Eliane Brum e o Brasil construtor de ruínas

Por Elvira Eliza França Publicado em: 17/12/2019 às 18:59

Manaus (AM) – A jornalista e documentarista Eliane Brum participou de um bate-papo com os leitores no lançamento de seu novo livro “Brasil: construtor de ruínas – um olhar sobre o país de Lula a Bolsonaro”, editado pela Arquipélago Editorial, na capital amazonense. A noite de autógrafos aconteceu no dia 9 de dezembro, durante a “maratona” de lançamentos de escritores, promovida pelo coordenador da Banca do Largo, o livreiro Joaquim Melo. O bate papo com Eliane Brum contou com a mediação da jornalista Kátia Brasil, editora-executiva da agência de jornalismo independente Amazônia Real. O escritor Milton Hatoum, que também lançou novo livro na “maratona”, participou do evento da jornalista.

Inicialmente, ao se dirigir aos leitores, Eliane Brum fez uma saudação à memória da vereadora Marielle Franco (PSOL), assassinada junto com o motorista Anderson Gomes em 14 de março de 2018, no Rio de Janeiro. Para simbolizar o ato, a feminista e professora Andrea Costa cobriu uma mesa, na qual a escritora daria os autógrafos, com um pano contendo a imagem da vereadora.

Eliane então expressou com voz firme e em volume alto: “Marielle Presente!”; fazendo ecoar sua voz naquela noite no Largo São Sebastião.

A jornalista Eliane Brum lança “Brasil, construtor de ruínas”, em Manaus
(Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)

No evento foi lançada a ideia da campanha pelo tombamento da banca como patrimônio cultural de Manaus. Ao falar sobre aquele local, no contexto da Banca do Largo, Eliane Brum expressou alegria e gratidão por estar novamente num local que a faz se lembrar da livraria da Lili, em Ijuí – cidade na qual nasceu no Rio Grande do Sul –, frequentada por ela, assiduamente, na infância:

“Essa banca ela é, para mim, na minha alma, ela já é tombada. Desde que eu entrei aqui, pela primeira vez, tive uma experiência com o corpo. As livrarias têm isso, acho que eu não estaria viva se não fossem os livros. Os livros me deram a possibilidade de viver. Os meus pais, que eram professores, trabalhavam muito e ganhavam pouco, mas mesmo assim, na minha casa, se tinha algum dinheiro que sobrava da comida, era para comprar os livros. Teve um momento que eu lia muito mais do que os livros que existiam. Então, eu tive um grande encontro, quando eu tinha 8 anos por aí, com uma moça que trabalhava na única livraria da minha cidade Ijuí, que era a Lili, uma alemã. Ela falava pouco, mas ela foi percebendo que eu ia para a livraria e ficava lendo escondida nos cantinhos. Ela deixava. Um dia ela botou uma escada. Só isso. Com essa escada eu pude alcançar os livros mais altos (na estante). Para mim era como alcançar a Lua. Então, quando cheguei aqui nessa Banca do Joaquim, que é a melhor livraria da Amazônia, um lugar que cabe a Amazônia inteira, ou seja, é um mistério essa livraria, eu já era velha, mas tive essa a mesma experiência quando a Lili botou a escada para eu alcançar os livros. Então estar nessa Banca é como estar na caverna de Ali Babá”.

O centro do mundo

A jornalista Eliane Brum na “maratona” da Banca do Largo, em Manaus
(Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)

Eliane Brum relatou aos presentes, na noite de autógrafos, sua participação como uma das coordenadoras do evento que aconteceu no mês de novembro, em Altamira, na Terra do Meio, no Pará, denominado “Amazônia Centro do Mundo” .

O referido evento trouxe cientistas, ativista e líderes de movimentos ambientais de vários lugares do mundo e do país para conversar com lideranças indígenas, ribeirinhas e quilombolas. Num esforço conjunto, as pessoas discutiram com a juventude e propuseram alternativas para superar a crise emergencial do clima no mundo. A partir da consciência do que está já está ocorrendo na Amazônia, será possível reverter o discurso verbal que geralmente é feito no exterior sobre meio ambiente, para que seja possível atravessar muros e quebrar barreiras para os fatos reais que podem ser constatados em nosso território, em termos de danos ambientais e violação de direitos humanos, principalmente na Amazônia.

