Biografia de Lula e a vontade de saber mais. Parte 10 – Para além da difamação programada: Lula está livre

Por Elvira Eliza França Publicado em: 24/07/2022 às 20:02

A SUPOSTA PROVA DO TRIPLEX – Dentre as mensagens interceptadas que deixaram evidentes a corrupção jurídica por interesse político que estava ocorrendo na operação Lava Jato, o site The Intercept apresentou uma mensagem vazada, na reportagem da Vaza Jato, em que Dallagnol duvidava da prova que estaria apresentando sobre o crime de propina do triplex no Guarujá, para justificar o enriquecimento ilícito de Lula. Isso aconteceu quando ele estava preparando a apresentação em Power Point, no dia 9 de setembro de 2016, que depois se tornou meme na internet. Na mensagem, ele expressava dúvida em relação à prova do crime de propina de Lula em contratos da Petrobras. Na verdade a prova que o procurador dispunha era uma reportagem do jornal O Globo –“Caso Bancoop: triplex do casal Lula está atrasado” – produzida por Tatiana Farah e publicada em 10 de março de 2010 (DUARTE, 2020, p. 131-141). Na reportagem, ao invés de a jornalista se referir à unidade simples de apartamento que estava declarado no imposto de renda de Lula, ela mencionou a palavra “triplex”. Dallagnol usou esse dado da reportagem para vincular a aquisição do apartamento com a propina da Petrobras, com o argumento de que a empresa OAS, a construtora do condomínio, tinha um processo na Lava Jato e havia feito reforma no referido apartamento. Foi esse argumento que possibilitou ao juiz Moro transferir o processo de Lula de São Paulo para a vara jurídica de Curitiba, onde estavam todos os processos da Petrobras. Na acusação, Lula era incriminado por enriquecimento ilícito e por chefiar o esquema de corrupção na Petrobras, obtendo recompensas indevidas em contratos do governo com a OAS, obtendo vantagens na reforma do triplex.

O QUE DALLAGNOL PENSAVA SOBRE O TRIPLEX – Duarte (2020, p.132), cita que, no dia 9 de junho de 2019, em reportagem assinada por Rafael Moro Martins, Leandro Demori e Gleen Greenwald – “Deltan Dallagnol duvidava das provas contra Lula e de propina da Petrobras horas antes da denúncia do triplex.”

“No dia 9 de setembro de 2016, precisamente às 21h36 daquela sexta-feira, ele Deltan Dallagnol enviou uma mensagem ao grupo batizado de Incendiários ROJ, formado por procuradores que trabalhavam no caso.

Ele digitou: ‘Falarão que estamos acusando com base em notícia de jornal de indícios frágeis… então é um item que é bom que esteja bem amarrado. Fora esse item, até agora tenho receio da ligação entre petrobras e o enriquecimento, e depois que me falaram to com receio da história do apto… São pontos em que temos que ter as respostas ajustadas e na ponta da língua” (DUARTE, 2020, p. 132).

FALTA DE ACESSO DOS ADVOGADOS ÀS PROVAS DA ACUSAÇÃO – Durante as várias etapas da Lava Jato, o Ministério Público negou aos advogados de Lula o acesso às provas constituídas que também foram obtidas com base nas delações dos acordos de leniência. No dia 22 de fevereiro de 2022, o site Carta Capital publicou a reportagem “STF proíbe o uso de acordo de leniência da Odebrech em ação contra Lula”, com a informação de que, mesmo após quatro anos, o Ministério Público (MP) continuava negando, aos advogados de Lula, o acesso às informações sobre as provas nos processos contra o cliente. Isso continuava acontecendo, mesmo após o Supremo Tribunal Federal (STF) fazer o pedido formal ao MP. Esse é o caso das supostas provas sobre a corrupção de Lula, na aquisição do terreno para a construção do Instituto Lula, obtidas em delações premiadas. O ministro Lewandowski “sublinha que a defesa de Lula insiste, há mais de quatro anos, em um pedido de acesso à integra do material que serviu de base à acusação no caso do terreno ‘não obstante a clareza das decisões do Supremo Tribunal Federal assegurando tal direito ao reclamante, tanto a autoridade judiciária de Curitiba, quanto o Ministério Público Federal local persistem em descumpri-las.’”

