Política

Carta aos eleitores do bem

Por Amazônia Real Publicado em: 29/10/2018 às 18:34

Por Andreia Fanzeres, especial para a Amazônia Real

Parabéns a você que elegeu um presidente com quem não se identifica. Você acredita que a vitória dele é um mal necessário para o país, que foi preciso empreender um “vale-tudo” contra o PT e, nessa cruzada virtual, preferiu nem discutir o caráter do seu candidato, tampouco suas propostas para governar o país. Tenho certeza de que, agora que o PT está fora do governo (na verdade, isso já faz dois anos), você terá uma postura crítica durante o mandato de seu candidato e vai agir energicamente para que os retrocessos que ele anunciou não se concretizem.

Por exemplo: você preza pela liberdade de expressão e sabe que não é aceitável censurar os veículos de informação ou processar jornalistas que criticam o governo. Se, cumprindo sua promessa de campanha, o presidente passar a perseguir os formadores de opinião, você saberá que isso é atitude antidemocrática e lutará contra isso. Também sabe que ser gay não é doença, que família não é só pai, mãe e filhos, e respeita a diversidade de gênero no país, portanto considera inadmissível não haver medidas que protejam as pessoas e suas escolhas. Você é inteligente, viveu ou estudou sobre a ditadura militar no Brasil. Não foi brincadeira. E qualquer um que a banalize ou a minimize faz apologia ao terror, nega a história, afronta a democracia, como fez reiteradamente o seu presidente eleito.

Você não duvida que o aquecimento global seja uma realidade e que o papel do Brasil na regulação climática mundial depende do combate ao desmatamento, em especial na Amazônia e no Cerrado. E, para honrarmos esse papel tão importante no mundo, a fiscalização ambiental precisa ser prestigiada e fortalecida, com pessoas preparadas e investimento. E, historicamente, as multas aplicadas por crimes ambientais e efetivamente recolhidas para o Tesouro são ínfimas, lamentavelmente. Portanto, não há que se falar em “excesso”, nem “indústria de multas”, como disse seu presidente Brasil afora. Você também sabe que as unidades de conservação são espaços legalmente protegidos e que têm regras específicas para garantir a preservação de áreas estratégicas para a conservação dos recursos naturais e hídricos do Brasil. E falar disso é falar de soberania! Sabe, ainda, que as terras indígenas, junto com as unidades de conservação, têm importância ecológica, e, sobretudo, representam o reconhecimento dos territórios tradicionalmente ocupados pelas centenas de sociedades indígenas no Brasil. E que, por serem terras da União, jamais serão motivo de movimentos separatistas. Sabe que os indígenas, assim como outras populações tradicionais têm o direito à autodeterminação, mas necessitam do apoio de um Estado forte que garanta atenção especial à saúde e à educação, uma vez que passaram séculos sofrendo ataques e toda a sorte de violações. Ainda, que a demarcação de terras indígenas é uma obrigação do Estado brasileiro, prevista na Constituição Federal, e deve ser feita cumprindo-se os trâmites legais, independentemente da vontade pessoal do presidente.

Tenho certeza de que você também se lembra da tragédia de Mariana, que vai fazer três anos na primeira semana de novembro. Foi o maior desastre ambiental do Brasil, quando uma empresa de mineração destruiu uma bacia hidrográfica inteira. Até hoje seus responsáveis estão impunes. E esse crime aconteceu, entre outras razões, porque o licenciamento ambiental não foi rigoroso, ou seja, não serviu para atestar a viabilidade ambiental do empreendimento, exatamente como quer e anunciou como proposta de campanha o presidente eleito. Você não deve se esquecer do dia em que ele disse ser um absurdo ver um empresário sem sua licença, e que ela deveria sair em no máximo três meses. Todo mundo sabe que para atestar se uma obra vai trazer mais benefícios do que prejuízos ao meio ambiente é preciso fazer estudos aprofundados, sérios, e que não é no processo burocrático em três meses que haverá essa garantia. Isso é, aliás, segurança do investidor, que não quer colocar seu rico dinheirinho num projeto que vá lhe dar dor de cabeça com desastres ou processos judiciais. Você sabe disso, claro.

E logicamente concorda que a ciência no nosso país precisa de mais investimentos, como também a educação, a saúde, a segurança pública, e não vai ser facilitando o acesso da população às armas de fogo que os índices de criminalidade vão diminuir. Se isso acontecer no Brasil, vai ser inédito no planeta. Então, não fez nem faz sentido que o país seja impedido de investir mais recursos do que o teto da inflação nessas áreas tão essenciais ao desenvolvimento econômico e social, certo? Não vai aceitar que sejam nomeadas para pastas estratégicas, como meio ambiente e ciência e tecnologia, pessoas despreparadas tecnicamente. As nomeações técnicas foram também uma promessa de campanha, lembra-se? Então ele não estará cumprindo com seu compromisso se escolher um ruralista para o meio ambiente.