Foi a partir desses encontros que foram definidas estratégias viáveis para imaginar como é possível um futuro mais promissor para o Brasil e os demais países do planeta, superando a crise climática. Eliane então leu o manifesto que foi escrito a muitas mãos, no momento em que encerrava sua fala e antes de responder às questões de alguns participantes.

Para Eliane, transferir o centro do mundo para a Amazônia tem a ver com a sobrevivência da floresta e dos povos que nela vivem, o que significa assegurar, também, a sobrevivência da humanidade. Disse que a maioria da população está vivendo a crise climática como se estivesse navegando em um barco de papel, enquanto uma minoria que tem iates e irá sobreviver à crise, não quer saber de discutir essa questão. Então, a maior parte da população, principalmente a mais pobre, já está sendo sacrificada, porque a democracia do país é muito frágil, causada pela desmemória, pelo esquecimento do que aconteceu no passado e que continua acontecendo na política do país.

Nesse sentido, Eliane aborda, no início do livro ““Brasil: construtor de ruínas – um olhar sobre o país de Lula a Bolsonaro”, a construção da hidrelétrica de Belo Monte, obra iniciada no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e inaugurada no governo de Dilma Rousseff, e que foi reinaugurada no dia 27 de novembro de 2019 pelo presidente Jair Bolsonaro. É uma construção gigantesca, que viola direitos ambientais e direitos humanos dos ribeirinhos, que foram obrigados a assinar documentos sem sequer saber ler. Essa construção está sendo realizada com a repressão da Força Nacional, que impõe a vontade do governo desde quando Lula era presidente, reprimindo as manifestações dos trabalhadores e colocando a Agência Brasileira de Investigação (ABIN) para espionar e incriminar pessoas.

Como jornalista que acompanha Belo Monte desde o início, Eliane Brum critica o ex-presidente Lula que deu início à obra, e depois a sua substituta no governo, Dilma Rousseff, que deu continuidade e inaugurou o que havia sido decidido anteriormente pelo governo militar. Agora, a Belo Monte somam-se os projetos do Jirau e de Santo Antônio – do PT – ao projeto do Tapajós, que estava parado, e que foi retomado pelo presidente Jair Messias Bolsonaro, em 2019.

Essa forma de depredar a floresta, segundo Eliane Brum, é causada pela visão política de que a Amazônia é uma terra sem homens, um lugar onde vivem homens sem-terra, uma visão herdada dos governos da ditadura militar. Tal visão continua se reatualizando pelos governos do período de democratização até o presente momento. Por isso, a população de Belo Monte denomina o empreendimento de Belo Golpe ou Belo Monstro, devido aos danos ambientais que está causando, descumprindo as leis ambientais que foram criadas para proteger a natureza do país e a população que nela vive e depende para sobreviver.

Eliane contou que começou a pensar na produção do livro “Brasil: construtor de ruínas – um olhar sobre o país de Lula a Bolsonaro” inspirada na peça de teatro de Felipe Hirsch “A tragédia e a comédia latino-americana”, que expressa melhor o momento atual do país: “O Brasil é um grande construtor de ruínas. O Brasil constrói ruínas em dimensões continentais” (p. 116). Esse foi o sentimento que teve enquanto assistia, ao vivo, pela televisão, os deputados em Brasília, votando pelo impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff, em 2016.

Relata que sentiu vergonha, perante a imprensa internacional, diante do espetáculo circense das falas dos deputados, muitos deles processados por corrupção. “Vozes se erguem para acusar Dilma Rousseff de expor o Brasil no ‘exterior”, prejudicando a imagem do país, reduzindo-o a uma “republiqueta de bananas” (p. 116). Mas para Eliane, a guerra verdadeira estava no território dos narradores, em grande parte na imprensa nacional, sendo que o olhar do outro, da imprensa internacional, foi que decifrou, com espanto, o que estava acontecendo no país.

Em 2018, Eliane escreveu um ensaio para uma revista alemã e vários amigos que o leram disseram que era muito esclarecedor para a compreensão do atual momento do país. Então, ela pensou em escrever um mini book. Só que as informações foram sendo acrescidas, e o livro acabou sendo concluído com 300 páginas. Seu objetivo é ajudar aos leitores a compreender o momento presente do país e inspirá-los na construção do futuro.

