Philip M. Fearnside

A Hidrelétrica de Sinop: 4 – O processo de licenciamento

A barragem de Sinop está sendo licenciada pelo governo do Estado de Mato Grosso, e não pelo órgão ambiental federal (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis-IBAMA). Isto segue a Lei Complementar 140/2011, que foi sancionada pela […]

Obra da usina hidrelétrica de Sinop (Foto: PAC)

Por Philip Martin Fearnside Publicado em: 26/03/2019 às 18:45

A barragem de Sinop está sendo licenciada pelo governo do Estado de Mato Grosso, e não pelo órgão ambiental federal (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis-IBAMA). Isto segue a Lei Complementar 140/2011, que foi sancionada pela Presidente Dilma Rousseff [1], e que dá aos estados a responsabilidade de licenciar barragens com reservatórios inteiramente dentro das fronteiras estaduais. Quando essa lei entrou em vigor em 2011, o licenciamento da hidrelétrica de Sinop já estava sendo feito pelo órgão estadual, o que estava sendo contestado pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso (MPE-MT) devido ao impacto regional do complexo de barragens do qual a de Sinop faz parte [2].

A mudança do licenciamento de muitas das barragens na Amazônia da esfera federal para estadual ocorreu em um momento quando uma das principais prioridades do governo, e especialmente da Presidente Dilma Rousseff, era a rápida aprovação de da barragem controversa de Belo Monte [3-4], mas o governo perdeu uma batalha jurídica em uma tentativa de migrar o licenciamento dessa barragem para a esfera estadual [5] A lei complementar de 2011 mudando a competência para muitas das barragens representa um retrocesso, pois os órgãos ambientais estaduais geralmente são menos rigorosos e mais sujeitos a interferência política do que o órgão federal (e.g., [6]. No entanto, o licenciamento federal atualmente está sofrendo um processo abrupto de “flexibilização” [7], e a história de licenciamento federal mostrou o sistema de IBAMA também ser pouco adequado e facilmente contornado no caso de barragens recentes, como Santo Antônio, Jirau, Teles Pires, Belo Monte e São Manoel (e.g., [8-14]). O licenciamento da hidrelétrica de Sinop, sendo um dos primeiros realizado por um órgão estadual para uma grande hidrelétrica amazônica, representa um teste importante da atual modalidade de licenciamento para essas obras.

Legislação sobre remoção de vegetação

A Lei nº 3.824/60 “torna obrigatória a destoca e conseqüente limpeza das bacias hidráulicas dos açudes, represas ou lagos artificiais”. Esta Lei permite deixar vegetação que é necessária para a vida de peixes, mas não há menção nesta Lei da obrigatoriedade de remoção ser condicionada à modelagem mostrar que a qualidade da água seria abaixo de algum nível definido como aceitável. A exigência de um nível mínimo de oxigênio dissolvido na água é uma demanda além de ter a vegetação removida. Este autor não conheça nenhuma alteração posterior da exigência na Lei nº 3.824/60, e os documentos do proponente propondo deixar a maior parte da floresta sem remoção [15, 16] não mencionam nenhuma alteração deste tipo para embasar a proposta. Embora que seja obvio que várias barragens têm sido construídas sem observar a Lei, e o País está caminhando para voltar à legalidade neste aspecto. [19]

Notas

[1] Brasil, PR (Presidência da República). 2011. Lei Complementar Nº 140, de 8 de dezembro de 2011. http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/LEIS/LCP/Lcp140.htm

[2] Ilty, A. 2010. Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito da 6ª Vara Cívil da Comarca de Sinop-MT. Ministério Público do Estado de Mato Grosso, Cuiabá, MT. 27 de outubro de 2010. 28 p.

[3] Fearnside, P.M. 2017a. Belo Monte: Actors and arguments in the struggle over Brazil’s most controversial Amazonian dam. Die Erde 148 (1): 14-26. Português disponível.

[4] Fearnside, P.M. 2017b. Brazil’s Belo Monte Dam: Lessons of an Amazonian resource struggle. Die Erde 148 (2-3): 167-184. Tradução em Português.

[5] Dutra, F.C.B., J.B.M. Santos, L.R.J. dos Santos & I.P.C. Monteiro. 2016. As falhas no licenciamento ambiental da usina hidrelétrica Belo Monte: Análise da jurisprudência. Revista do Centro de Estudos em Desenvolvimento Sustentável da UNDB 1(5): 1-23.

