Povos Indígenas

Indígenas Guarani-Kaiowá são atacados por seguranças e policiais, no Mato Grosso do Sul

Quatro indígenas ficaram feridos, entre eles, um menino de 11 anos atingido por um artefato similar a granada. Segundo as lideranças, policiais militares do Departamento de Operações de Fronteira (DOF) participaram do ataque. O governo estadual disse que a presença […]

Por Izabela Sanchez Publicado em: 04/01/2020 às 16:01

Quatro indígenas ficaram feridos, entre eles, um menino de 11 anos atingido por um artefato similar a granada. Segundo as lideranças, policiais militares do Departamento de Operações de Fronteira (DOF) participaram do ataque. O governo estadual disse que a presença policial foi preventiva

Campo Grande (MS) – A Secretaria Estadual de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) do Mato Grosso do Sul está acompanhando a ocorrência de ataques de seguranças de fazendas, policiais militares e agentes do Departamento de Operações de Fronteira (DOF), do governo do estado, contra os indígenas Guarani-Kaiowá da Terra Indígenas Dourados. Os ataques aconteceram entre a noite de quinta-feira (02) e ao longo de sexta-feira (03) nas retomadas Nhu-Vera e Aratikuty, onde vivem aproximadamente 50 famílias que reivindicam a demarcação dos territórios que foram invadidos por proprietários rurais. Ao menos cinco pessoas ficaram feridas, sendo quatro indígenas e um segurança, por balas de borracha e arma de fogo. Não houve registro de mortos.

Um garoto indígena de 11 anos, que teve os dedos da mão esquerda decepados por um artefato similar a uma granada, continua internado no Hospital Vida, que fica em Dourados, distante a 225 quilômetros da capital Campo Grande. O governo do Mato Grosso do Sul disse que os policiais participaram da ação “preventivamente”, negando o envolvimento deles no ataque aos indígenas (Leia nota abaixo).

Os Guarani-Kaiowá relataram à reportagem da Amazônia Real que o ataque maior aconteceu na retomada Nhu-Vera. Eles dizem que os seguranças chegaram atirando com arma de fogo na noite de quinta-feira (02) e que a ação se estendeu até às 12h desta sexta-feira (03) para expulsá-los da terra, que é disputada por um fazendeiro. Depois, os seguranças acionaram policiais militares. O batalhão da PM contou com apoio de policiais do Departamento de Operações de Fronteira (DOF). Para a surpresa deles, os policiais atiraram contra os indígenas com balas de borracha. Os indígenas afirmam que estranharam a presença dos policiais do DOF, já que a corporação costuma manter ações somente na fronteira, geralmente relacionadas ao tráfico de drogas. A ação policial se estendeu pela tarde de sexta-feira.

Veja o vídeo do ataque:

O líder Aderson Machado, do povo Guarani-Kaiowá, afirmou à reportagem da Amazônia Real “ter escapado por pouco”. Ele disse que durante o ataque, os seguranças perseguiram os grupos de indígenas. Os indígenas, mulheres e homens, usaram pedras e paus para tentar revidar os tiros.

“É a própria segurança do fazendeiro. Quando a gente pede uma segurança para nós, eles [polícia] nem ouvem nós. O segurança liga e logo vem 10, 20 camburão da polícia. No momento que ouvimos os disparos tinha muita criança, idosos e gestantes”, disse ele, sem especificar o nome do fazendeiro a quem se refere.

Machado afirma ter visto ao menos oito seguranças que também utilizaram um trator de grande porte para destruir os barracos montados na retomada Nhu-Vera.

“Eles estão me ameaçando, querendo me pegar pra matar. Se eu tenho de morrer pela minha comunidade, eu vou morrer”, afirmou. “Já chegaram atirando na gente, com pistola, revólver, bala de 12 calibre. A polícia chegou atirando… Foram entrando em casa por casa”, disse Aderson.