“Busco interpretar neste livro as duas primeiras décadas do século 21. Ou o que considero mais significativo neste período em que nos amamos tanto para em seguida nos odiarmos tanto” (p.10). A proposta da autora é pensar juntos sobre o país, percebendo as conexões entre os fatos e tecendo relações para “iluminar os desvãos” do labirinto chamado Brasil.

A autoverdade

A jornalista Eliane Brum lança “Brasil, construtor de ruínas” na Banca do Largo
(Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)

Para Eliane, o governo brasileiro cria situações em que a população vive sob espasmos diários. A perda crescente dos direitos conquistados historicamente vem demonstrando que o poder instituído é mais um desgoverno do que um governo, quando um presidente marginaliza e desqualifica a imprensa e fortalece a comunicação direta com a população por meio das redes sociais, distorcendo fatos, fazendo acusações injustas e declarações indevidas.

Esse é um processo que transformou a verdade em autoverdade – aquela que o presidente diz que é e acabou –, criando um clima de ódio no país, a partir de um discurso preconceituoso, que faz discriminação racial, que é homofóbico, que defende o linchamento, e que ganha ligeireza nas redes sociais. Com isso, “os que não ousavam proclamar seu ódio cara a cara sentiram-se fortalecidos ao descobrirem-se legião. Finalmente podiam ‘dizer tudo’. E dizer tudo passou a ser confundido com autenticidade, liberdade e – a perversão maior – com a ‘verdade’” (p. 223).

“O bolsonarismo ocupa todos os papéis, inclusive o de simular oposição e crítica, destruindo e interditando a democracia. Ao ditar o ritmo e o conteúdo dos dias, converteu um país inteiro em refém” (p. 259). Por isso, a população sofre de uma “paralisia do refém” (p. 297), que cria pavor, devido à perversidade com que as questões da nação têm sido tratadas. Daí o fato de as pessoas se sentirem como se vivessem em um afogamento constante, com dificuldade de respirar entre um fato político e outro.

“Compreender como o discurso de ódio vai se infiltrando na mente de quem acredita estar se contrapondo ao ódio é eticamente obrigatório. Se o governo de Bolsonaro é também oposição e crítica ao próprio governo, isso não significa que ele não tenha um projeto e que este projeto não esteja se impondo rapidamente ao país. Tem e está. Somos hoje um país muito pior do que fomos. E somos hoje um povo muito pior do que fomos. Parte do objetivo dos violentos e dos odiadores é normalizar a violência e o ódio pela repetição. O bolsonarismo tem conseguido realizar esse projeto com velocidade” (p. 295).

Eliane relembra como o então deputado Jair Bolsonaro, ao votar pelo impeachment de Dilma Rousseff, sadicamente fez a apologia ao reconhecido do torturador da ditadura militar, Carlos Alberto Brilhante Ustra, torturador de Dilma e de outras mulheres na prisão, como Amélia Teles. Foi um ato compactuado pelas instituições e tolerado até o presente momento, segundo Eliane, porque agora o presidente eleito pelo povo continua evocando a memória do torturador, trazendo de volta o passado da ditadura.

“Esse é o homem [Ustra] que inspira Bolsonaro e cujo rosto foi estampado em camisetas exibidas por seus filhos e seguidores durante a campanha eleitoral, sem que o Judiciário achasse que fosse um problema” (p. 211). Usando as palavras do ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Ayres Brito – “Não se pode ter condescendência com torturador. A humanidade tem o dever de odiar seus defensores porque o perdão coletivo é falta de memória e de vergonha” (p.142) –, Eliane repudia essa apologia à tortura, que vem incentivando atos de violência no país.

A autora disse que a sequência de atos que violam a democracia é grande e não começou no governo atual. Contudo, identifica o assassinato da vereadora carioca Marielle Franco como um passo sobre o vão do abismo. Foi sua indignação com o assassinato dela e de outros líderes de movimentos negro e indígena, ou de jovens da periferia, que crescem a cada dia, que a motivaram a escrever para dar vazão ao que vem sentindo no país nestes últimos 20, dos seus 30 anos como jornalista.

“Matar uma vereadora eleita a tiros era um passo além na violência extrema de um país que convive com o genocídio de jovens negros, que convive com o genocídio de indígenas, como se fosse possível conviver com genocídios sem corromper além do possível aquilo que chamamos de alma” (p. 214-5).

