Philip M. Fearnside

Amazônia e o Aquecimento Global: 10 – Mitigação

REDD A Amazônia não é apenas uma vítima do aquecimento global e uma fonte de emissões de gases de efeito estufa, mas também o palco de grandes iniciativas e controvérsias relacionadas à mitigação da mudança climática. “Mitigação” refere-se a esforços […]

Por Philip Martin Fearnside Publicado em: 04/02/2019 às 16:39

REDD

A Amazônia não é apenas uma vítima do aquecimento global e uma fonte de emissões de gases de efeito estufa, mas também o palco de grandes iniciativas e controvérsias relacionadas à mitigação da mudança climática. “Mitigação” refere-se a esforços para prevenir ou reduzir o aquecimento global, diferentemente de “adaptação”, que se refere a ajustes para diminuir os impactos do aumento da temperatura sem impedir o próprio aumento. O potencial de mitigação existe porque a Amazônia tem atualmente significativas emissões de gases de efeito estufa e um potencial de emissão muito maior se, por exemplo, as vastas áreas de floresta remanescente forem convertidas em pecuária e agricultura.

Esforços para evitar o desmatamento na Amazônia têm sido discutidos como um meio de reduzir as emissões de gases de efeito estufa (ver [1-4]). O que existe hoje são dois mercados para “REDD”, ou Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação [da floresta], ou REDD +, que adiciona a opção de aumentar os estoques de carbono florestal, por exemplo, plantando árvores. Uma opção é um mercado voluntário, onde os projetos podem vender benefícios de carbono, geralmente para empresas que podem alegar que seus produtos são “verdes” porque suas emissões foram compensadas. O outro mercado é o oficial sob a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC). Embora a inclusão de REDD + neste mercado tenha sido acordada, as negociações continuam sobre como isso funcionará. O mercado oficial tem o potencial de produzir crédito de carbono que é “fungível”, isto é, crédito representando reduções de emissões que podem ser usadas para satisfazer os compromissos assumidos na Convenção pelo país comprador. A proposta de REDD do Brasil é para doações a um fundo (o Fundo Amazônia) que não geraria crédito de carbono fungível [5].

As questões sobre se e como deve ser recompensada a redução das emissões florestais na Amazônia têm gerado uma grande quantidade de controvérsias em diferentes períodos no tempo [2, 6]. Os benefícios potenciais de um mecanismo institucional eficaz para recompensar esse serviço ambiental seriam vantajos para o clima, para o Brasil e para o povo da Amazônia [7, 8]. O modo como os benefícios são calculados tem muito mais efeito sobre os benefícios climáticos e as recompensas financeiras do que as incertezas físicas, tais como as que cercam as estimativas da biomassa florestal ou das taxas de desmatamento [9, 10].

Comunitários participam do plantio das áreas, desde o planejamento até a manutenção no Projeto de Carbono Neutro na RDS Uatumã (Foto: Eduardo Zappia/Idesam)

Um dos maiores problemas é que é fácil distorcer ou manipular a “linha de base”, contra a qual os projetos de carbono comparam as emissões reais para calcular os benefícios. A linha de base representa um cenário de referência hipotético (contrafactual) que representa o que aconteceria se o projeto de mitigação não tivesse ocorrido. O projeto Juma, que é o primeiro projeto voluntário de REDD a evitar o desmatamento na Amazônia, ilustra como a linha de base pode exagerar as reivindicações de emissões evitadas [11]. Outro projeto voluntário de REDD, o Projeto Carbono Florestal Suruí, ilustra como as linhas de base podem ser desenvolvidas sem esse tipo de viés [12].

