Povos Indígenas

Mulheres indígenas reunidas em Brasília celebram marco histórico

Elas ocuparam nesta segunda-feira (12) o Ministério da Saúde contra a municipalização e pedindo a saída da secretária Silvia Wajãpi, da Sesai (Foto: Kamikia Kisedje/Mídia Ninja) Brasília (DF) – Vindas da Amazônia, do Cerrado, da Mata Atlântica, do Pantanal, da […]

(Foto: Kamikia Kisedje/Mídia Ninja)

Por Maria Fernanda Ribeiro Publicado em: 12/08/2019 às 18:16

Elas ocuparam nesta segunda-feira (12) o Ministério da Saúde contra a municipalização e pedindo a saída da secretária Silvia Wajãpi, da Sesai (Foto: Kamikia Kisedje/Mídia Ninja)

Brasília (DF) – Vindas da Amazônia, do Cerrado, da Mata Atlântica, do Pantanal, da Caatinga e do Litoral, indígenas estão reunidas em Brasília para a 1ª Marcha das Mulheres Indígenas do Brasil. São ao menos 1.500, de cerca de cem diferentes etnias, que lutam para ocuparem seus espaços além das suas comunidades. Com o tema “Território, nosso corpo, nosso espírito”, o objetivo é sair da invisibilidade para ecoar suas vozes em prol da defesa de suas terras.

O evento começou oficialmente no dia 9 de agosto, data em que se comemora o Dia Internacional dos Povos Indígena. As comitivas estão acampadas no gramado da sede da Fundação Nacional de Arte (Funarte). Enquanto se preparam para a marcha nesta terça-feira (13), atividades para discutir direitos e empoderamento da mulher indígena acontecem para que elas possam ser ouvidas e novos debates sejam estabelecidos.

Na manhã desta segunda-feira (12), as mulheres iniciaram os protestos fazendo uma vigília no prédio do Ministério da Saúde, onde funciona a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). O órgão é responsável por coordenar e executar a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas e todo o processo de gestão do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SasiSUS) no Sistema Único de Saúde (SUS). Desde o mês de março, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta enfrenta protestos dos indígenas contra o desmonte da Sesai e a municipalização da saúde.

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Vídeo: @Kamikiakisedje

Por volta das 11h30 (horário de Brasília) até às 16h15, as mulheres ocuparam o 4º andar do prédio do Ministério da Saúde entoando a frase “Fora Silvia”, pedindo a exoneração da secretária da Sesai, Silvia Nobre Wajãpi. A secretária, que foi nomeada em abril pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL), não atendeu as lideranças. “Infelizmente, a secretária da saúde teve que fugir. Ela só sabe conversar com meia dúzia, pelo capitalismo, e não pela saúde”, disse Alessandra Korap Munduruku.

O ministro Luiz Mandetta recebeu apenas um grupo de lideranças, após a desocupação do prédio e o monitoramento da Polícia Militar. O ministro não se pronunciou sobre o protesto.

“Há uma política voltada para as mulheres indígenas quando se fala em saúde? Não tem. Então, queremos um olhar da Sesai lá na base [comunidades], atendendo especificamente as mulheres indígenas na saúde. Se era difícil antes no outro governo, imagina nesse. É essa a nossa reivindicação, pois está faltando tudo dentro dos órgãos que atendem a saúde. O problema da municipalização [da saúde indígena] é o recurso. Se o governo federal não dá conta de atender, imagina o município cuidar da saúde indígena. Então vai acontecer um caos na saúde indígena”, disse a líder indígena Telma Taurepang, de Roraima, coordenadora da União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira (Umiab).

Mulheres indígenas em protesto dentro da sede da Sesai, no Ministério da Saúde
(Foto: Lia Biachini/Cobertura Colaborativa)

Para assegurar o direito das mulheres se manifestarem em Brasília, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), órgão que integra o Ministério Público Federal, solicitou o governo do Distrito Federal a adoção das medidas necessárias para assegurar o direito à realização da marcha.

