Política

Vozes que Não se Calam – Maria Goreth de Sousa defende a equidade no Maranhão

Trabalhadora rural, ela chamou outras mulheres para trabalhar dentro do sindicato em Cidelândia, antes um espaço só do homens (Foto: Arquivo pessoal) Maria Goreth Sousa de Oliveira, 33 anos, é a primeira mulher a presidir o Sindicato dos Trabalhadores Rurais […]

Goreth Sousa Oliveira (Reprodução Facebook))

Por Maria Fernanda Ribeiro Publicado em: 07/11/2019 às 17:53

Trabalhadora rural, ela chamou outras mulheres para trabalhar dentro do sindicato em Cidelândia, antes um espaço só do homens (Foto: Arquivo pessoal)

Maria Goreth Sousa de Oliveira, 33 anos, é a primeira mulher a presidir o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Cidelândia, um município de 14 mil habitantes do estado do Maranhão. Distante 612 quilômetros da capital São Luís, a cidade de população majoritariamente rural foi criada em 1994 e originou-se da extinta Companhia Industrial de Desenvolvimento da Amazônia (CIDA), que fazia a exploração de madeiras na região. Sendo a soja e o milho os principais produtos agrícolas do estado, o mandato de Goreth foi pautado pelo aprimoramento da agricultura familiar e na defesa e empoderamento das mulheres do campo. Enfrentou o machismo e o preconceito, mas não abriu mão da sua candidatura como muitos lhe propuseram. “No primeiro momento foi muito difícil porque infelizmente a gente vem de uma sociedade machista, mas não desisti”.

O mandato de Goreth já está em seu último ano e ela afirma que o preconceito por ser mulher veio junto com o cargo, como se a expectativa fosse maior devido ao gênero que ela ocupa. Ela acredita ainda que sua passagem pela entidade deixou a marca da união e do acolhimento com as mulheres do campo, assim como da igualdade e da paridade.

Goreth é a segunda entrevistada pela Amazônia Real na série Vozes que Não se Calam, que traz relatos de mulheres da floresta que se destacam pelos papéis que desempenham, sejam em suas comunidades ou de maneira mais abrangente. Confira os principais trechos da entrevista.

Novos espaços

Eu sou a atual presidente do sindicato dos trabalhadores rurais de Cidelândia, no Maranhão, e sou a primeira mulher a presidir a entidade. No primeiro momento foi muito difícil porque infelizmente a gente vem de uma sociedade machista e por eu ser uma jovem também enfrentei várias rejeições e por ser mulher também. Mas nem por isso eu desisti.

Fui chamada várias vezes para negociar a cabeça da chapa e foi onde eu disse: a cabeça da chapa é a única inegociável. Fiz isso porque era necessário, pois era um momento muito difícil e por aqui só passaram homens que comandaram.

Quando eu me elegi, meu primeiro ato foi trazer mais mulheres para dentro do sindicato. Então comecei a fazer esse trabalho de formiguinha e a diferença é que hoje já temos algumas associações de mulheres no município que o sindicato acompanha diariamente e isso não era feito antes.

Participei de movimentos feministas que me deram muita força e também me deu coragem porque eu vi a história de outras mulheres e desde então eu comecei a pensar “Por que não? Por que eu não sou capaz? ”, então foi onde disponibilizei meu nome para ser a presidenta do sindicato e venho fazendo o trabalho, que é, entre outros, de ampliar a presença de mulheres.

Representatividade política

Goreth (de vermelho) participando de reunião na Secretaria de Agricultura Familiar do Maranhão
(Foto: Mulheres na Amazônia)

A cara do sindicato já é outra nessa questão de organização e participação popular. Sou membro de outras entidades, principalmente de mulheres, para que todas estejam junto com a gente e faço questão disso. Agora estamos pensando também em uma representatividade política aqui no município, que ainda não sabemos quem é, mas que estará carimbado pelo movimento de mulheres. Creio que estamos no rumo certo. Posso dizer que me considero uma mulher guerreira. No próximo ano termino o meu mandato, mas deixei a minha marca.

Feminismo

Goreth Sousa Oliveira (Reprodução Facebook)

Me considero uma mulher feminista no aspecto de movimento, de política, de ideologias. Eu procuro ter o empoderamento na sociedade de que podemos ter nossa própria liberdade. Então, acho que essa é uma frente que desde quando eu me tornei presidente sempre quis mostrar para outras mulheres, de que temos essa capacidade e esse empoderamento de estar na sociedade e podemos disputar qualquer coisa em pé de igualdade porque somos mulheres e somos capazes.

Acredito que quando a gente se dedica a um certo trabalho você pode desenvolvê-lo, de uma forma até bem melhor do que os homens. A primeira coisa que fiz quando entrei no sindicato foi procurar as associações e abraçá-las para trabalharmos juntos. O objetivo era diagnosticar o que essas comunidades sofrem.

Para mim, o feminismo é um conjunto político. É uma sociedade de ideologias para que a gente consiga ocupar os espaços. E o empoderamento feminino é de libertação, para nos vermos livres coisas que nos afligem. Porque somos penalizadas por ser mulher, essa que é a verdade.

Tinha muito medo no começo porque era bem desafiador. Era como se eu estivesse sendo testada, por ser mulher e por ser mais jovem, porque até então o lugar da mulher no sindicato era para passar o cafezinho. Isso faz também com que achem que mulher é para isso e eu cheguei para fazer diferente. Direitos iguais. Se uma limpa, todo mundo tem que limpar. Hoje não, já temos esse voto de confiança, tem realmente feito a diferença.

