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Mãe de policial assassinada vive sob ameaças

Por Leanderson Lima Publicado em: 31/05/2022 às 15:11

A aposentada Antônia Assunção da Silva não acredita na versão de suicídio da filha, sete anos atrás; o MP apresentou denúncia contra o sargento da PM Elson dos Santos Brito, com quem Deusiane da Silva Pinheiro mantinha um relacionamento (Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real).

Manaus (AM) – A aposentada Antônia Assunção da Silva, de 57 anos, vive sob um forçado regime de prisão domiciliar. Ela teme ser morta. Em 1º de abril de 2015, sua filha, a policial militar Deusiane da Silva Pinheiro, foi assassinada, e não se suicidou, como informou o também PM Elson dos Santos Brito. Os dois mantinham um relacionamento, e segundo a mãe da vítima, Deusiane havia decidido acabar com tudo depois que descobriu que o sargento Elson estava envolvido em casos de corrupção no Batalhão Ambiental de Manaus. Sete anos se passaram, e com a aproximação das primeiras audiências na Justiça, a aposentada virou alvo de perseguição e intimidação, tudo para que desista do caso.

“Às vezes dizem que não vão me matar porque eu estou em casa. Mas eles mataram minha filha dentro de um quartel. Você não tem ideia da revolta que eu sinto. Eu nem durmo quando os vejo rondarem por aqui. Desde domingo (22/5) eu não durmo. Eu cochilo de dia aqui em casa, fico reparando”, afirma Antônia. A casa simples em que ela vive com uma filha adotiva e três netos, recebe visitas constantes de rondas feitas com veículos roubados. Ela já contabilizou pelo menos 16 placas diferentes.

“Agora essa perseguição voltou de novo. Nunca parou na verdade, mas só que agora, aparentemente, eles querem descer aqui. No Natal, eles pararam em cima da minha calçada e abriram as quatro portas do carro e ficaram mais de meia hora aí. Não adianta ir em lugar nenhum. De tanto eu fazer boletim de ocorrência, gerou um TCO (Termo Circunstanciado de Ocorrência), mas o que que aconteceu? Nada! Até hoje não aconteceu nada”, desabafa.

Na casa de dois andares, com o primeiro piso de alvenaria e o segundo de madeira, localizada no bairro Alvorada, na Zona Oeste de Manaus, Antônia sonha com o dia em que vai poder voltar a fazer tarefas simples sem medo de morrer. “Eu quero muito que eles deixem de me perseguir, ter uma vida normal, como eu tinha antes, ir numa feira, andar livre, poder ir ao supermercado. São sete anos de prisão”, emociona-se.

“Ele a matava”

Antônia Assunção da Silva, mãe de Deusiane no plenário da Assembleia do Amazonas
(Foto: Alberto César Araújo/Aleam)

O assassinato de Deusiane da Silva Pinheiro ocorreu na base flutuante do Batalhão Ambiental da Polícia Militar, no bairro Tarumã, também na Zona Oeste de Manaus. Ela decidiu romper com o PM, o que despertou a ira do companheiro. “Minha filha tinha terminado e ele não aceitava. Ele (Elson) fazia parte de corrupção, tráfico de drogas e madeira que tinha dentro do Batalhão Ambiental. Por ser uma pessoa muito correta, ela não aceitava e terminou. Ele disse que se ela saísse da Ambiental, ele a matava”, lembra a aposentada.

Deusiane chegou a oficializar o pedido de transferência do Batalhão Ambiental. Ela contou para a mãe sobre os crimes que descobriu, e como queria sair não só do Batalhão, mas da própria Polícia Militar. “Ela me contou que ele havia a ameaçado. Tinha colocado uma arma na boca dela. Disse que ia matar ela e fazer como se ela tivesse se matado, um suicídio”, recorda.

A aposentada Antônia conta que o corpo da filha apresentava sinais de tortura. Dois dedos do pé estavam quebrados, e a calça legging que ela havia acabado de comprar estava rasgada. “Não tenho dúvida nenhuma de que minha filha foi torturada e assassinada por causa dessa maldita corrupção. O pé dela ficou roxo no velório, ficou todo preto, até na metade do pé. Entre as partes íntimas dela estava tudo vermelho. Até hoje eu tenho dúvidas se eles estupraram a minha filha, eu tenho dúvida de tudo isso e isso me dói muito porque minha filha sempre foi uma pessoa muito correta”, desabafa.