Você conhece muito bem que milhares de trabalhadores realizam trabalhos de extrema importância nas organizações não governamentais no Brasil, que funcionam seguindo as mesmas regras de qualquer empresa, com toda a burocracia, auditorias e controles, com a diferença de que as ONGs não lucram. Todo o recurso que entra vira ação social no final. Na área ambiental e indigenista, as organizações recebem recursos individuais provenientes de doações ou financiamentos públicos ou privados, estrangeiros e nacionais. E, dada à histórica falta de investimento governamental na área socioambiental, as ONGs prestam inestimável serviço ao país ao realizar trabalhos essenciais onde poucos chegam. É claro que, apesar do que seu candidato disse na campanha, você não acha que todas as ONGs estão a serviço do capital estrangeiro, são antipatriotas ou têm interesses espúrios, não é? Assim, não vai permitir que o ativismo seja criminalizado. Defender os direitos de populações marginalizadas e denunciar violações à dignidade humana, como fazem muitas delas, está longe de ser algum crime.

Então, exatamente por saber que você se importa com esses temas e discorda das promessas de quem elegeu, você vai se sentir responsável caso ele pratique atos unilaterais contrários ao seu pensamento, como enfraquecer os órgãos ambientais e indigenistas do país, como o Ibama, o ICMBio, a Funai, a Fundação Palmares, além do IPHAN, que cuida do patrimônio cultural do Brasil. E se ele afrouxar a fiscalização ambiental e de agrotóxicos, criminalizar os movimentos sociais, restringir a entrada de recursos internacionais de doação para as ONGs trabalharem, reduzir os canais de participação social nos processos de tomada de decisão sobre o desenvolvimento do país, sustar e dificultar a demarcação de terras indígenas, diminuir o poder de investigação do Ministério Público, entre outras várias medidas que arrancaram aplausos durante a campanha. Apesar de você não concordar com nada disso, achou que valia a pena arriscar todas essas conquistas em nome de uma “mudança”. Arriscou alto e agora não vai adiantar só rezar para que as coisas deem certo no final.

Você estará junto, apoiará abaixo-assinados, participará de atos de rua, como fez durante o impeachment da presidente Dilma Rousseff, será ativista das redes sociais em prol de sua ideologia. A propósito, você não acha que as pessoas conseguem viver sem ideologia, não é? Você atuará, como cidadão e cidadã consciente e engajado (a) desse país, a favor dos direitos humanos e do meio ambiente, apesar do candidato que elegeu. Porque você não é como ele.

Espero que você mantenha a mesma convicção que teve para impedir o retorno do PT nesses próximos quatro anos. É dessa força que o meio ambiente e os direitos humanos precisam!

A imagem acima é uma ilustração a partir de fotografias de Fernando Frazão (AgênciaBrasil), sobre a comemoração das Eleições no domingo (29 de outubro), e de Daniel Beltrá (Greenpeace), que documentou o desmatamento na Amazônia em 2018.

Andreia Fanzeres é jornalista formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e tem 14 anos de experiência na área de comunicação socioambiental. Já trabalhou em veículos como Revista Ciência Hoje, Globonews, ((o)) Eco e foi freelancer do Valor Econômico. É Alumni do Wolfson College, da Universidade de Cambridge (Reino Unido), onde participou do Press Fellowship Programme (2009) com o artigo “Comunicação ambiental no arco do desmatamento”. Foi vencedora do Earth Journalism Awards (2009) em três categorias internacionais, do Prêmio de Reportagem sobre a Mata Atlântica (2011), do Prêmio Pedro Rocha Jucá (2013) e do Prêmio Embrapa de Reportagem (2014). É membro da organização indigenista Operação Amazônia Nativa (OPAN) e desde 2016 coordena o Programa de Direitos Indígenas, Política Indigenista e Informação à Sociedade.

Reportagem Noticiosa

Sobre a matéria

Amazônia Real

A agência de jornalismo independente e investigativo Amazônia Real é uma organização sem fins lucrativos, criada por jornalistas mulheres em 20 de outubro de 2013, em Manaus, no Amazonas, Norte do Brasil. Sua missão é fazer jornalismo ético e investigativo, pautado nas questões da Amazônia e de seu povo. A linha editorial é voltada à defesa da democratização da informação, da liberdade de expressão, da liberdade de imprensa e dos direitos humanos. (redacao@amazoniareal.com.br)