Um problema adicional é o “vazamento”, ou os benefícios climáticos sendo prejudicados pela atividade emissora, como o desmatamento, simplesmente mudando para um local fora da área do projeto [13, 14]. O efeito que isso tem sobre os benefícios climáticos depende principalmente do valor atribuído ao tempo [15]. Isso também é verdade para a questão da “permanência”, ou quanto tempo o carbono da floresta é mantido fora da atmosfera. Existem meios para ajustar pela natureza temporária do carbono florestal [16]. Ajustes por incerteza também podem ser feitos, o que implica em tradeoffs importantes em termos de maximizar os benefícios climáticos [17].

Barragens

A barragem da Usina Hidrelétrica de Belo Monte no rio Xingu (Foto: Lilo Clareto/Amazônia Real)

A Amazônia está no centro de outro modo de mitigação altamente controverso: o crédito de carbono para represas hidrelétricas. As barragens brasileiras têm sido grandes recipientes de crédito do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, do Protocolo de Quioto. Infelizmente, as represas amazônicas têm significativas emissões de gases de efeito estufa, particularmente de metano [18]. Os regulamentos que regem o crédito de carbono para as barragens foram fortemente influenciados pelos interesses da energia hidrelétrica e exageraram muito os benefícios desses projetos [19]. Mais importante ainda, as barragens são construídas por razões não relacionadas à obtenção de créditos de carbono, e não são “adicionais” no espírito do Protocolo de Quioto. Já que essas represas seriam construídas de qualquer maneira sem o subsídio dos projetos de carbono, o crédito que elas geram permite que os países compradores emitam gases de efeito estufa sem uma compensação real para neutralizar seu impacto, contribuindo assim para um aquecimento global maior [20-22].[23]

Notas

[1] Fearnside, P.M. 1999. Forests and global warming mitigation in Brazil: Opportunities in the Brazilian forest sector for responses to global warming under the “Clean Development Mechanism. Biomass and Bioenergy 16(3): 171-189.

[2] Fearnside, P.M. 2001. Effects of land use and forest management on the carbon cycle in the Brazilian Amazon. Journal of Sustainable Forestry 12(1-2): 79-97.

[3] Fearnside, P.M. 2001. The potential of Brazil’s forest sector for mitigating global warming under the Kyoto Protocol. Mitigation and Adaptation Strategies for Global Change 6(3-4): 355-372.

[4] Fearnside, P.M. 2006. Mitigation of climatic change in the Amazon. p. 353-375 In: W.F. Laurance & C.A. Peres (eds.) Emerging Threats to Tropical Forests. University of Chicago Press, Chicago, Illinois, E.U.A. 563 p.

[5] Brasil, MMA (Ministério do Meio Ambiente). 2009. The Brazilian Redd Strategy. MMA, Brasília, DF. 29 p.

[6] Fearnside, P.M. 2012. Brazil’s Amazon forest in mitigating global warming: Unresolved controversies. Climate Policy 12(1): 70-81.

[7] Fearnside, P.M. 1997. Environmental services as a strategy for sustainable development in rural Amazonia. Ecological Economics 20(1): 53-70.

[8] Fearnside, P.M. 2008. Amazon forest maintenance as a source of environmental services. Anais da Academia Brasileira de Ciências 80(1): 101-114.

[9] Fearnside, P.M. 2012. The theoretical battlefield: Accounting for the climate benefits of maintaining Brazil’s Amazon forest. Carbon Management 3(2): 145-148.

[10] Fearnside, P.M. 2013. What is at stake for Brazilian Amazonia in the climate negotiations. Climatic Change 118(3): 509-519.

[11]Yanai, A.M.; P.M. Fearnside, P.M.L.A. Graça & E.M. Nogueira. 2012. Avoided deforestation in Brazilian Amazonia: Simulating the effect of the Juma Sustainable Development Reserve. Forest Ecology and Management 282: 78-91.

[12] Vitel, C.S.M.N., G.C. Carrero, M.C. Cenamo, M. Leroy, P.M.L.A. Graça & P.M. Fearnside. 2013. Land-use change modeling in a Brazilian indigenous reserve: Construction a reference scenario for the Suruí REDD project. Human Ecology 41(6): 807-826.

