Cultura

Djuena e mais cinco grupos indígenas estão na turnê nacional do Sonora Brasil

Por Kátia Brasil Publicado em: 07/05/2019 às 20:34

Povos das etnias Mbyá-Guarani, Kaingang, Fulni-Ô, Karitiana e Paiter Suruí irão fazer shows nas capitais, pelo projeto do Sesc (Djuena Tikuna/Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)

Manaus (AM) – A turnê nacional de música, da 22ª. Edição do Projeto Sonora Brasil, no biênio 2019 e 2020, terá como um dos temas “A música dos Povos Originários do Brasil”. Promovido pelo Serviço Social do Comércio (Sesc), a turnê passará por todas as capitais do país com apresentações dos seguintes grupos: Teko Guarani, do povo Mbyá-Guarani; Nóg gã, da etnia Kaingang; Dzubucuá, do povo Kariri-Xocó; Memória Fulni-ô, dos índios Fulni-Ô; Opok Pyhokop, da etnia Karitiana; Wagôh Pakob, dos indígenas Paiter Suruí; e Wiyae, que tem como integrantes a cantora amazonense Djuena Tikuna, Diego Janatã (MA), Magda Pucci e Gabriel Levy, estes dois últimos são artistas de São Paulo.

Segundo Djuena Tikuna, no Amazonas, a turnê do Sonora Brasil acontecerá em Manaus, no dia 12 de agosto, e em Parintins, no dia 14 de agosto. “Em cada lugar que a gente vai passar, eu acredito que vamos deixar uma mensagem de luta, de resistência, valorização, até mesmo de espiritualidade, sobre a importância do canto, da dança, da pintura. Em cada lugar, a gente vai deixar esse legado nosso, como indígenas”, diz a cantora, que é também jornalista e recentemente lançou um site para divulgar a música indígena.

O Sonora Brasil é o maior projeto de circulação musical brasileiro, com cerca de 450 apresentações anuais. O objetivo é difundir a diversidade da musicalidade brasileira, priorizando espetáculos acústicos. Outros grupos amazonenses já participaram do projeto do Sesc em edições passadas, como: Raízes Caboclas, Quarteto de Sopros da Amazônia e Banda Manauense.

Na 22ª. edição, a turnê terá ainda a apresentação das músicas “Líricas Femininas – a presença da mulher na música brasileira”. Durante o biênio 2019 e 2020, o projeto Sonora Brasil fará 350 apresentações em 97 cidades brasileiras.

Djuena Tikuna é a criadora do projeto Wiyae, que significa “canto” na língua Tikuna. Ela fez a sua primeira apresentação no Teatro Amazonas, em 2017. Em agosto 2018, ela levou povos indígenas de diversas etnias para o palco e plateia do teatro. No projeto Sonora, o grupo composto por ela, Diego Janatã, Magda Pucci e Gabriel Levy se intitulou Wiyae também, dando continuidade ao projeto iniciado em Manaus.

Show de Djuena Tikuna no Teatro Amazonas, em 2017 (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)

Por ser a cidade onde iniciou a carreira e a participação no movimento indígena, a cantora Djuena diz que sua apresentação pelo Sonora em Manaus será cheia de significados: “É onde eu comecei tudo o que sou hoje”.

Ao ser indagada sobre a origem de sua energia para criar e manter seus projetos, Djuena afirma: “é de cada artista, dos meus ancestrais, é a força de uma mãe”, e completa, “essa força vem da luta de resistência que a gente precisa usar em qualquer espaço para ecoar na nossa voz”.

Além de Djuena, fazem parte da turnê outros grupos indígenas de diferentes regiões do Brasil. De Porto Alegre (RS) participa o grupo Teko Guarani, da Aldeia Tekoa Anhetenguá, na Lomba do Pinheiro. Lá vivem 16 famílias Mbyá-Guarani. O grupo é formado por um coral infanto-juvenil que tem por característica a força e o brilho vocal. Utilizam o mbaraká (violão) com cinco cordas, sendo que cada corda representa uma divindade Mbyá: Tupã, Kuaray, Karaí, Jakairá e Tupã Mirim. O ravé (violino/rabeca) possui três cordas e, segundo alguns relatos, é um instrumento de invenção indígena, posteriormente aperfeiçoado pelos juruá (não indígenas). Os integrantes do grupo são: Cacique José Cirilo Pires Morínico, Maria Eugênia Ramos, Sérgio Ramos Morínico, Verá Mirin Nunes Morínico, Célio Brisuela, Jorge Ramos Morínico, Graciela Gonçalves Duarte, Jerá Mirim Duarte Morínico, Jéssica Ramos Lopes, Jéssica Benites Franco e Patricia Ramos Morínico.