“Chegaram com trator grande e uma camionete que acompanha dando segurança, muita gente foi baleado com bala de borracha”, completou a liderança.

Segundo a reportagem do site do jornal Campo Grande News, em um vídeo “é possível ver o cano da arma de um dos seguranças. Em seguida começam os tiros. Outras imagens mostram o clima de tensão e trocas de ameaças entre índios e seguranças privados, contratados pelos proprietários para conter as invasões nas regiões norte e oeste de Dourados”. Um indígena estaria armado. Os outros com arcos e flechas contra os seguranças.

Quem são os feridos

Indígena ferido é socorrido
(Foto do povo Guarani-Kaiowá/03/01/2020)

Além do garoto de 11 anos internado no Hospital da Vida, em Dourados, foram atendidos na unidade pública os seguintes indígenas: Modesto Fernandes, que foi atingido no rosto; Paulo Gonçalvez Rolim, ferido no tórax e na cabeça; e Gabriel Vasquez. Os nomes dos indígenas feridos foram divulgados pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), ligada ao Ministério da Saúde. A Sesai também não informou que tipo de arma feriu os indígenas e qual é o estado de saúde do garoto internado. A Amazônia Real apurou que eles permanecem internados neste sábado (04)

Segundo a reportagem do site do jornal Campo Grande News, um segurança identificado como Wagner André Carvalho foi atingido por um tiro no tórax. Não há informação sobre o estado de saúde desse segurança.

Conforme os relatos das lideranças, o menino de 11 anos é da aldeia Bororó, que fica na Terra Indígena de Dourados, a 200 metros do limite da retomada Nhu-Vera. Durante o ataque foi lançado contra os Guarani-Kaiowá um artefato similar a uma granada. O objeto foi jogado próximo dos indígenas da Aldeia Bororó. O menino pegou a granada do chão, que explodiu e decepou os dedos do garoto.

O estudante Thiago Machado Alves, 29 anos, afirma que testemunhou quando o menino foi atingido pelo artefato. “Os seguranças chegaram atirando e parentes ficaram feridos. Um teve ferimento grave na mão por conta de uma bomba explosiva”, afirmou Alves.

Granada similar a esta explodiu em mão de menino (Foto: Divulgação)

A agência Amazônia Real enviou uma foto do artefato que atingiu o garoto para um policial analisar. Ele disse que trata-se de uma granada de uso das forças de segurança para controle de multidões. Embora não tenha um grande poder de destruição, seu uso é restrito. Ainda não se sabe se o lançamento da granada foi feito pelos seguranças, o que seria proibido, ou pelos policiais do DOF.

O que dizem as autoridades?

Indígenas citam policiais militares no ataque
(Foto do povo Guarani-Kaiowá/03/01/2020)

A reportagem entrou em contato com a Secretaria Estadual de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), por meio da assessoria de imprensa, para que o órgão esclarecesse a participação dos policiais militares do Departamento de Operações de Fronteira (DOF) no ataque aos indígenas Guarani-Kaiowá.

A Sejusp declarou que “estar acompanhando a situação” e afirmou que a ação dos policiais “foi preventiva”.

Procurada, a assessoria de imprensa da Superintendência da Polícia Federal do Mato Grosso do Sul informou que “enviou uma equipe ao local”, mas não informou se está investigando o caso.

A Fundação Nacional do Índio (Funai) também foi procurada, mas até o momento não respondeu às perguntas enviadas pela Amazônia Real para se pronunciar sobre os ataques aos indígenas Guarani-Kaiowá.

Tensões nos territórios

Indígena Modesto Fernandes ferido no ataque de 03/01/2020
(Foto do povo Guarani-Kaiowá)

A região de Dourados e de outros municípios do Mato Grosso do Sul é marcada pela tensão constante envolvendo indígenas que vivem em acampamentos, os quais eles descrevem como “retomadas”. As áreas são reivindicadas como os territórios originários dos Guarani-Kaiowá e são denominadas de “Tekoha” (“lugar onde se é” no idioma da etnia).