Daltan Dallagnol apresentando o powerpoint (Estadão Conteúdo)

O SÍTIO DE ATIBAIA – A falta de provas comprobatórias do delito de corrupção e lavagem de dinheiro também ocorreu no processo sobre o sítio de Atibaia, de propriedade de Fernando Bittar, que era atribuído ser de Lula. A juíza Gabriela Hardt – que substituiu Sérgio Moro na Lava Jato quando ele deixou a função de magistrado para ser ministro do governo Bolsonaro –, apontou na sua decisão acerca do sítio, que a “justa causa não foi demonstrada na ratificação acusatória porque não foram apontadas as provas que subsistiram à anulação procedida pelo Supremo Tribunal Federal”. Em linguagem técnica do direito, ela explica que os elementos das provas devem ser apresentados pelo órgão de acusação, nesse caso o Ministério Público. Quando isso não é feito, não cabe ao magistrado (juiz) assumir o papel de acusador, buscando as provas, porque isso viola o ordenamento jurídico. Na sua sentença, a juíza expressou que há falta de provas no processo, e que não cabe a ela, como juíza, fazer a investigação, porque isso substituiria a sua função de julgar com a de acusar, que é da procuradoria

NEGAÇÃO DE MORO E DALLAGNOL – A juíza Fabiana Alves Rodrigues (2021), num estudo jurídico de todos os processos da Lava Jato, fornece dados para que se possa compreender a atuação dos atores jurídicos que ultrapassou as barreiras da legalidade, sob a alegação de fazer combate à corrupção, adotando o que ela denomina de “comportamento voluntarista”, que segundo ela aumenta os níveis de corrupção, comprometendo o sistema jurídico, assim como a democracia do país. Apesar de todas as evidências das mensagens vazadas e publicadas pelo The Intercept, o procurador Dallagnol e o juiz Sérgio Moro sempre negaram o propósito político e ideológico de suas ações na Lava Jato, alegando que as mensagens vazadas eram falsas, obtidas por meio ilícito, e que haviam sido editadas (DUARTE, 2020, p. 295), o que foi negado pelo hacker Walter Delgatti à Polícia Federal (PF). A PF, inclusive, comprovou a autenticidade das mensagens na Operação Spoofing, que foram entregues ao Supremo Tribunal Federal (STF), e os advogados de defesa de Lula tiveram acesso a elas. Foram essas mensagens, entre outros dados da acusação e do julgamento, que forneceram os elementos das provas que os advogados reclamaram, junto ao STF, que fossem feitas as correções das irregularidades e inconstitucionalidades da Lava Jato contra o ex-presidente Lula.

A MANIFESTAÇÃO DO COMITÊ DA ONU – Os dados do escândalo jornalístico da Vaza Jato, assim como as mensagens dos arquivos do hacker obtidos pela Operação Spoofing da PF, foram completados, mais recentemente, com as conclusões do relatório do Comitê de Direitos Humanos da ONU, no final de abril de 2022. Esse relatório veio fortalecer o discurso dos advogados de defesa de Lula de que houve perseguição política e violação dos direitos civis e políticos do ex-presidente, assim como o desrespeito às garantias de um julgamento imparcial e justo. “Diferentes pontos levantados pela defesa do petista levaram à declaração de parcialidade, como condução coercitiva sem prévia intimação para oitiva, interceptações telefônicas do ex-presidente, familiares e advogados antes de adotadas outras medidas investigativas e divulgação de grampos.”

