Philip M. Fearnside

O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 4 – Detecção por satélite

Por Philip Martin Fearnside Publicado em: 26/10/2020 às 20:05

As taxas de desmatamento na Amazônia brasileira têm variado amplamente ao longo das décadas desde o início da construção da Rodovia Transamazônica (BR-230) em 1970, dando início à era “moderna” do desmatamento. Entre 1978 (o ano das imagens para o primeiro levantamento do satélite LANDSAT) e 1988 (o próximo levantamento completo), o desmatamento foi em média de 21.050 km²/ano (ver: [1]). Desde então, a cobertura anual está disponível, com a única exceção de 1993 [2]. Uma longa história de interferência política no programa de monitoramento [3] foi em grande parte superada, e o programa, conhecido como PRODES, atualmente tem uma transparência muito maior.

Algumas discrepâncias com outras estimativas de satélite ainda permanecem em aberto [4] enquanto outras estimativas do LANDSAT são altamente consistentes [5]. No entanto, o governo do Presidente Jair Bolsonaro, iniciado em janeiro de 2019, resultou em uma série de ameaças a este sistema, incluindo a negação da validade dos resultados do INPE [6] a destituição do diretor do INPE [7] a destituição de o chefe do setor de monitoramento [8] e um plano para implantar um sistema de monitoramento separado no Ministério do Meio Ambiente para substituir o monitoramento feito pelo INPE [9]

O PRODES usa imagens de satélite Landsat-TM (ou equivalente) com resolução de 30 m [2]. As imagens estão disponíveis gratuitamente no site do INPE, degradadas para a resolução de 60 m (http://www.obt.inpe.br). As imagens são tiradas na estação seca (agosto, exceto no extremo norte da região), e o “ano” dos dados se refere aproximadamente ao desmatamento entre 1º de agosto do ano anterior e 31 de julho do ano nominal. O limite inferior para detecção de áreas desmatadas é de 6,25 ha.

O INPE também possui um programa denominado “DETER” (Detecção de Desmatamento em Tempo Real), que começou em maio de 2004 coletando dados diários a partir de imagens MODIS com resolução máxima de 250 m [10, 11]. Isso detectava apenas clareiras de pelo menos 25 ha. Em agosto de 2015 o sistema DETER foi melhorado para detectar desmatamentos de 3 ha ou maior usando os satélites CBERS-4 (resolução 64 m) e IRS (resolução 56 m) (DETER-B). O sistema antigo (DETER-A) continuou funcionando em paralelo até ser desativado em 2017.

Um programa de monitoramento similar chamado “SAD” (Serviço de Alerta de Desmatamento) é administrado pelo Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (IMAZON), uma organização não governamental (ONG). SAD começou em 2008 usando dados MODIS, mas atualmente usa dados de vários satélites com resolução de 20-30 m e detecta desmatamento a partir de 1 ha [12]. Embora com metodologias diferentes, os resultados do programa DETER, do INPE, e do programa SAD, do IMAZON, coincidem bem.

Em dezembro de 2019 o INPE inaugurou um complemento ao sistema DETER chamado “DETER Intenso” [13]. Isto junta dados de vários satélites para produzir imagens de resolução muito maior, mas apenas para determinados locais de alta prioridade ao invés de ter cobertura para toda a Amazônia brasileira. Os dados são coletados em intervalos de 1 a 2 dias e detectam desmatamentos de apenas 1 ha. Atualmente são coletados em Anapú (PA), Apuí (AM), Candeias do Jamari (RO), Extrema (RO) e Altamira (PA).

DETER e SAD liberam dados mensais. É necessário cuidado ao tirar conclusões a partir de valores mensais, pois eles estão mais sujeitos a ter áreas significativas variações. Para os dados exclusivamente de sensores óticos, como MODIS e LANDSAT, cobertura de nuvens gera bastante variação. Embora afeta os dados PRODES, é minimizado neste caso por usar apenas imagens do pico da época seca. No caso de DETER-intenso e SAD, há dados de radar incluídos nos conjuntos de dados usados, o que minimiza esse problema de nuvens. Mais importante, as frequentes manchetes de jornal destacando que o desmatamento em um determinado mês é várias vezes maior ou menor do que no mesmo mês do ano anterior podem, muitas vezes, ser enganosas. Se o mês em questão estiver durante a estação seca, isso pode ser muito significativo, mas se o mês for durante a estação chuvosa, uma grande variação de um número próximo ao zero tem pouca importância, e o desmatamento detectado provavelmente será uma parte insignificante do desmatamento total anual.

Uma limitação importante dos dados sobre desmatamento é que a degradação florestal, como por corte e mortalidade de árvores por secas e incêndios, não é detectada ou contada a menos que tenha atingido a condição extrema de uma área aberta com apenas algumas árvores remanescentes espalhadas, aparecendo como apagado na imagem de satélite. A degradação extrema desse tipo é contabilizada como desmatamento por todos os programas mencionados acima.