O líder Aderson Machado diz que na retomada Nhu-Vera, os Guarani-Kaiowá plantam culturas tradicionais para alimentar a comunidade, como mandioca, milho, abóbora e batata. O local tem forte presença de mulheres e crianças, que muitas vezes também sofrem com as ameaças. Segundo ele, durante o ataque de sexta-feira (3), há relatos de que os pistoleiros apontam armas até para os rostos das crianças.

Entrevistado pela reportagem, o radialista Gilberto Fernandes, que é da etnia Guarani-Kaiowá da aldeia Bororó, trabalha na Rádio Indígena FM. Ele disse que esteve na retomada Nhu Verá e relatou o quadro de tensão.

“O fato aconteceu desde 22h40 (do dia 2) na retomada Nhu-Vera, e voltou às 4 horas da manhã (do dia 3). É para os indígenas se retirar do local, portanto está continuando o conflito”, afirmou.

Segundo Fernandes, agentes e um delegado da Polícia Federal só chegaram ao local no final da tarde desta sexta-feira (3).

As retomadas

Ataque aos Guarani Kaiowá em12/09/2019 na Aldeia Bororó
(Foto: ASSEJUR- CIMI)

As retomadas dos territórios são resultado de uma mobilização dos Guarani-Kaiowá contra fazendas que ocuparam seu território ao longo do século 20 no processo de colonização, deixando-os confinados em áreas minúsculas, sem direito a plantações, roçados e realização de rituais sagrados.

As retomadas provocaram reação imediata dos donos das fazendas e seus aliados políticos e moradores locais, que nos últimos anos também têm respondido com agressividade à mobilização dos indígenas e através de ações judiciais para despejar os Guarani-Kaiowá.

Há pouco mais de um ano, os Guarani-Kaiowá foram atacados violentamente no dia 28 de outubro de 2018, no segundo turno das eleições presidenciais. O ataque ocorreu em uma área próxima da aldeia Bororó, por volta das 4h. Entre os feridos estava uma criança de nove anos de idade. Foi o segundo ataque aos indígenas em menos de 20 dias. No dia 6 de outubro de 2019, um dia antes do primeiro turno das eleições, homens não identificados também atiraram contra os Guarani-Kaiowá.

No dia 5 de novembro de 2019, as retomadas Nhu-Vera Guasu e Aratikuty foram novamente atacadas, deixando um indígena ferido na primeira e barracos destruídos, conforme informou o CIMI.

Em 2016, a Polícia Federal prendeu cinco fazendeiros por acusação de atacar a tiros aos menos 50 índios Guarani-Kaiowá dentro da fazenda Yvu, em Caarapó, no sudoeste do Mato Grosso do Sul. No ataque, que aconteceu em 14 de junho daquele ano, foi assassinado o indígena Clodiodi de Souza, 26 anos.

As retomadas Nhu-Vera e Aratikuty foram atacadas em setembro de 2019. Leia aqui.

Apoie o jornalismo independente da Amazônia Real

Para garantir a defesa da liberdade de imprensa e da liberdade de expressão, a agência não recebe recursos públicos, não recebe recursos de pessoas físicas ou jurídicas envolvidas com crime ambiental, trabalho escravo, violação dos direitos humanos e violência contra a mulher. É uma questão de coerência. Por isso, é muito importante as doações das leitoras e dos leitores para produzirmos mais reportagens sobre a realidade da Amazônia. Agradecemos o apoio de todas e todos.

Os textos, fotografias e vídeos produzidos pela equipe da agência Amazônia Real estão licenciados com uma Licença Creative Commons – Atribuição 4.0 Internacional e podem ser republicados na mídia, em livros didáticos e de literatura com o crédito do autor e da agência Amazônia Real. Fotografias cedidas ou produzidas por outros veículos e organizações não atendem a essa licença.

Reportagem Noticiosa

Sobre a matéria