Como repórter da revista Época, Eliane cobriu a campanha vitoriosa de Lula em 2002, fazendo relatos subjetivos sobre sua família, e depois acompanhou os governos de Dilma, Temer e agora o de Bolsonaro. Em 2019, também passou a escrever para o jornal El País e às vezes também escreve para o The Guardian e outros jornais e revistas europeus. É uma das jornalistas mais premiadas do Brasil.

Desde o início da primeira década do século XXI, Eliane viajou para todos os estados brasileiros para produzir suas reportagens, mas foi a partir de 2011 que passou a acompanhar mais diretamente os acontecimentos na Amazônia, especialmente em Belo Monte, no Pará. Com suas reportagens, deu voz às famílias dos habitantes que eram prejudicados com a construção da hidrelétrica, uma obra que desrespeitava a lei ambiental, por decisão e vontade do então presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva. Para Eliane, o desrespeito à legislação ambiental fez com que a lei perdesse sua função no país, num processo que continua até hoje em outras circunstâncias e com outros governantes.

No livro, Eliane Brum cita as palavras da procuradora da República Thais Santi, entrevistada por ela no final de 2014, que dizia ser a construção da hidrelétrica de Belo Monte uma escolha governamental, “como se o governo pudesse optar entre respeitar ou não as regras do licenciamento ambiental” (p.75). Nesse sentido, foi a partir de Belo Monte, iniciado no governo de Lula, que o direito deixou de impor limites, e o país se tornou um “mundo do tudo é possível”. Nesse sentido, Eliane é contundente na crítica aos governantes do Partido dos Trabalhadores (PT), ao falar sobre Belo Monte e outros atos de governo.

Segundo as palavras da procuradora Thais na época, “É como se a lei estivesse suspensa. O Poder Judiciário está confundindo legitimidade com legalidade. Política se sustenta na legitimidade e, feita uma opção, o respeito à lei não é mais uma escolha, não é opcional. E aqui virou. Quem então vai dizer para o empreendedor o que tem que fazer? Quando afirmo que a lei está suspensa, ou seja, as regras, os compromissos, as obrigações do licenciamento, eu pensava no Estado de Exceção. Eu entendo que essa realidade que eu descrevo é a realidade de um Estado de Exceção” (p.75-6).

É por isso que Eliane quis escrever o livro “Brasil: construtor de ruínas”, para recuperar aspectos da história do país que ajudem os leitores a compreender como os fatos foram se desenrolando a partir daí, para ter chegado ao que é hoje. Sua intenção é ajudar as pessoas a compreenderem os porquês de estarem vivendo a ruína de uma democracia deformada, que tem um histórico mais antigo ainda: na ditadura militar. Para ela, assim como para outros críticos do governo, o Estado brasileiro tem tratado a população, principalmente as camadas mais pobres, especialmente indígenas, negros e pessoas da periferia das grandes cidades, sem considerar o que está previsto na Constituição e desrespeitando e reduzindo direitos conquistados historicamente.

O autoritarismo

Sem relacionar os dados do presente com o passado, a população vem aceitando as decisões governamentais com tolerância, como se estivesse paralisada pelo medo. Eliane atribui isso ao fato de o país não ter uma memória dos crimes cometidos durante a ditadura militar, e de não terem sido aplicadas as devidas punições aos criminosos, durante o processo de redemocratização. Esse fato, no entanto, vem contribuindo para o avanço da escalada autoritária do país, inclusive com pessoas pedindo a volta dos militares no poder e sofrendo ameaças do retorno do Ato Institucional – AI-5, que passou a governar o país, a partir do general Costa e Silva, em 1968.

Para reaquecer a memória de quem viveu na época e informar a juventude que nasceu depois, é importante lembrar que o AI-5 suspendeu os direitos dos cidadãos, com a cassação de mandatos de políticos que se pronunciavam contra o governo militar. Esse ato institucional também impôs a censura aos meios de comunicação e às manifestações culturais e artísticas, como produção de livros, peças de teatro, músicas, exposições de arte, cinema, etc. Além das demissões de civis e militares que eram contra o governo, as pessoas eram perseguidas, e tinham seus bens confiscados. Escolas eram fechadas, professores e estudantes universitários e secundaristas eram presos sem mandato judicial, assim como operários, trabalhadores, artistas, intelectuais, políticos etc. Foi uma época em que a polícia armada podia perseguir, espancar, prender e até matar pessoas, sem que os crimes fossem apurados pela justiça, porque ela estava nas mãos de quem mandava, inclusive, cometer os crimes.

