Política

Prefeito de Humaitá e vereadores são presos por envolvimento em ataque a prédios do Ibama e ICMBIo

Por Elaíze Farias Publicado em: 27/03/2018 às 20:31

Operação da PF investigou ataques de garimpeiros e políticos, que revidaram ação de combate a garimpo ilegal no rio Madeira (Foto: Divulgação/PF)

A Polícia Federal prendeu nesta terça-feira (27) o prefeito, Herivâneo Seixas, e o vice-prefeito do município de Humaitá (no sul do Amazonas), Rademarque Chaves, por envolvimento nos ataques e incêndios aos prédios do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) ocorrido no dia 27 de outubro do ano passado.

Os ataques aconteceram em represália à operação de combate a garimpo ilegal no rio Madeira, chamada de Ouro Fino, realizada no dia 24 de outubro. A casa de um dos funcionários do Ibama também foi alvo da fúria dos manifestantes e atacada com pedras e fogos de artifícios, conforme laudo da PF. Dezessete veículos também foram destruídos pelo incêndio.

Herivâneo Seixas (PROS) e Radequarque Chaves (PSD) já vinham sendo investigados pela PF desde que fotos e vídeos foram divulgados nas redes sociais, mostrando os dois políticos participando do protesto dos garimpeiros que resultou no ataque aos prédios dos órgãos federais.

Outro político preso pela PF é o vereador e presidente da Câmara de Humaitá, Antônio Carlos de Almeida, conhecido como Totinha, que aparece ao lado do prefeito caminhando durante o protesto dos manifestantes (garimpeiros, motociclistas e populares).

A Operação da Polícia Federal, batizada de Lex Talionis (Lei do Talião) realizou, no total, 15 mandados de busca e apreensão e 13 mandados de prisão temporária. Três pessoas estão foragidas, segundo a PF. Um deles é o vereador Raimundo Cruz.

À Amazônia Real, a assessoria de imprensa da superintendência da PF em Rondônia disse que os presos seriam encaminhados ao Presídio Urso Panda ainda nesta terça-feira.

O superintendente da PF em Rondônia, Caio Rodrigo Pellim, disse durante coletiva à imprensa nesta terça-feira, em Porto Velho, que, além dos “enormes danos materiais”, o ataque contra os prédios do Ibama, do ICMBIo e do Incra e aos servidores foi uma “postura de atentado contra o Estado brasileiro”. Ele destacou a grandiosidade do prejuízo ao patrimônio federal, superior a R$ 1 milhão contra os cofres públicos.

“Havia uma grande quantidade de pessoas envolvidas com garimpo ilegal. O Ibama vinha realizando com a Marinha e o ICMBio uma ação muito forte ao garimpo ilegal na região, que causava danos ao rio Madeira e explorava bens minerais pertencentes à União. Em razão disso, as pessoas reagiram de forma ilegal e criminosa. Destruíram o patrimônio público da União”, disse.

Durante as investigações, foram identificados envolvimentos de agentes públicos e políticos que, segundo o superintendente da PF em Rondônia, “influenciaram e participaram de forma imediata nesse atentado contra as instalações (dos prédios)”.

“O prefeito (de Humaitá) e outros cinco vereadores foram investigados. Quatro deles estão presos. Essa é uma demonstração de força do Estado brasileiro contra aqueles que ousam reagir a uma ação legítima de uma fiscalização e proteger bens da União e patrimônio ambiental”, afirmou Caio Rodrigo Pellim.

Prédios destruídos e prejuízos ao patrimônio

Prédio do Ibama incendiado em Humaitá (Foto: Reprodução do Facebook)

Segundo laudo da perícia da PF, ao qual a Amazônia Real teve acesso, somente no prédio do Ibama, foram identificados 10 focos de incêndios, iniciados com combustíveis líquidos. A perícia constatou que o prédio foi totalmente destruído em razão do incêndio, da derrubada proposital das árvores sobre o prédio e da demolição de uma das paredes. Foram destruídos 14 veículos do órgão e materiais armazenados no depósito foram furtados. O total de prejuízo somente na sede do Ibama em Humaitá foi deR$ 680 mill

“O que restou do prédio encontrava-se condenado, existindo risco de desabamento. Todos os materiais internos do prédio consumidos pelo incêndio”, diz trecho do laudo.

A sede do ICMBio também foi inteiramente destruída, com dois focos de incêndio. O prejuízo para o órgão federal responsável pela proteção da biodiversidade foi de mais de R$ 334 mil. A sede do Incra também foi incendiado, tendo um prejuízo de R$ 84 mil. O Incra também teve dois carros incendiados.

Segundo a PF, os crimes investigados (associação criminosa e dano qualificado) preveem penas que somadas podem chegar a seis anos de prisão.

Amazonino apoiou garimpeiros e concedeu licenças

Marcelo Dutra, Geomario Sena e Amazonino Mendes. (Foto: Clóvis Miranda/Secom)

A reportagem não conseguiu falar com representantes do Prefeito de Humaitá e da Câmara Municipal do município para saber as providências que seriam tomadas sobre a prisão.

