CPI da Pandemia não vai convocar o agora réu Wilson Lima

Por Leanderson Lima Publicado em: 21/09/2021 às 17:26

Por unanimidade, STJ decidiu autorizar processo contra o governador do Amazonas pela compra fraudulenta de respiradores em loja de vinhos (Foto: Diego Peres/Secom-AM)

Manaus (AM) – O presidente da CPI da Pandemia, senador Omar Aziz (PSD-AM), lamentou não poder convocar o governador Wilson Lima (PSC) para depor na comissão em Brasília. Em julgamento da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), realizado na segunda-feira (20), Lima se tornou réu no processo que investiga a compra fraudulenta de 28 respiradores em uma loja de vinhos, em Manaus, durante a primeira onda da pandemia causada pelo novo coronavírus, em 2020.

O governador do Amazonas responderá pelos crimes de licitação fraudulenta, dispensa de licitação, crime de formação de organização criminosa e por embaraço à investigação. Seu vice-governador, Carlos Alberto Souza (PSDB), responderá por formação de organização criminosa. O tribunal não afastou o governador e nem o vice de suas funções.

“Eu espero que ele (Wilson Lima) possa no decorrer do processo esclarecer tudo que aconteceu. O Amazonas espera isso”, cobrou o presidente da CPI. Apesar de o governador amazonense ter se tornado réu, Aziz afirmou que não tentaria uma nova convocação por ela ter pouco efeito prático.

Em junho deste ano, a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu um habeas corpus que dispensou Wilson Lima de depor na CPI da Pandemia. Na ocasião, ela alegou que o governador é investigado pela Polícia Federal (PF) e pelo Ministério Público Federal (MPF). Para Rosa Weber, o “direito à não incriminação em relação a essa investigação se estende à CPI”.

“Tem uma decisão (do STF), mesmo que a gente o convoque, ele não precisa vir. Isso aí é uma decisão do Supremo, não é nossa. Nós convocamos, marcamos o dia, nem ele nem outro governador (precisam ir). Infelizmente, porque era bom, era o espaço para esclarecer muita coisa”, pontuou Omar Aziz. O depoimento de Lima na CPI da Pandemia estava marcado para 10 de junho de 2021. Ele seria o primeiro governador a ser ouvido pela Comissão Parlamentar de Inquérito.

Na ocasião, a prisão de Wilson Lima foi negada pelo ministro Francisco Falcão, que afirmou: “não se justifica a imprescindibilidade da decretação da extraordinária medida cautelar de privação de liberdade do chefe do Executivo estadual ao menos neste momento”.

Falcão foi o relator da denúncia da Procuradoria Geral da República (PGR) julgada pelo STJ. Por unanimidade, os ministros votaram pela admissibilidade da denúncia contra Wilson Lima, o vice Carlos Almeida e outros 12 acusados (Ver lista abaixo). Cada um deles responderá por crimes relacionados à compra fraudulenta dos 28 ventiladores. A PGR estima que o prejuízo seja superior a 2 milhões de reais aos cofres públicos do Amazonas.

O sistema de saúde do Amazonas foi o primeiro do Brasil a entrar em colapso por causa da pandemia, em abril de 2020. Faltaram leitos de UTI, equipamentos e médicos para atender a população. Estima-se que em nenhum lugar do país o novo coronavírus tenha sido tão grave como em Manaus, onde a população pobre foi enterrada em vala comum.

Nos últimos 17 meses, 13.716 pessoas morreram por Covid-19 no estado do Amazonas, segundo a Fundação de Vigilância em Saúde (FVS).

Voto do relator

Julgamento no STJ (Foto reprodução)

De acordo com o relator, ministro Francisco Falcão, do STJ, há na denúncia da PGR elementos que evidenciam que, no início de abril de 2020, o governador teria pedido ao Rodrigo Tobias (então titular da Secretaria Estadual de Saúde do Amazonas) e João Paulo dos Santos (ex-secretário-executivo do mesmo órgão) que se reunissem com o empresário Gutemberg Alencar, que passaria a conduzir a compra dos respiradores pulmonares. Alencar “teria um canal empresarial” para as aquisições dos equipamentos.

Foi no gabinete do governador do Amazonas que a PF apreendeu documentos com preços e contratos de empresas que forneceriam os ventiladores ao estado. Esse seria um indicativo de que Wilson Lima acompanhava, pessoalmente, os trâmites da aquisição dos ventiladores e os respectivos processos de dispensa e proposta das empresas, explicou Francisco Falcão.