O documento da ONU, apesar de não ter efeito jurídico, representa a posição de uma corte mundial, constituída de especialistas em direitos humanos, que reconheceu que a Lava Jato afrontou o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos da ONU, um tratado internacional assinado pelo Brasil em 1992. Por isso, o comitê instou o governo brasileiro a fazer a “reparação ao dano jurídico, cumprindo com as garantias do “devido processo legal”, evitando que ocorram outras violações semelhantes no futuro. Além disso, o governo brasileiro deverá traduzir o documento do Comitê e fazer a ampla divulgação de seu conteúdo.

MANCHÔMETRO – No Apêndice do Tomo 1 da Biografia de Lula, publicada pelo jornalista Fernando Morais (2021, p. 400-414), são apresentados dados da análise das reportagens sobre Lula e o PT, pelos principais veículos de informação do país, por uma entidade de pesquisa vinculada à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), registrada no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq): o Manchômetro. Essa entidade – coordenada pelo cientista político João Feres Júnior, doutor em ciência política pela Universidade de Nova York – realizou um estudo sobre as publicações que envolveram o nome e a imagem do ex-presidente Lula, no período de 2014 a 2021. Nessa fase, ele estava fora do governo, e foi acusado, condenado e preso pela Operação Lava Jato, cumprindo pena de 581 dias, no período de 8 de abril de 2018 a 8 de novembro de 2019.

VILANIZAÇÃO DE LULA E DO PT – O Manchômetro fez a análise dos editoriais de jornais e revistas, capas, reportagens e textos de opinião dos principais meios de comunicação do país: revista Veja, jornais Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo e O Globo, assim como a rede de televisão Globo. Morais apresenta os resultados com dados numéricos e percentuais sobre a opinião negativa, neutra, positiva e ambivalente das informações publicadas, e nos gráficos é possível visualizar o superdimensionamento dos aspectos negativos das reportagens e imagens, que vilanizaram a figura do ex-presidente Lula e do Partido dos Trabalhadores (PT). Segundo as análises do Manchômetro, os principais meios de comunicação do país fizeram um conluio com a operação Lava Jato, praticamente apagando tudo o que o ex-presidente havia feito durante seu período de governo, inclusive o fato de Lula ter encerrado suas funções na presidência com 87% de aprovação da população.

UM EXEMPLO DE VILANIZAÇÃO – Morais cita que o Manchômetro constatou que as capas da revista Veja, por exemplo, durante sete anos, mostrou Lula demonizado, com suas fotos, na maior parte apresentadas como figura grotesca e desfigurada, modificadas digitalmente, com títulos apelativos e ilustrações verborrágicas, sendo comparado ao cangaceiro Lampião, a um ditador genocida e apresentado com roupa de prisioneiro “petralha”, antes mesmo de ser julgado (MORAIS, 2021, 410-11). Após a anulação dos processos na justiça, pelo Supremo Tribunal Federal, a abordagem negativa persistiu nos meios de comunicação, apesar de minimizada. A divulgação dos erros do processo do processo jurídico e as violações constitucionais e de direitos humanos contra o ex-presidente, no entanto, foram breves, geralmente sem análise profunda dos dados, sem destaque nem a devida responsabilização dos violadores.

O QUE DIZEM OS ESPECIALISTAS DO COMITÊ DA ONU – Essa vilanização foi amenizada mais recentemente, após o comunicado do Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), enviado ao governo brasileiro, após seis anos de análise dos processos contra Lula na Operação Lava Jato. O comitê confirma as violações que vinham sendo denunciadas pelos advogados de defesa: “a detenção de Lula pela Polícia Federal em uma sala do aeroporto de Congonhas, em 2016, teria ocorrido de forma arbitrária, durante um mandato de condução coercitiva; a divulgação de conversas telefônicas e mensagens do ex-presidente Lula ordenada pelo então juiz Sergio Moro; parcialidade de Sergio Moro; proibição de que Lula fosse candidato à presidência em 2018.” (https://www.bbc.com/portuguese/brasil-61266366) Após a manifestação do Comitê da ONU, Lula foi convidado para ser capa da famosa revista americana Times, no dia 23 de maio de 2022, com o título “O segundo ato de Lula”, e no subtítulo “O líder mais popular do Brasil busca retornar à Presidência”. Contudo, o destaque dado por grande parte dos meios de comunicação brasileiro foi a opinião que Lula deu acerca da ação militar do presidente russo Putin na Ucrânia, desviando do tema principal da capa da revista. (https://g1.globo.com/politica/noticia/2022/05/04/revista-time-divulga-lula.ghtml)

Lula no Festival Lula Livre em Recife em 17 de novembro de 2019 (Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula)

ASPECTOS HISTÓRICOS DA VIDA DE LULA – Quando se lê a Biografia de Lula, volume 1, de autoria de Fernando Morais, nos demais capítulos que abordam dados sobre a vida do ex-presidente, é possível compreender como ele construiu sua liderança política no futebol da infância e depois no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, e as perseguições que sofreu durante a ditadura militar, por ter idealizado e criado o Partido dos Trabalhadores (PT), com uma proposta política de participação popular, diferente dos partidos que vigoravam até então. Lula era trabalhador desde a infância, e aos oito anos de idade começou a fazer entrega de roupas para uma lavanderia e trabalhava nos finais de semana como engraxate para ajudar no sustento da família (MORAIS, 2021, p. 212). Depois de trabalhar como office boy com carteira assinada, foi trabalhar como aprendiz de torneiro mecânico, e ganhou um curso de aperfeiçoamento no Senai (Idem, p. 216). Com uma profissão qualificada, melhorou as condições de vida da família, com uma renda que era controlada pela mãe, dona Lindu, que evitava desigualdades entre os filhos (Idem, p. 228). Foi trabalhando de madrugada que Lula perdeu o dedo mindinho esquerdo numa prensa (Idem, p. 220). Também perdeu a primeira esposa quando do nascimento do primeiro filho que também morreu (Idem, p. 245-6). Foi no trabalho do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC que superou o sofrimento das perdas afetivas, e onde depois conheceu a viúva Marisa Letícia, supervisora escolar, com quem reconstituiu a vida conjugal (Idem, p. 259).

VIDA NO SINDICATO – Após participar da primeira greve sindical (MORAIS, 2021, p. 218), Lula foi tomando gosto pela atividade no sindicato e se tornou membro assíduo nas assembleias, logo depois assumindo o cargo de suplente no Conselho Fiscal, no qual acompanhava o advogado nos processos ligados à Previdência Social e ao Fundo de Garantia: aposentadoria por tempo de serviço ou invalidez e administração dos convênios etc. (Idem, p. 243). Também atuava no chão das fábricas, abordando os trabalhadores e entregando boletins com notícias e informações sobre os direitos trabalhistas, sob a forma de histórias em quadrinhos, produzidas com o apoio dos cartunistas Henfil e Laerte (Idem, p. 250, 301-2, 311). No período em que estava na diretoria do sindicato, eram promovidos encontros, cursos profissionalizantes, palestras, congressos, discussões políticas e sociais, ensino de rudimentos de economia, curso de madureza para os sindicalizados poderem disputar vaga na universidade, além de atividades recreativas (Idem, p. 243-4). Na sua gestão, foi conquistada a estabilidade das gestantes no trabalho e a liberação de estudantes para realização de exames escolares (Idem, p. 293), além das conquistas de reposição salarial. Nessa fase, foram filiados milhares de novos associados aumentando a pressão do sindicato sobre os patrões e o governo (Idem, p. 243).

DECISÕES EM ASSEMBLEIA – Nesse período, começaram a ser realizadas assembleias relâmpagos durante os breves intervalos da produção nas fábricas, e assembleias mais demoradas na hora do almoço. Isso fortaleceu a participação dos trabalhadores nas decisões do sindicato, que negociava com os patrões tomando como base as posições e o voto das assembleias. Além disso, Lula negociava tomando como base os dados reais da inflação, apresentados pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Econômicos (Dieese), para cobrar reposição salarial, desmentindo os dados oficiais que eram fornecidos pelo governo militar (Idem, p. 252-6; 270). Lutava por salários justos, mas também trabalhava a favor da anistia dos presos políticos e dos exilados, numa época em que governadores eram eleitos indiretamente pelos militares, e havia senadores biônicos, também designados por eles, e quem era contra o governo era perseguido, preso e podia morrer ou desaparecer.

LUTA CONTRA A DITADURA MILITAR – Morais relata as lutas de Lula e de seus companheiros metalúrgicos contra o governo militar, que assim que assumiu o poder, em 1964, fez intervenção em 483 sindicatos do país (MORAIS, 2021, p. 238). Em assembleias numerosas, com 40.000 a 70.000 trabalhadores, Lula falava sem microfone no estádio da Vila Euclides, com as pessoas ecoando as frases que dizia, até que todos pudessem ouvir as mensagens: “cada frase que ele gritava era repetida pelo grupo mais próximo, que a repetia para outro e para outro, em círculos, até que sua voz, em eco, na segunda, terceira ou quarta repetição, chegasse às beiras da Vila Euclides” (Idem, p. 323). Naquele estádio também eram realizados manifestações e shows musicais – com participação de artistas como Elis Regina, João Bosco, Gonzaguinha, Beth Carvalho, Belchior e outros –, cuja renda financiava o fundo de greve, para pagar alimentos, produtos de higiene e medicamentos aos grevistas que ficavam com o salário suspenso (Idem, p. 329). O fundo de greve também contava com o apoio de setores da Igreja Católica, ligado às Comunidades Eclesiais de Base – CEBs. As greves coordenadas por Lula envolviam mais de 140.000 trabalhadores e influenciava as ações nos sindicatos de outras localidades de São Paulo e do Brasil e foi com o apoio desses trabalhadores, juntamente com artistas, intelectuais, cientistas e políticos que criou o Partido dos Trabalhadores (PT), com uma proposta partidária diferenciada, voltada para promover a justiça social e os direitos sociais de todos (MORAIS, 2021, p. 339-40-352).

PERSEGUIÇÃO DOS MILITARES NA DITADURA – Dois meses depois da criação do PT, Lula foi preso e enquadrado na Lei de Segurança Nacional, assim como seus companheiros da diretoria do sindicato (MORAIS, 2021, p. 371). Conter o poder e o avanço das manifestações populares era uma forma de fortalecer as elites que apoiavam a ditadura militar, mas mesmo com a diretoria presa, os sindicalistas continuavam se reunindo e tomando decisões em assembleias. Enquanto Lula e outros sindicalistas lutavam pela democracia no país, fazendo greves e pedindo anistia para os presos políticos, sendo presos, havia 10.000 pessoas que estavam no exilio, protegendo-se da perseguição militar e dos riscos de serem presas e mortas nas sessões de tortura. Eram “trabalhadores, patrões, civis, militares, sindicalistas, atores, músicos, intelectuais, jornalistas, religiosos, cientistas, ativistas políticos das mais diferentes extrações ideológicas” (Idem, p. 333-4). O jornalista Vladmir Herzog e o prensista Manoel Filho foram dois que não resistiram à violência das sessões de tortura, e os militares simularam suicídio por enforcamento para explicar publicamente o motivo deles aparecerem mortos na prisão (Idem, p. 272, 281-2, 286-7). Frei Chico, irmão de Lula, membro do Partido Comunista Brasileiro, já havia sido preso e severamente torturado para dizer que o irmão fazia parte da guerrilha armada, uma inverdade (Idem, p. 276-7). Quando Lula foi preso sem mandado judicial, nem mesmo as autoridades de segurança de São Paulo sabiam informar a família para onde ele havia sido levado, porque a prisão foi ordenada pessoalmente pelo general João Batista Figueiredo, o presidente da República, ao general Milton Tavares de Sousa, apelidado de Caveirinha, que já havia matado 140 pessoas (Idem, 185-6). Dom Paulo Evaristo Arns da Cúria Metropolitana de São Paulo foi quem divulgou a notícia da prisão e houve protesto da intelectualidade do país e assinatura de manifesto (Idem, p. 198). Foi na prisão que Lula encontrou seu irmão Frei Chico, vários colegas da diretoria do sindicato e os advogados que defendiam presos políticos, José Carlos Dias e Dalmo Dallari, que também estavam presos (Idem, p. 196). Mas nem mesmo na prisão Lula interrompeu seu propósito de promover a justiça e igualdade social e ainda fez campanha salarial com os carcereiros, que fizeram um abaixo-assinado com os investigadores para pedir aumento salarial ao delegado (Idem, 366).

A FARSA DA SENTENÇA DO JUIZ – Antes do dia do julgamento, o advogado de defesa de Lula, Luiz Eduardo Greenhalgh, foi na 2ª. Auditoria do Exército buscar as senhas para os familiares dos presos assistirem ao julgamento, e descobriu que a sentença do juiz estava sendo datilografada, antes mesmo do dia do julgamento, e que apenas seria lida, independentemente dos argumentos da defesa (MORAIS, 2021, p. 382). O advogado tornou o fato público e o Jornal da Tarde, em artigo do jurista Hélio Bicudo, divulgou a farsa do julgamento que estava subjacente à condenação a três anos e meio de prisão dos presos. Os advogados recorreram das sentenças ao Supremo Tribunal Militar, e Lula e seus amigos tiveram as penas anuladas (MORAIS, 2021, p. 382-386). Estavam fora da prisão, mas todos haviam sido demitidos das fábricas, sob a alegação de “abandono do emprego” (Idem, 371) e sem carteira assinada não podiam mais atuar no sindicato. Foi com o apoio das doações da Igreja Católica e do cantor e compositor Chico Buarque de Holanda, que eles montaram a Serralheria Doze de Maio e todos foram empregados com carteira assinada, e continuaram na luta sindical por salários justos e pela democracia no país (Idem, p. 375-6).

LULA E A GLOBO – A perseguição política e as violações aos direitos humanos e constitucionais que Lula sofreu recentemente, no período democrático, entre os anos 2016 a 2021, foi mais um capítulo dessa vida de militância política, como ex-líder sindical e ex-presidente. Muitos artistas, intelectuais e juristas de outros tempos e de agora mantiveram a aliança e o apoio, e dessa vez surgiu o The Intercept Brasil, que ajudou a desmascarar o verdadeiro objetivo político dos atores do sistema jurídico da Lava Jato. Em entrevista a um grupo de jornalistas, em 2018 antes mesmo de ser preso e quando da produção do livro de sua autoria – “A verdade vencerá: o povo sabe porque me condenam” – Lula já dizia: “Eles combinam mesmo. É um circuito. No tempo do Mensalão, eu descobri que o circuito para paralisar um governo é assim: na quinta-feira, começa a boataria; na sexta, começam a sair coisas na Internet; no sábado dá no Jornal Nacional; no domingo, vai para a imprensa escrita e, à noite, pro Fantástico. Aí, depois que eles fazem esse genocídio, perdura até a outra quinta, quando começa de novo (SILVA, 2019, p. 130).

QUANTO TEMPO NA PRISÃO? – Em abril de 2018, durante o discurso na frente do Sindicato dos Metalúrgicos, antes de ser preso, Lula disse: “Eu quero saber quantos dias eles pensam que tão me prendendo. E, quanto mais dias eles me deixarem lá, mais Lulas vão nascer nesse país e mais gente vai querer brigar nesse país, porque, numa democracia, não tem limite, não tem hora para a gente brigar. Eu falei para os meus companheiros se dependesse da minha vontade, eu não ia [para a prisão] mas eu vou porque eles vão dizer, a partir de amanhã, que o Lula tá foragido, que o Lula tá escondido e não! Eu não tô escondido, eu vou lá na barba deles pra eles saberem que eu não tenho medo, que não vou correr e para eles saberem que vou provar minha inocência” (SILVA, 2019, p. 220). Na entrevista concedida aos jornalistas Mônica Bergamo e Florestan Fernandes Júnior, em 27 de abril de 2019, quando estava na prisão, Lula disse: “Preso ou livre, censurado ou não, tenho com o povo brasileiro uma comunhão eterna que o tempo não vai apagar. Contra todos os poderosos, contra a censura e a opressão, estaremos sempre juntos por um Brasil melhor, mais justo com oportunidades para todos”.

A imagem que abre este artigo mostra manifestação em frente à sede da PF de Curitiba no dia da votação do HC de Lula no STF, 25 de junho de 2019 (Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula)

FONTES:

DUARTE, Letícia; THE INTERCEPT. Brasil. Vaza Jato: os bastidores das reportagens que sacudiram o Brasil. Rio de Janeiro: Mórula: 2020.

LULA DA SILVA. Luis Inácio. A verdade vencerá: o povo sabe por que me condenam. Edição revista e ampliada. São Paulo: Boitempo, 2019.

MORAIS, Fernando. Lula: biografia, vol. 1. São Paulo: Companhia das Letras, 2021.

RODRIGUES, Fabiana Alves. Lava Jato: aprendizado institucional e ação estratégica na Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2021.

SITES:

BBC NEWS. PRAZERES, Leandro, 29/04/2022. Comissão da ONU vê falhas em processos contra Lula; impacto jurídico é incerto, dizem especialistas. Acesso em 01/05/2022.

BRASIL. Presidência da República. Decreto n^o 592 de 6/07/1992: Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. Promulgação. Acesso em: 28/04/2022.

BRASIL 247. CARVALHO, Joaquim de, 10/04/2021. Delgatti, o hacker que mudou a história do Brasil. Acesso em: 26 de fevereiro de 2022.

Youtube. Joaquim de Carvalho entrevista o hacker Walter Delgatti. 16/02/202. Acesso em: 26/02/2022.

BRASIL DE FATO. CARVALHO, Igor, 9/03/2021. Entenda a decisão que anula condenações de Lula e como fica o jogo político no Brasil. Acesso em 11/03/2022.

FERNANDES, Leonardo, 5/04/2019. Por que Lula está preso? Acesso em: 11/03/2022.

DOLCE, Júlia, 22/08/2018. Desacato à decisão da ONU sobre Lula seria “vexame internacional”, diz diplomata. Acesso em 11/03/2022.

CARTA CAPITAL. OHANA, Vitor, 04/09/2021. Juristas apontam possíveis irregularidades praticadas pela PF na Operação Spoofing.Acesso em 11/03/2022.

CARTA CAPITAL. 22/02/2022. STF proíbe o uso de acordo de leniência da Odebrech em ação contra Lula. Acesso em 11/03/2022.

CNN BRASIL. JUNQUEIRA, Caio; FARIAS, Adriana. Séries Originais, 20/12/2020. Exclusivo: Lava Jato queria prender Gilmar Mendes e Toffoli, diz hacker à CNN. Acesso em 11/03/2022.

CONECTAS DIREITOS HUMANOS. Entenda como funciona o Conselho de Direitos Humanos da ONU. Acesso em 1º de maio de 2022.