[6] Fearnside, P.M. 2018. BR-319 e a destruição da floresta amazônica. Amazônia Real 19 de outubro de 2018.

[7] Fearnside, P.M. 2018. Why Brazil’s new president poses an unprecedented threat to the Amazon. Yale Environment 360, 08 de novembro de 2018.

[8] Fearnside, P.M. 2013. Decision-making on Amazon dams: Politics trumps uncertainty in the Madeira River sediments controversy. Water Alternatives 6(2): 313-325. Tradução em Português disponível.

[9] Fearnside, P.M. 2014. Impacts of Brazil’s Madeira River dams: Unlearned lessons for hydroelectric development in Amazonia. Environmental Science & Policy 38: 164-172.

[10] Fearnside, P.M. 2014. Brazil’s Madeira River dams: A setback for environmental policy in Amazonian development. Water Alternatives 7(1): 156-169.

[11] Fearnside, P.M. 2015. A Hidrelétrica de Teles Pires: O enchimento e a morte de peixes. p. 109-113. In: P.M. Fearnside (ed.) Hidrelétricas na Amazônia: Impactos Ambientais e Sociais na Tomada de Decisões sobre Grandes Obras. Vol. 2. Editora do INPA, Manaus. 297 p.

[12] Fearnside, P.M. 2017. Amazon dam defeats Brazil’s environment agency. Mongabay 20 de setembro de 2017. Tradução em Português disponível.

[13] Fearnside, P.M. 2018. Challenges for sustainable development in Brazilian Amazonia. Sustainable Development 26(2): 141-149.

[14] Moretto, E.M., C.O. Jordão, E. Fernandes, & J. Andrade. 2016. Condicionantes e a viabilidade ambiental no processo de licenciamento ambiental de usinas hidrelétricas: Uma análise do caso Teles Pires. p. 167-182. In: Alarcon, D. F., Millikan, B. & Torres, M. (eds.) Ocekadi: hidrelétricas, conflitos socioambientais e resistência na Bacia do Tapajós. International Rivers Brasil, Brasília, DF & Programa de Antropologia e Arqueologia da Universidade Federal do Oeste do Pará, Santarém, PA. 534 p.

[15] CES (Companhia Energética Sinop). 2016. Solicitação de autorização de supressão de vegetação – ASV da área do reservatório. Sinop-MT, dezembro-2016. 246 p.

[16] EON Consultoria e Planejamento S/C Ltda. 2018. A EON Consultoria e Planejamento S/C Ltda vem através desta responder as demandas da SEMA apresentadas em Parecer Técnico, datado de 25 de abril de 2018. EON, São Paulo, 12 de junho de 2018.

[17] Fearnside, P.M. 2018. Remoção prévia da vegetação na área do reservatório da UHE Sinop. Parecer técnico para o Ministério Público do Estado de Mato Grosso. 06 de dezembro de 2018.

[18] Fearnside, P.M. 2019. Brazil’s Sinop Dam flaunts environmental legislation. Mongabay, 01 de março de 2019.

[19] As pesquisas do autor são financiadas por fontes acadêmicas: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (processos 429795/2016-5, 610042/2009-2, nº575853/2008-5, 311103/2015-4), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM) (processo 708565) e Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) (PRJ13.03). O autor agradece o Ministério Público do Estado de Mato Grosso (MPE-MT) pelas despesas de viagem e apoio logístico durante uma visita à área do reservatório de Sinop; ele não aceitou pagamento pelo parecer que fez para essa entidade. Este texto é atualizado a partir de [17]. Uma versão em Inglês foi publicada pela Mongabay [18].

A imagem que ilustra este artigo mostra a usina hidrelétrica de Sinop ainda em obra em 2016 (Foto: PAC)

Leia os outros artigos da série:

A Hidrelétrica de Sinop

A Hidrelétrica de Sinop: 2 – Mortandade de peixes

A Hidrelétrica de Sinop: 3 – As explicações da empresa

Philip Martin Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências e também coordena o INCT (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia) dos Serviços Ambientais da Amazônia. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 500 publicações científicas e mais de 200 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis aqui.

Reportagem Noticiosa

Sobre a matéria

Philip Martin Fearnside

É doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 600 publicações científicas e mais de 500 textos de divulgação de sua autoria que podem ser acessados aqui. https://philip.inpa.gov.br