Para o relator do STJ, o trabalho exercido pelo secretariado e pelo empresário Gutemberg Alencar, na busca por empresas fornecedoras, coloca Wilson Lima como integrante da organização criminosa, por ocupar “o posto máximo da burocracia” e deter a “palavra final” nas decisões do estado.

Votaram com o relator os ministros Paulo de Tarso Sanseverino, João Otávio de Noronha, Laurita Vaz, Maria Thereza de Assis Moura, Nancy Andrighi, Herman Benjamin, Jorge Mussi, Luís Felipe Salomão, Benedito Gonçalves, Raul Araújo e Isabel Gallottie.

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça possui 15 ministros. O ministro Og Fernandes não participou da sessão e o ministro Mauro Campbell se declarou suspeito. Campbell é irmão de Vânia Maria do Perpétuo Socorro Marques Marinho, nomeada desembargadora do Tribunal de Justiça do Amazonas em abril deste ano. O governador Lima é quem escolheu a magistrada para ocupar a vaga deixada pelo desembargador Djalma Martins, que se aposentou em fevereiro.

Por meio de nota, o governador do Amazonas se defendeu: “Sobre a decisão de hoje, afirmo: as acusações contra mim não têm fundamento e tampouco base concreta, como ficará provado no decorrer do julgamento. Nunca recebi qualquer benefício em função de medidas que tomei como governador”, disse.

Para Wilson Lima, a acusação é frágil e não apresenta nenhuma prova ou indício de que ele tenha praticado qualquer ato irregular. “Agora terei a oportunidade de apresentar minha defesa e aguardar, com muita tranquilidade, a minha absolvição pela Justiça. Tenho confiança na Justiça e a certeza de que minha inocência ficará provada ao final do processo”, ressaltou.

O esquema no governo

Covid-19 no interior do Amazonas, movimentação em Manacapuru
(Foto do ensaio “Insulae”, de Rahael Alves/2020)

No julgamento do STJ também foram denunciados outros funcionários do governo do Amazonas. A ex-secretária executiva de Saúde da Capital Dayana Mejia, agora ré por participação em organização criminosa, teria iniciado os procedimentos para aquisição dos equipamentos.

Ronald Gonçalves Caldas Santos, engenheiro da Secretaria Estadual de Saúde, foi apontado como o servidor responsável por fazer a análise técnica dos 28 respiradores. Segundo a investigação, Ronald sabia que os aparelhos estavam com sobrepreço e que não serviam para casos mais graves do tratamento da Covid-19.

Ex-secretário-executivo da Susam, João Paulo dos Santos foi denunciado por direcionamento de licitação, aumento abusivo de preço, peculato e desvio, e Márcio de Souza Lima, que à época era gerente de patrimônio, por desvio de recursos públicos, dispensa de licitação e peculato.

Os empresários

O médico Luiz Carlos Avelino Junior e o empresário Gutemberg Alencar foram presos na segunda fase da operação Sangria (Foto: Edmar Barros/Futura Press/Estadão Conteúdo)

No esquema fraudulento, outros nomes emergiram e que embasou a decisão dos ministros do STJ. Fabio Antunes Passos, proprietário da empresa FJAP – a empresa de vinhos -, adquiriu os 28 respiradores da empresa Sonoar por um valor de 2,48 milhões de reais, e revendido no mesmo dia para o governo, pelo preço de 2,97 milhões de reais. Esse esquema é conhecido como triangulação. Ele vai responder por fraude em licitação e participação em organização criminosa.

Luciane Zuffo Vargas de Andrade, sócia do médico e empresário Luiz Carlos Avelino Júnior, também vai responder por dispensa irregular de licitação, fraude em licitação, e sobrepreço e aumento abusivo de lucro. Já Luiz Carlos é apontado como o sócio oculto da empresa Sonoar, e vai responder por direcionamento e dispensa indevida de licitação, sobrepreço, peculato, fraude em licitação e lavagem de dinheiro. O empresário é marido da ex-secretária de comunicação do Estado, a jornalista Daniela Assayag.

O empresário Gutemberg Alencar, ex-policial militar, que teria sido o coordenador da campanha de eleição de Wilson Lima no interior do Amazonas, e que é uma figura-chave no escândalo, vai responder por fraude em licitação, organização criminosa e formação de organização criminosa.