Violência no campo

Marcha das Margaridas, em Brasilia (Foto: MM 2019)

No nosso caso as pessoas mais afetadas são as camponesas, pelo fato de os gestores empenharem tudo na cidade, que são os cartões-postais, então as comunidades rurais acabam esquecidas e somos um município que tem muitas zonas rurais, com 22 povoados e o mais distante fica a 70 km. E muita gente ainda acha que não tem violência no campo. No meu mandato sempre procurei ser referência para essas mulheres que sofrem essas violências, como a doméstica. Mulheres que sofrem essa violência me procuraram e eu ajudo com os meios legais, com um trabalho de acolhimento. A gente sabe que as mulheres do campo sofrem mais, talvez porque ficam lá, caladinha, mas isso a gente também consegue trabalhar quando vem o diagnóstico e fazemos todo o procedimento de acompanhamento.

E quando te digo que hoje o sindicato tem outra cara é justamente por isso. Temos agora uma Secretaria da Mulher que antes só era no papel e que hoje é atuante com o objetivo de fortalecer a mulher e trabalhamos com empoderamento, com a questão dos espaços que devem ser ocupados. Recentemente tivemos um encontro só de mulheres, que reuniu 40 pessoas, e com oficina de agroecologia para tirar um pouco do agrotóxico da nossa mesa. E falar de agroecologia numa região dominada pela soja não é tão fácil, é uma nova cultura, mas nós estamos tentando.

Enfrentamento ao sistema

Marcha das Margaridas em Brasília (Foto: Maria Fernanda Ribeiro/Amazônia Real)

Hoje somos em quatro mulheres e dois homens, mas o movimento sindical está discutindo a paridade. Mas no momento estamos em maioria. Isso é um desafio. E nessa questão do governo a gente está tendo muita dificuldade, uma delas é Medida Provisória 873/19 que altera a forma de cobrança das contribuições sindicais e que afetou os trabalhadores rurais, que não sabem se devem ser ou não sindicalizados. Então, a gente tem a bandeira de enfrentamento contra um sistema, que é um sistema perverso, posso garantir.

Fizemos um diagnóstico para encontrar onde estão os trabalhadores aqui do nosso município, o que eles fazem, qual o sonho que eles têm. Depois entramos em uma disputa para três anos de assistência técnica. Nosso município ganhou e agora temos esse trabalho de acompanhamento do Estado durante esses três anos e dá mais força para a gente porque as ações do governo federal nos afetam e muito porque é uma coisa que ninguém está entendendo direito o que está havendo no Brasil. É uma coisa que é espantosa, na verdade.

Medo

Marcha das Margaridas em Brasília
(Foto: Maria Fernanda Ribeiro/Amazônia Real)

Quando você faz uma coisa que gosta, não é tão difícil, então eu ajudo da melhor maneira e com conhecimentos que eu posso te dizer que, hoje, eu não sou a mesma Goreth que entrou no sindicato. Hoje eu tenho uma visão bem mais ampla, tanto no conhecimento, como na forma de me expressar. No começo eu tive medo porque eu ia assumir algo que gostava, mas sem a consciência, ainda inexperiente em como administrar aquele furacão que se tornaria minha vida. Os movimentos de mulheres me ajudaram porque vi outras mulheres com potencial e que venceram, como as quebradeiras de coco. Minha mãe é quebradeira. Aquilo me despertou, daí eu disse: eu vou, eu posso, eu acredito e esse é meu desafio. E assim entrei nessa barca maluca.

Não sou casada e acho que se fosse, nesse momento, já tinha perdido o marido porque eu me dediquei a esse trabalho. Tenho dois irmãos homens e minha mãe e no começo minha família não queria muito, acho que com medo de que acontecesse alguma coisa comigo. Não tem essa ideologia de estar no movimento, mas viram que era o que eu queria e pensaram que se não tinha jeito era melhor me apoiar do que deixar na mão e é minha base para permanecer nesse meio maluco. Sofro preconceitos, mas as pessoas queriam ver se eu ia fazer a diferença. Era muito mais expectativa produtor sem terra para produzir porque as terras estão arrendadas com a soja, então vamos produzir no espaço que a gente tem. Mas a gente tem essa aproximação com os agricultores e trabalhamos com a agricultura familiar.

Esta reportagem de Maria Fernanda Ribeiro faz parte da série Vozes que Não se Calam, que realiza entrevistas exclusivas com lideranças indígenas, quilombolas, ribeirinhas, trabalhadoras rurais, defensoras, entre outras mulheres, sobre temas como: lutas na defesa da igualdade de gênero; equidade de direitos; direitos humanos; feminismo; machismo e combate à violência e o feminicídio. Leia as reportagens da série:

Vozes que Não se Calam – Alessandra Korap Munduruku: “nossa luta é pelo território”

Vozes que Não se Calam – Évelin Hekeré: “a saída contra o preconceito são mulheres indígenas de resistência”

Vozes que Não se Calam – “No campo a cultura é patriarcal”, diz Maria de Lourdes do Nascimento

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Reportagem Noticiosa

Sobre a matéria

Maria Fernanda Ribeiro

Maria Fernanda Ribeiro é jornalista multimídia com foco nos povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos. Documento e compartilho histórias em reportagens, crônicas e vídeos. Viajei dois anos pela floresta amazônica munida apenas da minha mochila, uma câmera e um gravador para conhecer quem são as pessoas que habitam a floresta. Rodei por oito estados (só faltou o Tocantins entre os que compõe a Amazônia Legal), de barco, de carro e de avião. Isso foi entre 2016 e 2018 e, de lá para cá, reportar as vidas, os conflitos e os movimentos que permeiam as histórias dessas pessoas é o meu caminhar como jornalista. ([email protected])