Há uma longa luta sobre essa questão entre o INPE e o governo do estado de Mato Grosso, que insiste que essas áreas não são “desmatamento” porque não foram desmatadas deliberadamente. É provável que isso se torne ainda mais crítico se uma proposta de lei (PL4508 / 2016) for implementada para permitir a pecuária “sustentável” nas reservas legais [14]. A degradação é monitorada pelo IMAZON (por exemplo, [15]) e foi monitorada de 2007 a 2016 pelo programa DEGRAD do INPE [16]. O monitoramento de degradação continuou como parte do sistema DETER-B, com classes para cicatrizes de incêndios florestais, e exploração madeireira ordenada e desordenada [17].

As taxas de desmatamento sofreram grandes oscilações (Figura 2). Estas foram principalmente o resultado de mudanças macroeconômicas [18]. Esta revisão irá explicar alguns dos fatores envolvidos. [19]

Figura 2. Taxas anuais de desmatamento pelo sistema PRODES, do INPE. Os valores entre 1978 e 1988 e entre 1993 e 1994 são médias para esses intervalos, para os quais não existem dados anuais.

A imagem que ilustra este artigo é uma representação artística do satélite Landsat, a Landsat Data Continuity Mission (LDCM), que foi lançado em fevereiro de 2013. Crédito: NASA

Notas

[1] Fearnside, P.M. 1990. The rate and extent of deforestation in Brazilian Amazonia. Environmental Conservation 17(3): 213-226.

[2] INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). 2020. Projeto PRODES: Monitoramento da Floresta Amazônica Brasileira por Satélite. INPE, São José dos Campos, SP.

[3] Fearnside, P.M. 1997. Monitoring needs to transform Amazonian forest maintenance into a global warming mitigation option. Mitigation and Adaptation Strategies for Global Change 2(2-3): 285-302

[4] Fearnside, P.M. & R.I. Barbosa. 2004. Accelerating deforestation in Brazilian Amazonia: Towards answering open questions. Environmental Conservation 31(1): 7-10.

[5] Souza, Jr., C., J. Siqueira, M. Sales, A. Fonseca, J. Ribeiro, I. Numata, M. Cochrane, C. Barber, D. Roberts & J. Barlow. 2013. Ten-year Landsat classification of deforestation and forest degradation in the Brazilian Amazon. Remote Sensing 5(11): 5493–5513.

[6] Fearnside, P.M. 2019. Os números do desmatamento são reais apesar da negação do presidente Bolsonaro. Amazônia Real, 02 de agosto de 2019.

[7] Fearnside, P.M. 2019. Desmatamento na Amazônia: O Governo ataca o mensageiro. Amazônia Real, 05 de agosto de 2019.

[8] DW (Deutsche Welle). 2020. Governo Bolsonaro exonera chefe de monitoramento do Inpe. DW, 13 de julho de 2020.

[9] Weterman, D. & J. Linder. 2019. Governo vai adotar novo modelo de monitoramento de desmatamento, diz Salles. O Estado de São Paulo, 01 de agosto de 2019.

[10] INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). 2020. Sistema DETER. INPE, São José dos Campos, SP.

[11] Diniz, C.G., A.A.D.A. Souza, D.C. Santos, M.C. Dias, N.C. da Luz, D.R.V. de Moraes, J.S.A. Maia, A.R. Gomes, I.D.S. Narvaes, D.M. Valeriano, L.E. Maurano & M. Adami. 2015. DETER-B: The New Amazon Near Real-Time Deforestation Detection System. IEEE Journal of Selected Topics in Applied Earth Observations and Remote Sensing 8(7): 3619–3628.

[12] IMAZON (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia). 2019. Entenda o sistema de monitoramento de IMAZON. IMAZON, Belém, Pará.

[13] INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). 2020. DETER Intenso. INPE, São José dos Campos, SP.

[14] Câmara dos Deputados. 2020. PL 4508/2016 . Câmara dos Deputados, Brasília, DF.

[15] Cardoso, D., J. Ribeiro, R., Salomão A., Fonseca & C. Souza Jr. 2017. Degradação florestal no estado do Pará (agosto de 2015 a julho de 2016). Pará Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (IMAZON), Belém, Pará.

[16] INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). 2017. Sistema DEGRAD. INPE, São José dos Campos, SP. http://www.obt.inpe.br/degrad

[17] INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). 2019. DETER. INPE, São José dos Campos, SP.

[18] Fearnside, P.M. 2005. Deforestation in Brazilian Amazonia: History, rates and consequences. Conservation Biology 19(3):680-688.

[19] Esta série é uma tradução atualizada de: Fearnside, P.M. 2017. Deforestation of the Brazilian Amazon. In: H. Shugart (ed.) Oxford Research Encyclopedia of Environmental Science. Oxford University Press, New York, EUA.

Leia os outros artigos da série:

O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 1 – Resumo da série

O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 2 – O que é desmatamento?

O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 3 – Por que o desmatamento é importante?

Reportagem Noticiosa

Sobre a matéria

Philip Martin Fearnside

É doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 600 publicações científicas e mais de 500 textos de divulgação de sua autoria que podem ser acessados aqui. https://philip.inpa.gov.br