O relator do caso determinou o envio dos autos para a Justiça do Amazonas, sobre o pedido do Ministério Público Federal, referente à investigação por lavagem de dinheiro, que teria sido praticada pelos empresários Luciane Zuffo e Luiz Carlos Avelino Júnior – este marido da ex-secretária de Comunicação, Daniela Assayag, do governo de Wilson Lima.

O relator votou pela rejeição das denúncias contra a ex-secretária da Susam, Simone Araújo de Oliveira Papaiz, e do atual secretário da Casa Civil, Flávio Cordeiro Antony, por participação em organização criminosa.

O relator também ordenou o arquivamento das investigações contra Jefferson Luiz Rodrigues Coronel, Renata de Cassia Dias Mansur e Robes Gustavo Siqueira, que foram alvos da Operação Sangria.

Operação Sangria

Vice-governador Carlos Almeida Filho também é réu no processo
(Foto: Alberto César Araújo/Aleam)

A Operação Sangria foi deflagrada pela Polícia Federal na manhã de 30 de junho de 2020. Na ocasião, a PF investigava a possível prática de crimes como corrupção, fraude a licitações, desvio de recursos públicos federais e pertencimento a organização criminosa.

Na ocasião, a PF cumpriu 20 mandados de busca e apreensão. Foram presos 8 suspeitos em regime de prisão temporária. Os mandados de busca e apreensão e de prisão foram expedidos pelo STJ. A operação contou com a cooperação do Ministério Público Federal no Amazonas (MPF), da Controladoria Geral da União (CGU) e da Receita Federal do Brasil (RFB).

De acordo com a PF, o desvio das verbas federais ocorreu mediante fraude na contratação de empresa para fornecimento de respiradores, que ainda não atendiam às especificidades técnicas adequadas para uso no tratamento médico. Além disso, a investigação da PF identificou indícios de superfaturamento.

Conforme o laudo pericial da PF, cada um dos ventiladores mecânicos adquiridos pelo governo do Amazonas teria custado um valor pelo menos 133,67% mais caro que o valor praticado no mercado. A suspeita de desvio é da ordem de quase 2 milhões de reais. A venda para o Estado foi feita em sistema de triangulação, utilizando para tal, uma loja de vinhos.

A segunda fase da operação foi deflagrada no dia 8 de outubro de 2020. Na ocasião, a PF cumpriu 14 mandados judiciais, divididos entre nove de busca e apreensão e cinco de prisão temporária. Em 30 de novembro, a PF deu início à terceira fase da Operação Sangria. A fase da operação foi motivada pelos elementos de prova recolhidos nas fases anteriores da operação.

Em 2 de junho deste ano, foi deflagrada a quarta fase da Operação Sangria. Na ocasião, cumpriu 25 mandados judiciais, sendo 19 mandados de busca e apreensão e 6 de prisão temporária. Além de Manaus, uma prisão foi feita em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. A ação rendeu bloqueios de 22,8 milhões de reais.

Foi nesta fase que foram investigados indícios de dispensa fraudulenta de licitação para locação do Hospital Nilton Lins, que foi usado durante a pandemia. O secretário de Saúde do Amazonas, Marcellus Campelo, foi preso nesta fase da operação. O dono do Hospital Nilton Lins, o empresário Nilton Lins Jr. também foi preso.

Livre pela Aleam

Antes de ocorrer a CPI da Pandemia, em Brasília, a Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam) também abriu uma comissão de investigação para apurar desvios de recursos públicos no combate à pandemia. A CPI da Saúde, que foi requerida pelo deputado estadual Péricles Rodrigues, o delegado Péricles (PSL), teve como relator o deputado Fausto Júnior (MDB), que inclusive foi convocado a depor na CPI em Brasília.

Depois de 120 dias de trabalho, a comissão parlamentar revelou haver indícios de práticas de crimes de desvio de recursos públicos, principalmente no escândalo da compra dos respiradores. Apesar disso, o governador Wilson Lima não foi sequer indiciado.

Wilson Lima, jornalista e ex-apresentador de um programa de TV policialesco, foi eleito em 2018 ao governo do Amazonas na esteira da votação que elegeu Jair Bolsonaro (sem partido) à Presidência da República. É o primeiro cargo público do político.