A referência da aposentada a “eles” é porque outros nomes figuram na denúncia do Ministério Público do Estado do Amazonas (MP-AM). Em 26 de julho de 2017, o MP-AM denunciou o sargento Elson à justiça como autor do disparo que matou a policial. “Segundo a denúncia formulada pelo Promotor de Justiça Edinaldo Aquino Medeiros, Elson matou Deusiane, trocou o ferrolho de sua arma com o ferrolho de outra arma, e a apresentou como a que teria sido usada no suicídio”, diz o MP.

Além dele, os sargentos Jairo Oliveira Gomes, Cosme Moura Souza e Narcízio Guimarães Neto e mais o cabo Júlio Henrique da Silva Gama foram denunciados pelo crime de falso testemunho. Elson disse à época que Deusiane havia se matado. Os demais colegas de farda confirmaram a sua versão. A hipótese de suicídio foi logo afastada tomando por base os laudos periciais das armas apresentadas, os registros lançados pelo armeiro Jairo Oliveira Gomes e os depoimentos colhidos.

No dia do velório de Deusiane, em abril de 2015, um homem que se apresentou como policial militar entregou para a mãe da vítima fotos da cena do crime, e confirmou que ela havia sido assassinada, e que só não diria mais nada por medo de morrer também. Foi ali que Antônia soube de detalhes do assassinato brutal da filha.

“Alteram a cena do crime. Assim que tiraram o corpo dela, levaram o barco, e isso está no processo, a agenda dela nunca me entregaram, a bolsa dela me entregaram lavada, e tinha um cheiro forte de detergente. A rede dela nunca apareceu, o colete dela nunca apareceu, a boia. Nem o dinheiro que ela tinha levado que é do pai dela. Além de torturarem, mataram e ainda a roubaram”, diz Antônia, que teme por sua vida por saber que os criminosos são capazes de tudo.

Não foi feminicídio?

Protesto contra feminicídio em frente ao Fórum Henoch Reis em Manaus
(Foto: Raphael Alves/Tjam)

De acordo com a advogada criminalista Goreth Campos Rubim, nos julgamentos do Tribunal do Júri de casos de homicídio qualificado pelo feminicídio em Manaus, a tendência é pela condenação dos réus, principalmente em casos que ganharam repercussão midiática. Desde 9 de março de 2015, o crime de homicídio praticado contra mulher em razão do menosprezo, discriminação do gênero feminino ou em decorrência da violência doméstica e familiar é qualificado como feminicídio.

“Com a vigência da qualificadora do feminicídio, a defesa do acusado busca muitas vezes retirar a qualificadora do feminicídio do crime de homicídio, ou pleiteia o reconhecimento da causa de diminuição de pena do homicídio praticado pelo domínio da violenta emoção logo após a injusta provocação da vítima, prevista no artigo 121, parágrafo primeiro, do Código Penal brasileiro”, explica Goreth. “E nos casos de homicídio qualificado pelo feminicídio na modalidade tentada, a defesa busca a possibilidade de uma desclassificação do crime de homicídio para o crime de lesão corporal, seja este na modalidade leve, grave ou gravíssima.”

Mas esse agravante será ignorado desta vez. O caso do assassinato de Deusiane não será julgado como feminicídio, mas como homicídio qualificado por se tratar de um crime entre militares, ocorrido dentro de uma base militar. “É um crime militar. É militar contra militar no quartel, não tem como ser diferente. A lei deles é específica. Todos vão ter um julgamento militar”, aponta a advogada de acusação Martha Gonzales. Se for condenado, o sargento Elson dos Santos Brito pode pegar entre 12 a 30 anos de reclusão.

A reportagem da Amazônia Real procurou levantar junto ao Tribunal de Justiça do Amazonas (TJ-AM) o número de julgamentos envolvendo casos de feminicídio que devem ocorrer ainda este ano. Sobre isso, a assessoria afirmou que as três Varas do Tribunal do Júri ainda não publicaram pautas relativas ao segundo semestre.

Audiência marcada

Primeira audiência de instrução do caso da PM Deusiane
(Foto: Raphael Alves/Tjam/24/04/2018)

A Assessoria de Imprensa do TJ-AM informou que o processo (nº. 0228073-85.2015.8.04.0001) terá uma audiência de instrução em 29 de junho de 2022, às 9 horas. Serão ouvidos os peritos criminais para esclarecer as circunstâncias do assassinato de Deusiane. A data do julgamento só ocorrerá depois que essa etapa de instrução for concluída.

Essa é a segunda tentativa de realizar essa audiência com os peritos. Em 4 de abril, o TJ-AM teve de suspender a sessão, porque os peritos faltaram, sob a justificativa de ampliar o prazo “para que eles pudessem apresentar respostas aos quesitos por escrito”, disse a nota.