A chegada a Brasília

Leusa Munduruku e seu bebê são do Tapajós
(Foto: Kamikia Kisedje/Mídia Índia)

Mulheres do Purus: a cacique Mandeí Juma, com blusa marrom
(Foto: Maria Fernanda Ribeiro/Amazônia Real)

Acampadas em barracas, muitas precisaram enfrentar viagens de barco, caminhão e ônibus para conseguirem chegar até o Distrito Federal. Watatakalu Yawalapiti, é uma das lideranças do Movimento de Mulheres do Xingu, que reúne 16 etnias dentro do Território Indígena do Xingu. Em dois ônibus lotados em sua capacidade máxima, muitas das 46 mulheres demoraram dois dias só para conseguirem chegar até o município de Canarana, no Mato Grosso, e de lá partirem para o local da marcha, com mais 13 horas de viagem.

“A gente encara todos esses desafio porque é uma forma de mostrar que estamos fortalecidas. Todas as mulheres que estão aqui se esforçaram muito para isso, vendendo artesanato, comida, pagou por conta para vir”, disse Watatakalu Yawalapiti à Amazônia Real.

“Estamos fortalecidas”, diz Watatakalu Yawalapiti
(Foto: Maria Fernanda/Amazônia Real)

Vinte e oito horas de ônibus foi quanto as 15 mulheres Kayapó, do Pará, demoraram para chegar desde suas aldeias. Para O-e Kayapó, a oportunidade de estar entre mulheres e poder ouvir outras indígenas sobre problemas em comum, é o que faz da Marcha uma oportunidade única para identificar soluções e fortalecer o movimento. “O fortalecimento dessa massa junta e organizada já é como complementamos a força do coletivo para resolvermos os entraves”.

A mobilização para o encontro começou durante o 15º. Acampamento Terra Livre (ATL), realizado em abril deste ano, quando as mulheres decidiram pela realização da Marcha com o objetivo de apresentar suas demandas para dar visibilidade às pautas que as cercam. De lá para cá, se organizaram, promoveram uma vaquinha na internet e, quatro meses depois, o projeto se concretizava.

“Parecia muito difícil quando pensamos a primeira Marcha, mas tudo que é feito de maneira coletiva se concretiza. E hoje estamos aqui, demarcando mais uma vez o nosso território, o nosso espaço de fala, a nossa participação como mulheres que nunca irão se acostumar com violência, com injustiça, com submissão. Estamos aqui para trazer esse protagonismo que a gente já faz lá na aldeia todos os dias, mas agora vamos ocupar os espaços para além das nossas terras. A nossa voz precisa ecoar pelo mundo”, afirma Sonia Guajajara, coordenadora-executiva da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil).

O tema sobre o território é para reforçar e mostrar para a sociedade de maneira geral a importância que tais áreas possuem para as mulheres, detentoras da ancestralidade e da cultura. A terra é o que protege e segura os saberes dos povos indígenas, é o que permite que os conhecimentos possam ser passados para as demais gerações. A perda do território pode acarretar no extermínio de povos e a preocupação com o que será das futuras gerações é fala constante das mulheres. Medo que se agravou com as políticas anti-indígenas do atual governo. Temas como mineração, saúde e educação também estão sendo debatidos no encontro.

Fernanda Papa, gerente de projetos da ONU Mulheres, afirma que o evento foi construído como um movimento autônomo construído pelas mulheres, com mulheres e para mulheres, o que mostra uma capacidade de articulação para a defesa dos direitos sem precedentes na história democrática. “Elas estão ocupando um espaço que não tem volta. Espaços que sempre foram negados e essa visibilidade, que vem do exercício do poder político, foi conquistada”.

O marco histórico do primeiro encontro de mulheres indígenas também é ponto de destaque para Elizangela Baré, coordenadora do Departamento de Mulheres da Foirn (Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro). “Nunca as mulheres indígenas do Brasil todo tinham se reunido desde a descoberta do Brasil e isso chega para mostrar que nós também somos capazes. Esse é o momento de mostrarmos nossas forças como mulher para que a gente saia da invisibilidade e do imaginário das pessoas. Nós somos reais”.