Wilson Lima ganhou a eleição apoiado por Jair Bolsonaro (Foto: Alan Santos/PR)

Veja os crimes e os denunciados pelo STJ: artigo 89, artigo 96 da lei 8666: dispensa de licitação fora das hipóteses previstas por lei; e por licitação fraudulenta

1. Wilson Miranda Lima, governador do Estado do Amazonas

2. Alcineide Figueiredo Pinheiro, ex-gerente de compras da Susam

3. Dayana Priscila Mejia, ex-secretária executiva da Susam

4. Rodrigo Tobias de Souza, ex-secretário da Susam

5. João Paulo Marques dos Santos, secretário-executivo de Saúde do estado do AM

6. Perseverando da Trindade Garcia, ex-secretário executivo adjunto do Fundo Estadual de Saúde

7. Ronald Gonçalves Caldas, servidor público (engenheiro)

8. Cristiano da Silva Cordeiro, empresário

9. Fabio José Antunes Passos, empresário

10. Luciane Zuffo, empresária

11. Luiz Carlos de Avelino Junior, médico e empresário

12. Marcio de Souza Lima, servidor público

13. Gutenberg Leão Alencar, empresário

Formação de organização criminosa, Lei 8.250, Art. 4

1. Wilson Lima governador

2. Carlos Alberto Souza de Almeida Filho, vice-governador

3. Rodrigo Tobias de Souza Lima, ex-secretário da Susam

4. João Paulo Marques dos Santos, ex-secretário executivo da Susam

5. Preservando da Trindade Garcia, ex-secretário adjunto da Susam

6. Dayana Priscila Mejia, ex-secretaria executiva da susam

7. Alcineide Figueiredo Pinheiro, ex-gerente de compras

8. Ronald Gonçalves Caldas, servidor

9. Gutenberg Leão Alencar, empresário

10. Fábio José Antunes Passos, empresário

11. Cristiano da Silva Cordeiro, empresário

Recebimento da denúncia Lei 12.850 (Art.2) embaraço à investigação de organização criminosa

1. Wilson Miranda Lima, governador

2. João Paulo Marques dos Santos, ex-secretário executivo

Ex-secretário de Saúde Rodrigo Tobias (Foto: Zamith Filho/Ascom deputado Péricles)

Gostou dessa reportagem? Apoie o jornalismo da Amazônia Real aqui.

Reportagem Noticiosa

Sobre a matéria

Citações

“Neste momento, neste exame não aprofundado da matéria, existe justa causa para se considerar o governador do Amazonas como partícipe nos delitos de dispensa de licitação direcionada, bem como partícipe da fraude na aquisição de 28 respiradores, que teve preços elevados com abusividade neste mesmo contrato, outrossim, considero que o governador deve responder como partícipe do delito de peculato”, disse o relator do STJ Francisco Falcão.

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/06/15/advocacia-do-senado-recorre-no-stf-para-governador-do-am-depor-na-cpi

https://www.gov.br/pf/pt-br/assuntos/noticias/2020/11-noticias-de-novembro-de-2020/pf-investiga-desvio-de-recursos-publicos-para-o-enfrentamento-da-covid-19-no-amazonas

https://www.gov.br/pf/pt-br/assuntos/noticias/2020/10-noticias-de-outubro-de-2020/pf-investiga-desvio-de-recursos-publicos-para-acoes-de-enfrentamento-ao-covid-19-no-amazonas

https://www.gov.br/pf/pt-br/assuntos/noticias/2020/06-noticias-de-junho-de-2020/pf-investiga-desvio-de-recursos-publicos-do-auxilio-federal-para-enfrentamento-ao-covid-19

https://www.gov.br/pf/pt-br/assuntos/noticias/2021/06/pf-investiga-desvio-de-recursos-publicos-para-acoes-de-enfrentamento-ao-covid-19-no-amazonas

https://www.cnnbrasil.com.br/politica/stj-forma-maioria-e-torna-wilson-lima-reu-por-crime-de-peculato/

Leanderson Lima

É graduado em Comunicação Social com habilitaçã em Jornalismo pelo Centro Universitário Nilton Lins. Tem MBA executivo em Gestão de pessoas e coaching, pelas Faculdades Idaam. Iniciou no jornalismo profissional em 2003, tendo trabalhado em veículos como Jornal A Crítica, Correio Amazonense, Jornal do Commercio e Zero Hora (RS). Na televisão trabalhou na TV A Crítica, Rede TV! Manaus, e na rádio A Crítica, como comentarista. Está na equipe de jornalistas investigativos da agência Amazônia Real desde o ano de 2021. É o vencedor do Prêmio Petrobras de Jornalismo de 2015, com a reportagem “Chute no Preconceito”.