O grupo Nóg gã é composto por indígenas de diversas aldeias do povo Kaingang, da região de São Leopoldo (RS). Por meio das pinturas corporais, utilizando linhas e formas circulares, é possível identificar quem são os KAMÉ (marcas compridas) e os KAIRÚ (marcas redondas). Esta distinção definirá as formas de relacionamentos e contato entre as duas partes do grupo. Durante a apresentação realizada no Sonora Brasil, os indígenas utilizarão as lanças de guerra como instrumento percussivo. Em contato com o chão, realizam simbolicamente uma demarcação e embasam ritmicamente as marcas coreográficas. Integramo o grupo os artistas Nilceu dos Santos Kaingang, Gilson Ferreira Kaingang, Darlei Pedro Kaingang, Álvaro de Paula Kaingang, Jakson de Oliveira Kaingang, José Vergueiro Kaingang, e Talvane R. de Campos Kaingang. No Brasil, a população de Kaingang é composta por, aproximadamente, 30 mil pessoas. Eles vivem em territórios localizados também em São Paulo, Paraná e Santa Catarina.

Grupo Dzubucua Kariri Xoco (Foto: PITAWÃ)

O grupo Dzubucuá é formado por índios Kariri-Xocó, da região do baixo São Francisco, em Alagoas. A música tradicional dos Kariri-Xocó, o toré, é um ritual indígena mágico-espiritual que envolve performance corporal e música. Os torés tradicionais não têm letras e utilizam os buzos (espécie de flauta), maracás de mão e de tornozelos. No repertório, além dos torés, estão os rojões, que já fazem parte da tradição musical deste povo e são um reflexo do trabalho nas fazendas e da dinâmica de trocas culturais, ocorridas na região. As letras cantadas em português possibilitam conhecer um pouco da história do povo, falando do cotidiano dos indígenas nas colheitas, ou trazendo sincretismos religiosos e remetendo ao tempo da colonização, quando eles eram obrigados a praticar suas tradições secretamente. Os músicos do grupo são: Yachy Koran Kariri-Xocó, Takauã Kariri-Xocó, Ryakonã Kariri-Xocó, Kruyé Kariri-Xocó, Puranã Kariri-Xocó, Wyaconan Kariri-Xocó, Pirakumã Kariri-Xocó, Uitairan Kariri-Xocó, Yrapanan Kariri-Xocó e Yranai Kariri-Xocó. Essa etnia tem uma população de 1.095 pessoas, segundo o Ministério da Saúde.

O grupo Memória Fulni-Ô, do Povo Fulni-Ô, também participa do Projeto Sonora Brasil. Da região de Águas Belas, em Pernambuco, a música tradicional desse povo vem do toré e a cafurna. O Toré é um ritual sagrado; o cântico coletivo sem letra é o único canto que usa instrumentos de sopro junto com a percussão e que, segundo seus praticantes, é o mais antigo dos Fulni-Ô. O toré afirma a união e é praticado em ocasiões especiais. As cafurnas, em yaathe unakesa, são manifestações de sentido múltiplo, pois se referem à dança, à música, aos modos de cantar, à profecia, ao estilo e tradição e à estética. São cantadas e acompanhadas de maracás, que são presos nas mãs e nos tornozelos. Os temas das músicas abrangem aspectos como preservação da natureza, reverência aos animais da região e identidade indígena. São integrantes do grupo os artisats: X’ Maya Kaká Fulni-Ô, Txa Fulni-Ô, Txale Fulni-Ô, Kafyxtxo Fulni-Ô, Fekhya Fulni-Ô e Tafhia Fulni-Ô.