Eliane diz que o Brasil já está vivendo o AI-5 nas periferias e também na Amazônia, com medidas autoritárias e disseminação da violência contra lideranças indígenas e negras, assim como de jovens nas periferias das cidades, como aconteceu recentemente com o assassinato dos jovens em Paraisópolis, no Rio de Janeiro, que estavam numa festa dançando e foram surpreendidos por policiais armados. A jornalista lembrou, ainda, o assassinato da vereadora carioca Marielle Franco, assim como do taxista Marcio Rodrigues dos Reis em Anapu, a duas horas de Altamira, no Pará. Ele era a principal testemunha de defesa do padre José Amaro Lopes de Sousa em um conflito de terra. Amaro substituiu, na coordenação da Comissão Pastoral da Terra (CPT) a missionária norte-americana Dorothy Stang, assassinada brutalmente em Anapu, em 2005.

Para a jornalista, as prisões arbitrárias de brigadistas de incêndio em Alter do Chão, distrito de Santarém, também resultam desse clima de exceção, num governo que acusa de comunista todos os que se pronunciam contra o governo, e responsabiliza Organizações Não Governamentais (ONGs) que defendem a floresta de serem responsáveis pelos incêndios e outros danos ambientais na Amazônia.

Essa escalada autoritária, segundo Eliana, tem o apoio de uma minoria da população, e também é reforçada pelo silêncio, pela tolerância e omissão da grande maioria da população que parece estar com amnésia, acerca do que é viver sob o autoritarismo de uma ditadura. Nesse sentido, ela também alega que o Poder Judiciário tem sido tolerante com os crimes, e isso também favorece a escalada de violência e autoritarismo que parece estar sem controle no país.

Lembrando o que aconteceu na Alemanha, durante o nazismo, com toda a destruição que promoveu na Europa e no mundo, Eliane disse que os brasileiros terão que aprender a lidar com essa situação inédita de autoritarismo e de populismo de extrema-direita, que se apresenta na política de desgoverno do Brasil na atualidade. Por isso, a população que defende a democracia precisará enfrentar o desafio de vencer o medo, enfrentando a perversão (p. 288-293), a barbárie (p. 283-296) e a resistência (p. 296-7).

A autora enfatiza a importância de resgatar a linguagem, que corrompeu e perverteu o significado das palavras, com afirmações que demonstram o total desconhecimento científico, histórico e social. Ao fazer uso distorcido de conceitos como “comunismo”, aplicando-o a tudo o que é contra o governo, assim como “complô marxista”, o governo deseduca a população, negando uma realidade existente como a do aquecimento global, que está evidenciado cientificamente. Com isso, impede o diálogo, tão necessário à democracia, fazendo com que um problema que é também mundial, seja negligenciado pelo governo brasileiro.

“Eles repetem, repetem e repetem porque corromperam o voto que receberam ao usar a estrutura do Estado para produzir mentiras. É assim que os perversos enlouquecem a população inteira – e a submetem: repetindo que laranja é cadeira dia após dia. As palavras deixam de significar, a linguagem é rompida e corrompida e a conversa se torna impossível” (p. 297).

No livro, Eliana relembra que a arte tem um grande papel no processo de reverter essa situação, porque “A arte não é adereço. Ela tira as pessoas do lugar. Ela faz pensar. Ela questiona o poder. E ela junta os diferentes” (p. 300). Por isso, não é por acaso que o governo esteja restringindo os investimentos na arte e na cultura, alegando que é “pornográfica e pedófila”, e impondo censura a determinadas obras que se opõem ao que o governo atual institui como não sendo aceitáveis, desrespeitando a diversidade no pensar e no expressar-se.

A escrita

A jornalista Eliane Brum lança “Brasil, construtor de ruínas” em Manaus
(Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)

Durante o debate com as pessoas presentes, Eliane Brum disse, ainda, que para publicar suas reportagens, ela observa, apura e investiga tudo, e que por isso, no livro, explicita bem a trama de Belo Monte desde a fase inicial. Um outro tema do debate foi sobre a crise da verdade que ocorre no país, decorrente da crise da palavra que já não diz nada, pois se trata de uma racionalidade perversa, que interdita o debate, impedindo as pessoas de dizerem o que pensam, porque as palavras deixaram de fazer sentido. Por isso, ela diz que para superar a autoverdade, imposta pelo presidente atual, é necessário resgatar a base comum de linguagem para restaurar o diálogo, que caracteriza um país democrático.