[13] Fearnside, P.M. 1995. Global warming response options in Brazil’s forest sector: Comparison of project-level costs and benefits. Biomass and Bioenergy 8(5): 309-322.

[14] Schlamadinger, B., Johns, T., Ciccarese, L., Braun, M., Sato, A., Senyaz, A., Stephens, P., Takahashi, M., Zhang, X. 2007. Options for including land use in a climate agreement post-2012: improving the Kyoto Protocol approach. Environmental Science & Policy 10: 295–305.

[15] Fearnside, P.M. 2009. Carbon benefits from Amazonian forest reserves: Leakage accounting and the value of time. Mitigation and Adaptation Strategies for Global Change 14(6): 557-567.

[16] Fearnside, P.M., D.A. Lashof & P. Moura-Costa. 2000. Accounting for time in mitigating global warming through land-use change and forestry. Mitigation and Adaptation Strategies for Global Change 5(3): 239-270.

[17] Fearnside, P.M. 2000. Uncertainty in land-use change and forestry sector mitigation options for global warming: Plantation silviculture versus avoided deforestation. Biomass and Bioenergy 18(6): 457-468.

[18] Fearnside, P.M. 2016. Greenhouse gas emissions from hydroelectric dams in tropical forests. p. 428-438 In: J. Lehr & J. Keeley (eds.) Alternative Energy and Shale Gas Encyclopedia. John Wiley & Sons Publishers, New York, E.U.A. 912 p.

[19] Fearnside, P.M. 2015. Emissions from tropical hydropower and the IPCC. Environmental Science & Policy 50: 225-239.

[20] Fearnside, P.M. 2013. What is at stake for Brazilian Amazonia in the climate negotiations. Climatic Change 118(3): 509-519.

[21] Fearnside, P.M. 2013. Credit for climate mitigation by Amazonian dams: Loopholes and impacts illustrated by Brazil’s Jirau Hydroelectric Project. Carbon Management 4(6): 681-696.

[22] Fearnside, P.M. 2015. Tropical hydropower in the Clean Development Mechanism: Brazil’s Santo Antônio Dam as an example of the need for change. Climatic Change 131(4): 575-589.

[23] As pesquisas do autor são financiadas exclusivamente por fontes acadêmicas: Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq: proc. 305880/2007-1; 5-575853/2008 304020/2010-9; 573810/2008-7), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM: proc. 708565) e Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA: PRJ15.125). Este trabalho foi apresentado no Fourth International Conference of Literature and Environment: II Biennial Conference of ASLE-Brasil “The Demise of Nature: Narratives of Water and Forests in the Anthropocene”, Universidade Federal do Amazonas, Manaus, 04-07 de junho de 2018.

A fotografia em destaque que abre este artigo é de autoria de Paulo Pereira/Greenpeace

Leia os artigos anteriores desta série:

Amazônia e o Aquecimento Global: 1 – Resumo da Série

Amazônia e o Aquecimento Global: 2 – Negadores do clima

Amazônia e o Aquecimento Global: 3 – Impactos na Amazônia

Amazônia e o Aquecimento Global 4 – O Relatório Suprimido

Amazônia e o Aquecimento Global: 5 – Secas

Amazônia e o Aquecimento Global: 6 – Mortalidade da Floresta

Amazônia e o Aquecimento Global: 7 – A Modelagem Está Correta?

Amazônia e o Aquecimento Global: 8 – Efeito Estufa Descontrolado

Amazônia e o Aquecimento Global: 9 – Ciclagem de Água

Philip Martin Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências e também coordena o INCT (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia) dos Serviços Ambientais da Amazônia. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 500 publicações científicas e mais de 200 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis aqui.

Reportagem Noticiosa

Sobre a matéria

Philip Martin Fearnside

É doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 600 publicações científicas e mais de 500 textos de divulgação de sua autoria que podem ser acessados aqui. https://philip.inpa.gov.br