Em entrevista dada à Amazônia Real no dia 29 de outubro, dois dias após os ataques, Herivâneo Seixas negou que havia participado do protesto, apesar das imagens mostrarem o contrário do que ele falou. O prefeito disse que havia “sido chamado” e que “não podia correr” e que se afastou do protesto e da multidão antes dos incêndios.

“Me chamaram e fui para lá com eles. Era uma caminhada pacífica. Não apoiei (os ataques), só fui porque me chamaram”. Mas na sua avaliação, o Ibama teria fomentado a represália dos garimpeiros.

“O Ibama foi lá, queimou a balsa do pessoal, com família dentro, com tudo. Já estava apreendido, já estava multado, estava resolvido, no outro dia tomaram outra atitude. Não havia necessidade de queimar nada. O povo se revoltou. Se sentiu ofendido. Houve esse desentendimento, foi uma atitude desumana do Ibama”, disse, na ocasião.

No entanto, Herivâneo Seixas participou de uma reunião no dia 30 de outubro na sede do Ibama, em Manaus, para pressionar o órgão federal a liberar a atividade garimpeira no rio Madeira e suspender as ações de fiscalização nos garimpos. Ele estava acompanhado dos deputados estaduais Cabo Maciel (PR) e Abdala Fraxe (Podemos). Na reunião, participaram também os vereadores Manoel Domingos e Totinha.

Na mesma época, os políticos de Humaitá e de Manaus receberam apoio do governador Amazonino Mendes (PDT), que menos de dois meses após o ataque dos garimpeiros, decidiu legalizar a atividade no Madeira, apesar dos alertas e dos impactos ambientais e sociais divulgados por especialistas, concedendo Licenças de Operação Ambiental (LOAs) a duas cooperativas: Cooperativa dos Garimpeiros da Amazônia (Coogam) e Cooperativa dos Extrativistas Minerais Familiares de Manicoré (Cooefam).

A Coogam tem como fundador o garimpeiro Geomario Leitão de Sena. Ele é reincidente em crimes ambientais e réu em processo da Justiça Federal por formação de quadrilha, usurpação de bens da União, lavagem de dinheiro e extração ilegal de ouro em terra indígena no Mato Grosso

As licenças, concedidas em uma grande festa em Humaitá, com Amazonino Mendes presente, no dia 12 de dezembro, foram suspensas pela Justiça Federal do Amazonas, que acatou uma ação do Ministério Público Federal. O MPF também denunciou 25 garimpeiros por exploração de ouro no garimpo sem licença ambiental.

Procurada pela reportagem, a assessoria do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), órgão do governo responsável pela análise e concessão das licenças ambientais, não respondeu se o órgão entrou com recurso contra a decisão judicial.

Vazante pode atrair mais garimpo

Balsa de garimpo no rio Madeira. (Foto: Ibama)

Desde ação contra os órgãos do Ibama, IMCBio e Incra, as ações de fiscalização contra crimes ambientais e garimpo no sul do Amazonas, incluindo Humaitá, estão sendo realizadas de forma pontual, por diferentes equipes. O superintendente do Ibama no Amazonas, José Leland, disse à reportagem que no final de abril, o órgão federal vai voltar aos trabalhos de forma permanente num escritório da sede do Incra, em Humaitá. Ele disse que um convênio com a Aeronáutica será firmado para construir a nova sede do Ibama no município, mas sem data confirmada.

“Nós não paramos durante esse tempo. Estamos com pessoas por lá. Na região do Matupi, em Apuí, Humaitá. Combate a desmatamento, quebra de embargo. Nosso pessoal está indo rotativamente. Agora, estamos aguardando para ver como será a questão das licenças (de garimpo) que foram cassadas”, disse Leland.

O superintendente do Ibama no Amazonas afirmou que com a proximidade do período da vazante do rio Madeira (prevista para junho), é preciso ficar alerta à volta da atividade garimpeira na região.

“As licenças foram cassadas pela Justiça Federal, mas eles podem voltar, eles não estão nem aí para nada decisão judicial. Temos que ver quem tirá-los de lá, se o Estado do Amazonas ou a União”, afirmou Leland.

Segundo as investigações do Ibama, a operação Ouro Fino desestabilizou um negócio que movimentava cerca de R$ 672 milhões por ano com a extração ilegal de ouro no Rio Madeira.

Herivaneo Seixas (de mangas compridas) e vereador Totinha (de azul claro) caminham com a população que incendiou os prédios públicos (Imagens via Whatapp)

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Reportagem Noticiosa

Sobre a matéria

Elaíze Farias

Cofundadora da Agência Amazônia Real e editora de conteúdo. É referência em reportagens sobre povos originários, populações tradicionais, denúncias de violações de direitos territoriais e direitos humanos, crise climática, violências socioambientais e impactos de grandes empreendimentos na natureza e nas populações amazônicas. Entre as premiações recebidas, está o Prêmio Imprensa Embratel de 2013. Em 2021, foi homenageada no 16º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), junto com Kátia Brasil, também fundadora da Amazônia Real. Em 2022, recebeu o Prêmio Especial Vladimir Herzog. É jornalista formada pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM).