Mulheres marcham em Manaus contra o feminicídio e a reforma de Bolsonaro

Por Izabel Santos Publicado em: 09/03/2019 às 03:06

Um grupo de eleitores do presidente tentou tumultuar o ato filmando as ativistas com celulares (Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real)

Manaus (AM) – Para marcar o ato “Basta de Feminicídio e Retirada de Direitos” em Manaus, milhares de mulheres de todas as idades reuniram-se no centro da cidade, nesta sexta-feira, 8 de Março, Dia Internacional da Mulher. Elas protestaram contra os assassinatos de mulheres, por motivação de ódio ao gênero feminino, e contra a Reforma da Previdência, apresentada à Câmara dos Deputados pelo governo de Jair Bolsonaro (PSL), além de suas propostas de habitação e perdas trabalhistas. No final da marcha, um grupo de três eleitores do presidente invadiu o ato com celulares nas mãos para gravar e intimidar as ativistas, mas eles foram contidos pelos manifestantes. A Polícia Militar (PM) diz que “um rapaz passou e falou ‘Bolsonaro’”. Não houve registros de ocorrências durante o protesto das mulheres.

Segundo a coordenação do ato em Manaus, cerca de 3 mil pessoas participaram da marcha, que começou na praça da Saudade, às 16h, percorrendo o trecho das avenidas Epaminondas, Sete de Setembro e Eduardo Ribeiro, debaixo de chuva, e chegando na praça do Congresso às 18h30. A PM disse que estimou ao menos 800 pessoas na manifestação.

O ato Basta de Feminicídio e Retirada de Direitos contou com as participações de representações de mais de 40 de grupos de mulheres feministas, entre eles, dos movimentos negro, indígena, LGBT, fóruns, coletivos, maracatu e organizações não governamentais. Nas mãos, as mulheres levaram cartazes e faixas com as seguintes frases: “Assassinos e estupradores de mulheres não são doentes, mas filhos saudáveis do patriarcado”; “A independência da mulher começa quando ela decide arregaçar as mangas e ir à luta!’’; “Lute como uma garota”; “Ele Não”; “Lula Livre” e até frases com temas fora da questão das mulheres como “Tirem as mãos da Venezuela”.

Nas ruas, a população que não participou da marcha fazia tímidas manifestações de apoio e também de repúdio às mulheres. Algumas mulheres sussurravam para as feministas: “É isso mesmo! Tem que lutar!”. Outras esbravejam com raiva: “Vocês vão atrapalhar o trânsito!”

A família da policial militar Deusiane da Silva Pinheiro protestou (Foto: Bruno Kelly/AmazoniaReal)

Mulheres fizeram homenagens à Marielle no 8M ( Foto: Bruno Kelly/AmazôniaReal)

Na abertura do ato, ainda na praça da Saudade, uma das coordenadoras, Apoena Grijó, 32 anos, leu os nomes de mulheres que foram assassinadas no Amazonas, entre elas, a policial militar Deusiane da Silva Pinheiro, a líder comunitária Dora Priante (ambas em 2015), a professora Maria Lídia França de Lima, em 2017, e a vereadora Marielle Franco, assassinada no Rio de Janeiro em 2018. A cada nome lido, as mulheres gritavam “Presente!” e pediam por “Justiça!”. No final, realizado um minuto de silêncio. “É uma homenagem as essas mulheres que morreram. Nós estamos aqui por elas e por todas”, disse a coordenadora do 8M.

A dignidade na previdência

Ato pelo Dia Internacional da Mulher, em Manaus (Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real)

Mulheres protestam contra o Presidente da República (Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real)

Como parte do ato “Basta de Feminicídio e Retirada de Direitos”, um outro grupo de mulheres fez manifestações na frente das sedes do Instituto Nacional de Previdência Social (INSS) e da Caixa Econômica Federal (CEF), também no centro de Manaus. Elas protestaram contra a Reforma da Previdência, o fim das políticas de incentivo à casa própria, e a privatização dos bancos públicos.

A agricultora Tânia Chantel, 35 anos, que também é membro do Movimento de Mulheres Camponesas, classificou como injusta a atual proposta de Reforma da Previdência, apresentada no Congresso Nacional, pelo governo de Jair Bolsonaro. “Não podemos aceitar a reforma previdenciária que está colocada aí. Imagina nós, da agricultura familiar, que temos condições de trabalho totalmente diferentes do parlamento, onde as pessoas ficam o tempo todo dentro de um escritório? A Previdência tem que continuar pública, universal e solidária, para que todas as pessoas possam manter a dignidade na velhice. Se hoje um salário mínimo já é pouco, imagina R$400 reais”, disse Tânia Chantel.

Cristiane Amaral Sales Teles, 50 anos, membro da União Nacional por Moradia Popular (UNMP), chamou a atenção para a condição da mulher que não tem acesso às facilidades para adquirir sua casa própria. Segundo ela, essa mulher fica mais vulnerável à violência e a outras mazelas. “Quando a mulher não tem moradia, ela não tem dignidade, pois fica dependente de aluguel e morando na casa de parentes, até mesmo em áreas de risco. Essa mulher não dorme tranquila, pelo medo da casa desabar ou alagar, por exemplo. Mas ela, tendo uma casa em um lugar com infraestrutura, ela pode dar outros passos e reivindicar um posto de saúde ou uma escola na comunidade, outros direitos” explicou Cristiane Teles.

A luta das trans

A cabeleireira Rebeca Carvalho (Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real)

O ato “Basta de Feminicídio e Retirada de Direitos” contou com a presença forte das mulheres LGBT´s. A cabeleireira Rebeca Monteiro de Carvalho, 45 anos, ativista da Associação de Travestis e Transexuais do Amazonas, destacou que a violência contra as mulheres trans é tão forte como a das outras mulheres e disse que estava ali exigindo mais políticas públicas na segurança, saúde e educação. “Estou aqui para lutar, principalmente, pelo direto à vida, pois os travestis, por exemplo, têm uma expectativa de vida de 35 anos, por causa da violência, pois nos tiram muitas oportunidades de trabalho e só nos sobram as ruas e prostituição”, disse ela, em protesto contra as medidas de retrocesso do atual governo.

Rebeca declarou: “Estamos perdendo direitos, com um governo de moral hipócrita que engessa o modelo de família. Família pode ser um casal de homem e mulher, dois homens, duas mulheres, um homem ou uma mulher. Esperamos apoio também do Congresso”, disse ela.

A estudante do curso de História, Alana Betânia Barbosa da Gama, 19 anos, disse que foi ao ato para lutar por seus direitos como mulher e bissexual. “Estou aqui porque acho importante chamar a atenção para os casos de feminicídio e mortes de LGBTQ+”, disse ela. “Não podemos esquecer dos negros, indígenas e das minorias”, acrescentou. “Me sinto muito discriminada por ser mulher, e isso já explica muita coisa”, disse Alana.

A educadora Francismar Ferreira, 57 anos, viajou 269 quilômetros do município de Itacoatiara para Manaus, para participar da marcha das mulheres. Ela diz que é militante do feminismo “desde de criança” e criticou o que chamou de desmonte da educação, pela retirada de disciplinas essenciais do currículo escolar, e a desvalorização do professor. “Temos que lutar por uma educação pública, laica e de qualidade. É dessa educação que a gente precisa, porque a educação deve ser transformadora”, afirmou Francismar.

Bolsominios tentam filmar mulheres

Os três homens usaram celulares para gravar as ativistas (Foto: Alessandro Alcântara)

Durante a manifestação das mulheres não aconteceram incidentes, segundo a Polícia Militar. Apenas uma tentativa de tumulto por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PSL). Três homens, dois usando roupas pretas e um deles vestido com uma camiseta preta com a foto e frase de “Bolsonaro Presidente” no peito, usaram celulares para filmar as mulheres, mas eles foram reprimidos pelas ativistas, que pediram que “caíssem fora”.

O ativista transsexual Alessandro Alcântara, 30 anos, presenciou o momento em que grupo de eleitores de Bolsonaro entrou no ato. “Eram três bolsominios. Eles entraram no ato filmando a manifestação e falando algumas coisas para a câmera também, enquanto filmavam eles mesmos. Daí, eu comecei a filmá-los também. O mais forte de todos, começou a bater boca com as mulheres. Na prática comum, eles fazem isso com os ativistas de esquerda, fazendo perguntinhas para perturbar e aí eles postam o vídeo na internet para denegrir a imagem das pessoas de esquerda e do ativista que eles filmaram. Por esse motivo, começamos a filmar eles até saírem do ato”, disse o ativista, destacando que “não tinha nenhum policial nem guarda municipal no local: não tinha ninguém da segurança”.

Abordados por vários jornalistas, um dos três homens negou que estava causando tumulto, mas não quis contar sua versão do caso e nem se identificar. Um outro, de blusa amarela, negou que era partidário de Bolsonaro. “Bolsonominio, eu? Jamais.”

Segundo a organização do ato “Basta de Feminicídio e Retirada de Direitos”, foi solicitado o apoio da Polícia Militar e da Manaustrans, durante todo o percurso da manifestação, até a Praça do Congresso. “Tudo foi organizado e liberado através de ofício”, disse Djanise Braga, membro da comissão de segurança da manifestação.

“Estávamos finalizando o percurso do ato, na avenida Eduardo Ribeiro, quando esse grupo adentrou a caminhada, filmando ostensivamente a manifestação. Mas ficamos muito tranquilas, pois tínhamos um esquema de segurança articulado entre a nossa organização, Polícia Militar e Instituto Municipal de Engenharia de Trânsito (Manaustrans)”, explicou a professora Gleice Oliveira, uma das coordenadoras do 8M.

A reportagem da agência Amazônia Real encontrou apenas três policiais militares de prontidão na esquina da avenida Eduardo Ribeiro com a Praça do Congresso. O sargento da PM, Josué Rodrigues, disse que havia presenciado a tentativa de tumulto por parte de eleitores do Bolsonaro. “Foi um rapaz que passou e falou ‘Bolsonaro’. Aí, uma mulher que estava falando no microfone falou um palavrão e as outras manifestantes quiseram se manifestar contra o rapaz, que estava sozinho. Aí, as moças viram a nossa presença e tudo voltou ao normal.”

A situação envolvendo eleitores de Bolsonaro não afetou o ato, diz a organização do protesto. “Reunir todas essas pessoas espontaneamente, sem a disponibilização de transporte, numa sexta-feira pós-Carnaval, é um ato exitoso”, avalia a professora de História, Beatriz Calheiro, do ato Basta de Feminicídio e Retirada de Direitos, em Manaus. (Colaboraram Kátia Brasil, Elvira Eliza França, Elaíze Farias e Bruno Kelly).

Mulheres no ato Basta de Feminicídio e Retirada de Direitos, em Manaus (Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real)
Ativista no ato Basta de Feminicídio e Retirada de Direitos, em Manaus (Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real)
Mulheres no ato Basta de Feminicídio e Retirada de Direitos, em Manaus (Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real)
Mulheres no ato Basta de Feminicídio e Retirada de Direitos, em Manaus (Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real)
Mulheres no ato Basta de Feminicídio e Retirada de Direitos, em Manaus (Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real)
Mulheres no ato Basta de Feminicídio e Retirada de Direitos, em Manaus (Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real)
Mulheres no ato Basta de Feminicídio e Retirada de Direitos, em Manaus (Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real)
Mulheres no ato Basta de Feminicídio e Retirada de Direitos, em Manaus (Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real)
Mulheres no ato Basta de Feminicídio e Retirada de Direitos, em Manaus (Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real)
Mulheres no ato Basta de Feminicídio e Retirada de Direitos, em Manaus (Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real)
Mulheres no ato Basta de Feminicídio e Retirada de Direitos, em Manaus (Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real)
Mulheres no ato Basta de Feminicídio e Retirada de Direitos, em Manaus (Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real)
Mulheres no ato Basta de Feminicídio e Retirada de Direitos, em Manaus (Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real)
Mulheres no ato Basta de Feminicídio e Retirada de Direitos, em Manaus (Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real)
Mulheres no ato Basta de Feminicídio e Retirada de Direitos, em Manaus (Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real)
Ato Basta de Feminicídio e Retirada de Direitos, 8 de Março Manaus (Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real)

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Sobre a matéria

Izabel Santos

É graduada em Jornalismo pela Faculdade Martha Falcão, de Manaus (AM). Tem mais de dez anos de atuação na cobertura de política e meio ambiente. Trabalhou no Jornal Amazonas Em Tempo; no Portal Amazônia, foi coordenadora de jornalismo na rádio CBN Amazônia e coordenadora de jornalismo no canal televisivo Amazon Sat. Foi indicada ao Prêmio Milton Cordeiro de Jornalismo em 2014, na categoria Internet, pela série de reportagens "Balbina, hidrelétrica da contradição". Foi a jornalista responsável pelas ações de divulgação científica da segunda fase do INCT Adapta, projeto científico sediado no Inpa que investiga o impacto das mudanças climáticas nos organismos aquáticos da Amazônia. ([email protected])