Martha Gonzales explica os questionamentos que devem ser feitos aos peritos. “O que eu estou questionando, agora – por isso ouvir o perito -, é o que aconteceu? Eles disseram que ela estava armada, ok, tem uma arma que está lá no livro. Só que essa arma que está no livro foi a mesma arma que foi recolhida para mandar para a perícia, porque está documentado. Quando eles (Elson e os demais PMs) se apresentaram na delegacia, eles apresentaram uma outra arma como sendo dela. Quem foi que trocou essa arma? Por que ainda não apuraram isso? Disseram que ela cometeu suicídio, está aqui a arma dela, só que a arma que eles apresentaram não era dela, eles trocaram a arma, e até hoje ninguém tomou providência”, diz.

A advogada aponta ainda um agravante, que foi a adulteração da cena do crime. “É um absurdo eles terem lavado a cena do crime, porque está lá nos papéis, eles lavaram a cena do crime. Quando a perícia chegou estava tudo lavadinho. Militar fazer isso? Adulteraram a cena do crime, isso na esfera militar é pior ainda. Eles tinham o conhecimento de que não podia. Está lá no Código Penal Militar: não alterar a cena do crime. Isola, espera chegar as providências. Eu tenho certeza que não foi suicídio, por causa especificamente desse detalhe. Eles disseram que ela estava armada, ok, só que na hora de ir para perícia, eles mandaram a arma de outra pessoa, e está todo mundo caladinho. Meteram uma mentira pra ver se cola, mas enquanto eu estiver viva eu grito”, finalizou a advogada.

A Amazônia Real entrou em contato com a Assessoria de Comunicação da Polícia Militar do Amazonas para saber se houve sindicância para apurar o caso envolvendo o PM Elson dos Santos Brito. A reportagem questionou ainda qual é a situação dos militares, hoje, dentro da corporação. Até a publicação desta reportagem, a Polícia Militar não havia dado retorno algum.

Depois de quase uma década do assassinato de sua filha, a aposentada Antônia Assunção da Silva diz não ter mais esperanças na “justiça do homem”. “No meu caso, a justiça pendurou as chuteiras há muito tempo. Eu nunca precisei da justiça para nada. Eu só pisei numa delegacia para tirar a identidade. Quando eu precisei da Justiça ela falhou comigo. Os assassinos estão soltos. Parece que eu sou a culpada, pois vivo presa dentro de casa. Não confio mais na justiça do homem. Confio na justiça de Deus. Um dia a justiça de Deus vai chegar”, conclui.

Deusiane em foto do acervo da família

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“No meu caso, a justiça pendurou as chuteiras há muito tempo. Eu nunca precisei da justiça para nada. Eu só pisei numa delegacia para tirar a identidade. Quando eu precisei da justiça ela falhou comigo. Os assassinos estão soltos. Parece que eu sou a culpada, pois eu vivo presa dentro de casa. Não confio mais na justiça do homem. Confio na justiça de Deus. Um dia a justiça de Deus vai chegar”, diz Antônia Assunção da Silva, aposentada, mãe da PM Deusiane da Silva Pinheiro.

Links:

https://amazoniareal.com.br/justica-do-amazonas-nao-julga-feminicidios-na-pandemia/

https://amazoniareal.com.br/mulheres-marcham-em-manaus-contra-o-feminicidio-e-reforma-de-bolsonaro/

https://consultasaj.tjam.jus.br/cpopg/show.do?processo.codigo=01001RQ3B0000&processo.foro=1&processo.numero=0228073-85.2015.8.04.0001&uuidCaptcha=sajcaptcha_a6a06da3285e4abf9859900d6c66ad25

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Leanderson

Leanderson Lima

É graduado em Comunicação Social com habilitaçã em Jornalismo pelo Centro Universitário Nilton Lins. Tem MBA executivo em Gestão de pessoas e coaching, pelas Faculdades Idaam. Iniciou no jornalismo profissional em 2003, tendo trabalhado em veículos como Jornal A Crítica, Correio Amazonense, Jornal do Commercio e Zero Hora (RS). Na televisão trabalhou na TV A Crítica, Rede TV! Manaus, e na rádio A Crítica, como comentarista. Está na equipe de jornalistas investigativos da agência Amazônia Real desde o ano de 2021. É o vencedor do Prêmio Petrobras de Jornalismo de 2015, com a reportagem “Chute no Preconceito”.

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