Juarez Silva Jr.

Novas administrações, novas caras, velhos “ismos”

As viradas de governos e administrações públicas, em geral, estão atreladas às naturais “danças das cadeiras”. Os novos governantes e administradores gerais escolhem suas equipes de assessores diretos mais próximos e os responsáveis pelas áreas do primeiro escalão, não raro, […]

Posse de Sonia Guajajara como ministra dos Povos Indígenas e de Anielle Franco o Ministério da Igualdade Racial (Foto: @imatheusalves)

Por Juarez Silva Jr Publicado em: 27/01/2023 às 09:12

As viradas de governos e administrações públicas, em geral, estão atreladas às naturais “danças das cadeiras”. Os novos governantes e administradores gerais escolhem suas equipes de assessores diretos mais próximos e os responsáveis pelas áreas do primeiro escalão, não raro, também partem do segundo escalão. Os do primeiro então complementam o segundo, os quais por sua vez escolhem o terceiro e parte do quarto ou quinto escalão, geralmente os chefes e subchefes técnicos das áreas fim.

Todas essas escolhas seguem um intrincado “xadrez” de preferências pessoais, acomodações “políticas”, afirmações temáticas, antiguidades, necessidades técnicas, enfim. Não deixando também de atender interesses outros, menos “públicos” e mais particulares, bem como, realizando resistências e exclusões da mesma forma.

A ideia da gestão por competências, tão comum no meio privado, no público até aparece de forma mais evidente ou não, caso possa haver o “match perfeito” formação específica X cargo, ótimo, senão impera a afinidade. A “flexibilidade” é muito maior no público, ao menos nos dois ou três primeiros escalões, cujo nível é bem menos “tarefeiro técnico” e mais consultivo, deliberativo e coordenatório.

E é aí que essa flexibilidade, gera críticas e resistências de forma enviesada, tendenciosa, assimétrica, também conhecida por seletiva.

Alguns elementos estruturais/culturais entram em cena por meio de velhos “ismos”, como sexismo, racismo, homofobismo, xenofobismo, regionalismo, corporativismo, classismo, etarismo, partidarismo.

Cabe destacar que, notadamente o racismo e o corporativismo, em geral velados mas nem sempre, são de longe os principais motores das críticas e rejeições. Já foi o tempo em que ser mulher era um total “problemão” para a mobilidade social e protagonismos em carreira e cargos públicos, para outros recortes de estigmatização ainda sim.

Quando o corporativismo se une ao racismo estrutural a coisa complica ainda mais.

Quando falo em corporativismo me refiro parcialmente ao seguinte: “Podemos definir como corporativismo profissional as práticas corporativas que acontecem dentro da empresa. Se por um lado temos o exemplo das construções de sindicatos. Por outro podemos destacar a criação de grupos (com ou sem ética), que tem a finalidade de defender interesses de um grupo. Isso pode acontecer com base em cargos exercidos, distinção de gênero, cor ou outros detalhes dos participantes.” (IPRCBRASIL,2022)

Substituindo “empresas” por “instituições” ou “órgãos”, termos que internamente, mas também de forma geral, existe um pensamento classista profissional que permeia grupos, com relação a cargos e ao perfil que se destinam, e que a cor/origem, por exemplo, pode estar sim, e histórica e estatisticamente está, entres os critérios de tais interesses.

Isso significa que a ideia de “reserva profissional” passa não apenas pela formação dos criticados, mas também outros fatores subjetivos.

Ocorre que, se nos três primeiros escalões citados, até importa algo a compatibilidade da formação profissional com os cargos, essa não tem valor maior que a das condições gerais de afinidade com a área, liderança e tino deliberativo. Daí que diferentemente do pessoal técnico, que planeja as ações fim, e as executa e operacionaliza, essa vinculação formativa direta seria uma arbitrariedade.

Um exemplo: precisa ser médico para ser ministro ou secretário da saúde ? Ou mesmo ser profissional de saúde? Obviamente que não, e a história dos titulares dos ministérios e secretarias prova isso. A mesma lógica para as demais pastas de primeiro escalão ou os cargos de segundo e terceiro em qualquer administração pública. Já que não se trata de exercício profissional direto, mas exercício “político” ou de gestão maior, muito menos se enquadram nos limites das regulamentações profissionais.

Se atente para que, ao contrário da magistratura de carreira, para ser magistrado do Supremo Tribunal Federal (uma condição antes de tudo política), apesar de comum aos membros, não é exigida formação em Direito.

O que vemos por aí nas críticas e rejeições à determinados nomes em determinados cargos, tem muito mais de velhos “ismos” e ilusões de reservas arbitrárias, não existentes, que plausabilidades. Até as palavras usadas nas argumentações, como “lacração” (muito atribuída em questões relacionadas a afirmações identitárias) “traem” e expõem os verdadeiros motivos da rejeição, o entendimento de que quem está ali, só está por uma “afirmação lacradora” (racial), não por méritos ou possibilidade normal.

O interessante é que seletivamente, em alguns casos de “não formação específica”, não ocorre minimamente o questionamento formacional por anos, mas em outros, basta a cara aparecer ou a “formação X” não esperadas, para começar.

Para concluir, um pouco de poesia oitocentista “O emparedado” :

“Não! Não! Não! Não transporás os pórticos milenários da vasta edificação do mundo, porque atrás de ti e adiante de ti não sei quantas gerações foram acumulando, pedra sobre pedra, pedra sobre pedra, que para aí estás agora o verdadeiro emparedado de uma raça.[..] Mais pedras, mais pedras! E as estranhas paredes hão de subir longas, negras, terríficas! Hão de subir, subir, subir, mudas, silenciosas, até as Estrelas, deixando-te para sempre perdidamente alucinado e emparedado dentro do teu Sonho…” (CRUZ E SOUSA)

#mudabrasil

A imagem que abre este artigo mostra pessoas convidadas para a cerimônia de posse de Sonia Guajajara como ministra dos Povos Indígenas e de Anielle Franco o Ministério da Igualdade Racial (Foto: @imatheusalves)

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Sobre a matéria

Juarez Silva Jr

Juarez Silva Jr. é um ativista, escrevinhador digital e apaixonado pela Amazônia, radicado em Manaus desde 1991. Tem graduação em Processamento de Dados pela Universidade de Taubaté, em São Paulo. Trabalhou e lecionou diretamente na área de tecnologia da informação por duas décadas, migrando para a área de Educação a Distância na qual é especialista pela Universidade Católica de Brasília. Também é Mestre em História pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam). Atua nos movimentos de negritude e é estudioso da temática e história das relações raciais e cultura afrobrasileira e africana, movimentos sociais e Direitos Humanos. Foi conselheiro estadual de Direitos Humanos e é servidor público de carreira. Escreve sobre tecnologia, história, relações raciais, atualidades, sociedade e cultura.