De Porto Velho, em Rondônia, participa da turnê do projeto o grupo Opok Pyhokop, da etnia Karitiana. A música tradicional desse povo é fortemente relacionada ao sagrado. Os anciãos são enfáticos nas orientações sobre a execução dos cânticos de proteção e de aplicação de remédios pelo pajé que, por exemplo, devem ser cantados sempre da mesma forma e sem os instrumentos de sopro. A sua festa mais tradicional é o ritual da chicha, bebida feita exclusivamente pelas mulheres, a partir de milho, ou mandioca fermentada. A chicha serve para a limpeza do organismo e, após intenso consumo da bebida, os homens utilizam uma tora de madeira chamada jepyryn, pressionada na boca do estômago, para provocar o vômito. Na festa da chicha, as mulheres tocam o pilão, os homens dançam e tocam o jewy, espécie de clarinete feito de taquaruçu e o marará. Fazem parte do grupo os músicos: Pajé Taobina Karitiana, Pitana Karitiana, Pyridna Karitiana, Taogydna Karitiana e Bypan Ywemp Karitiana.

Também de Rondônia participa do projeto Sonora Brasil o Grupo Wagôh Pakob, do Povo Paiter Surui, da Terra Indígena Sete de Setembro. A população atual é formada por mais de 1500 pessoas. Eles pertencentes às linhagens clânicas Gãmeb (marimbondo preto), Gãpgir (marimbondo amarelo), Makor (taboca) e Kaban (fruta azeda mirindiba). Na terra indígena há 27 aldeias. Os Paiter Surui são conhecidos como um povo cantor que também gosta muito de contar histórias. Além das canções tradicionais, relacionadas aos rituais – que relatam narrativas míticas e relembram momentos da história dos Paiter, ou que retratam tarefas do cotidiano – os Paiter têm canções atribuídas à criação individual. Elas são cantadas somente por seus criadores. Os Paiter utilizam michãngab (maracas de tornozelo) e o wãab (flautas), instrumento de sopro. São músicos do grupo os indígenas Gasodá Surui, Tori Tupari, Luiz Mopilabaten Surui, Leoneide Myde Paweika Surui, Chicoepab Surui Dias, Narré Surui e Rubens Iamay Surui.

Grupo Wiyae, com Djuena Tikuna (Foto: Evelson de Freitas/Divulgação)

O grupo Wiyae, que significa “canto” na língua Tikuna, foi criado especialmente para o projeto Sonora Brasil. Ele é formado pela indígena Djuena Tikuna, nascida na aldeia Umariaçu, no Amazonas, na tríplice fronteiras entre o Brasil, Peru e Colômbia. Djuena — nome que siginica na língua Tikuna “a onça que pula no rio” — canta a cultura do seu povo, mantendo viva a sua história. Participam também do grupo: Diego Janatã, músico maranhense e que tem viajado por diversas comunidades indígenas do Brasil, pesquisando e registrando a musicalidade dos povos das florestas e também o som dos tambores das comunidades quilombolas e tradicionais do Maranhão e de outras partes da Amazônia; Magda Pucci, cantora, arranjadora, compositora, educadora musical e pesquisadora das músicas de vários povos há 23 anos e é diretora musical do Mawaca, grupo de São Paulo; Gabriel Levy, que é arranjador, compositor, educador e produtor musical, atuando, também, como acordeonista do Mawaca.

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Reportagem Noticiosa

Sobre a matéria

Kátia Brasil

Kátia Brasil é co-fundadora e editora executiva da agência de jornalismo independente e investigativo Amazônia Real, com sede em Manaus (AM). Recém formada pela Faculdade Hélio Alonso, no Rio de Janeiro, foi morar na Amazônia no início do ano de 1990. Trabalhou na TV Cultura e jornais O Globo, A Gazeta de Roraima, O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo. Entre os prêmios que ganhou estão o Esso Regional Norte 1991 e Women Journo Heroes (#JournoHeroes), da International Women’s Media Foundation (IWMF), em 2019, Prêmio Abraji, em 2020, Vladimir Herzog e Comunique-se, ambos em 2021. É conselheira da Énois Jornalismo, do Tornavoz e Projor. Integra o forbiddenstories.org, o Fórum Permanente das Mulheres de Manaus (FPMM) e do Coletivo Mães Pela Diversidade ([email protected])