Para Eliane, seu processo de escrita é um constante ato de checar e rechecar os dados, como forma de respeitar seus leitores, procurando apresentar a eles dados que estão em conformidade com o que acontece na realidade, a partir da visão de pessoas que fazem parte do processo político, mas não são ouvidas. Por isso, a realidade sobre a qual ela escreve diz respeito não apenas ao que o governo pensa e faz, mas às consequências que as decisões têm na vida das pessoas que sofrem os impactos das decisões políticas que são tomadas arbitrariamente, sem a consulta dos envolvidos que também são protagonistas da história.

Durante o debate, Eliane contou que aprendeu com o pai a combater injustiças e lembrou quando ele, um dos fundadores de uma faculdade comunitária em Ijuí (RS), foi injustiçado durante a ditadura, por um trabalho educacional que envolvia diálogo e processos decisórios com a comunidade. Sua experiência na infância, observando a injustiça sofrida pelo pai, fez com que, ao crescer, transformasse sua palavra escrita em um instrumento de luta pela democracia, em defesa daqueles que são os mais prejudicados, quando ela se torna distorcida ou deixa de existir. Por isso, diz que é uma jornalista que duvida até mesmo dos próprios argumentos, o que faz com que promova uma constante apuração dos fatos sobre os quais escreve.

Segundo Eliane, é preciso fundar um outro tipo de ser humano, e refundar outras possibilidades de existir. Os indígenas, que já conheceram o fim do mundo em 1500, e a partir daí passaram a viver constantes ameaças dessa catástrofe, sabem muito bem o que é o fim do mundo. Por isso, é necessário trazer o debate para local onde grande parte deles vivem – a Amazônia – e onde estão tentando conter esse trágico fim.

“A Amazônia é o centro do mundo e diz respeito a todos e todas desse mundo. O colapso climático vai criar muitas barreiras, migrações, violência, fome. Clima não é só plantação. Não tem como se combater a crise climática sem cuidar da Amazônia”, disse Eliane, ao concluir o debate e iniciar o momento dos autógrafos e contato mais direto com os leitores do livro de sua autoria.

Referências

BRUM, Eliane. “Brasil: construtor de ruínas – um olhar sobre o país de Lula a Bolsonaro”. Porto Alegre: Arquipélago Editorial, 2019.

Elvira Eliza França é mestre em Educação pela UNICAMP, pós-graduanda em Neurociência e Comportamento pela PUC (RS), especialista em Programação Neurolinguística pelo NLP Comprehensive dos EUA e graduada em Comunicação Social pela Universidade de Mogi das Cruzes (SP). É autora dos livros: “Crenças que promovem a saúde: mapas da intuição e da linguagem de curas não-convencionais em Manaus, Amazonas” editado pela Valer e Secretaria de Cultura e Turismo do Amazonas (2002); “Corporeidade, linguagem e consciência: escrita para a transformação interior” (1995), “Dimensões interiores da escrita: a voz da criança interior” (1993), “Do silêncio à palavra: uma proposta para o ensino da filosofia da educação” (1988) e “Filosofia da educação: posse da palavra” (1984), publicados pela Editora Unijuí (RS).

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Sobre a matéria

Elvira Eliza França

Elvira Eliza França é mestre em Educação pela UNICAMP, especialista em Neurociência e Comportamento pela PUC (RS), especialista em Programação Neurolinguística pelo NLP Comprehensive dos EUA e graduada em Comunicação Social pela Universidade de Mogi das Cruzes (SP). É autora dos livros: “Crenças que promovem a saúde: mapas da intuição e da linguagem de curas não-convencionais em Manaus, Amazonas” editado pela Valer e Secretaria de Cultura e Turismo do Amazonas (2002); “Corporeidade, linguagem e consciência: escrita para a transformação interior” (1995), “Dimensões interiores da escrita: a voz da criança interior” (1993), “Do silêncio à palavra: uma proposta para o ensino da filosofia da educação” (1988) e “Filosofia da educacão: posse da palavra” (1984), publicados pela Editora Unijuí (RS). Criou a técnica terapêutica com as expressões das emoções denominada “Caretas Articuladas com Movimentos das Mãos - CAMM.”