investigado ou algum familiar meu em caso de pedofilia e exploração sexual. Aí eu não participaria de jeito nenhum”, afirmou o deputado Nicolau.

O deputado estadual Luiz Castro (PPS) afirma que não interferiu no processo que julgou o seu sogro, Sérgio Paulo Thomaz Filho, 85 anos, em um caso de exploração sexual contra meninas na cidade de Eirunepé, no interior do Amazonas. Por isso, segundo ele, não vê impedimento de participar da CPI da Pedofilia da Assembleia Legislativa do Amazonas. “Demonstrei que não havia impedimento legal e jurídico ou suspeição para participar da CPI. Se de pronto recusasse minha participação, pareceria que não estaria tentando colaborar por algo que me empenhei bastante e, que me vem causando ameaças e tentativas de intimidações”, disse.

Castro afirmou que a investigação da CPI da Pedofilia pode aprofundar as investigações judicializadas, como são os casos de Coari e da Operação Estocolmo, e revelar fatos ainda ocultos. “Algumas pessoas falam: Coari está tudo investigado. Não é verdade, existem várias conexões de pessoas não foram investigadas, meninas que não foram ouvidas e têm esquemas paralelos. Sobre a Estocolmo, a delegada Linda Glaucia disse que precisava de mais tempo para investigar outras pessoas, quando vazou a informação da apuração. Aí ela teve que apressar os pedidos de prisões. Então, é muito importante descobrir a quem beneficiou o vazamento da operação Estocolmo”, afirmou o deputado Luiz Castro.