A luta e resistência

Tuíra Kayapó é umas das líderes da resistência da mulher indígena
(Foto: Maria Fernanda Ribeiro/Amazônia Real)

Em 1989, Tuíra passa o terçado no rosto de José Antonio Muniz Lopes em protesto contra a hidrelétrica do Xingu (Foto: Protásio Nene/Estadão Contéudo)

Um dos momentos que mais emocionou as participantes foi quando retratos de mulheres indígenas com histórias de luta desde a constituinte de 1988, mas esquecidas dos relatos oficiais, foram distribuídos e suas vidas foram relembradas. Entre elas, Tuíra Kayapó, a indígena que em 1989 encostou o facão no rosto do então diretor da Eletronorte, José Antonio Muniz Lopes, durante uma audiência para a construção de um complexo hidrelétrico no Xingu – posteriormente, ele assumiu a presidência da Eletrobras. Este ano, durante a ATL, ela mais uma vez mostrou o seu protagonismo durante uma audiência sobre exploração de madeira e minérios em áreas indígenas. Sem o facão, ela emudeceu os presentes apenas com sua fala e questionamentos.

Tuíra, hoje mais madura, está presente na Marcha. Ao pedir para ser fotografada, consentiu e alertou para a repórter: “vocês brancos, já me conhecem, eu sou Tuíra.” Valente e presente, participou das discussões e emitiu seu alerta. “Eu defendo tudo o que a gente pisa. Eu nasci e sou da floresta, o território é o meu pertencimento. As nossas mulheres agora estão lendo e escrevendo. Que elas possam relatar tudo o que estamos passando dentro do nosso território. Sem território, o que será de nós?”

O chamado para a 1ª Marcha das Mulheres Indígenas é o de colorir o Brasil para além do verde e do amarelo e colorir o Brasil também com as cores do jenipapo e do urucum. No dia 14, as indígenas reúnem-se pela primeira vez à Marcha das Margaridas, a manifestação das mulheres do campo, da floresta e das águas que acontece desde os anos 2000, em um gesto de apoio mútuo e união dos movimentos de mulheres.

Caravana das mulheres xinguanas para Brasília (Foto: Kamikia Ksêdje/Cobertura Colaborativa)
Chegada das caravanas em Brasília (Foto: Are Juruna /Mídia Índia)
Chegada das caravanas na área do acampamento em Brasília (Foto: Mariana Freitas /Cobertura Colaborativa)
Chegada das caravanas na área do acampamento (Foto: Mídia Índia)
Chegada das caravanas na área do acampamento (Foto: Mídia Índia)
Chegada das caravanas na área do acampamento (Foto: Mariana Freitas/Cobertura Colaborativa)
Preparação para a 1a. Marcha das Mulheres Indígenas (Foto: Mídia Índia)
Encontro preparatório para a Marcha (Foto: Lia Bianchini/Cobertura Colaborativa)
Encontro preparatório para a Marcha (Foto: Lia Bianchini/Cobertura Colaborativa)
Encontro preparatório da 1a. Marcha de Mulheres Indígenas (Foto: Lia Bianchini/Cobertura Colaborativa)
Encontro preparatório da 1a. Marcha das Mulheres Indígenas (Foto: Mídia Ninja)
Encontro preparatório da 1a. Marcha das Mulheres Indígenas (Foto: Mídia Ninja)
Encontro 1a. Marcha das Mulheres Indígenas (Foto: Mídia Ninja)
Marcha das mulheres indígenas em Brasília, ocupação da SESAI. (Foto: Lia Bianchini/ Cobertura Colaborativa)
Ocupação SESAI na Marcha das Mulheres indígenas (Foto: Mídia Ninja)
Marcha das mulheres indígenas em Brasília, ocupação da SESAI. (Foto: Douglas Freitas/ Cobertura Colaborativa)
Ocupação SESAI na Marcha das Mulheres indígenas (Foto: Mídia Ninja)

Esta reportagem de Maria Fernanda Ribeiro faz parte da cobertura exclusiva da agência Amazônia Real da 1ª Marcha das Mulheres Indígenas e da 6a. Marcha das Margaridas, em Brasília.

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Reportagem Noticiosa

Sobre a matéria

Maria Fernanda Ribeiro

Maria Fernanda Ribeiro é jornalista multimídia com foco nos povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos. Documento e compartilho histórias em reportagens, crônicas e vídeos. Viajei dois anos pela floresta amazônica munida apenas da minha mochila, uma câmera e um gravador para conhecer quem são as pessoas que habitam a floresta. Rodei por oito estados (só faltou o Tocantins entre os que compõe a Amazônia Legal), de barco, de carro e de avião. Isso foi entre 2016 e 2018 e, de lá para cá, reportar as vidas, os conflitos e os movimentos que permeiam as histórias dessas pessoas é o meu caminhar como jornalista. ([email protected])