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REDE BRASIL ATUAL. 04/03/2019. Há três anos, condução coercitiva de Lula foi ‘confissão de medo’ de seus perseguidores. Acesso em 13/03/2022.

O GLOBO. Thais Lobo, Danielle Nogueira e André de Souza no. 30161 de 05/03/2016. Advogados e juristas criticam condução coercitiva de Lula. Acesso em: 13/03/2022.

THE INTERCEPT. As mensagens secretas da Lava Jato. Acesso em: 01/01/2022.

Leia todas as reportagens que o Intercept e parceiros produziram para a Vaza Jato. Acesso em: 11/03/2022

Moro viola sempre o sistema acusatório. Acesso em: 11/03/2022.

Rafael Moro Martins. 06/11/2021. Sérgio Moro e o partido da Lava Jato são a novidade mais velha de 2022. Acesso em: 11/03/2022.

Leia os diálogos de Sérgio Moro e Deltan Dallagnol que embasaram a reportagem do Intercept. Acesso em: 17/03/2022.

TVE BAHIA. Entrevista do Lula a Bob Fernandes para a TV Bahia. Acesso em: 13/03/2022.

TV FOLHA. Íntegra da entrevista de Lula à Folha. Acesso em: 13/03/2022.

VEJA ABRIL. LELLIS, Leonardo, 23/03/2022, Páginas Amarelas da edição 2781. “Moro deve desculpas”, diz Cristiano Zanin Martins, advogado de Lula. Acesso em: 18/03/2022.

WIKIPÉDIA. Lula Livre. Acesso em 9 /02/2022.

WIKIPEDIA. Vaza Jato. Acesso em: 17/01/2022.

Leia os outros artigos da série Biografia de Lula e a vontade de saber mais.

Biografia de Lula e a vontade de saber mais. Parte 9 –The Intercept expõe as manobras políticas da Lava Jato

Biografia de Lula e a vontade de saber mais. Parte 8 – The Intercept e as publicações das mensagens vazadas da Lava Jato

Biografia de Lula e a vontade de saber mais. Parte 7 – Um hacker e a revelação do plano político da Lava Jato

Biografia de Lula e a vontade de saber mais. Parte 6 – A proibição de dar entrevista na prisão

Biografia de Lula e a vontade de saber mais. Parte 5 – Lula na prisão em Curitiba e a “Vigília Lula livre”

Biografia de Lula e a vontade de saber mais. Parte 4 – A decisão de se entregar à Polícia Federal em 2018

Biografia de Lula e a vontade de saber mais. Parte 3 – A megaoperação da prisão em 2018: resistir ou se entregar

Biografia de Lula e a vontade de saber mais. Parte 2 – A prisão coercitiva e lawfare em 2016

Biografia de Lula e a vontade de saber mais. Parte 1 – Fernando Morais: “tive a oportunidade de ver e ouvir”

Reportagem Noticiosa

Sobre a matéria

Citações

“A verdade vencerá: o povo sabe porque me condenam”, afirma Luis Inácio Lula da Silva.

“Eles combinam mesmo. É um circuito. No tempo do Mensalão, eu descobri que o circuito para paralisar um governo é assim: na quinta-feira, começa a boataria; na sexta, começam a sair coisas na Internet; no sábado dá no Jornal Nacional; no domingo, vai para a imprensa escrita e, à noite, pro Fantástico. Aí, depois que eles fazem esse genocídio, perdura até a outra quinta, quando começa de novo", afirma Luis Inácio Lula da Silva.

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https://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=20251

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https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/127#:~:text=%C3%89%20dever%20do%20magistrado%20recusar,o%20exerc%C3%ADcio%20de%20suas%20fun%C3%A7%C3%B5es

https://www.conectas.org/noticias/entenda-como-funciona-o-conselho-de-direitos-humanos-da-onu/#:~:text=Quem%20s%C3%A3o%20os%20membros%20do,respectivas%20miss%C3%B5es%20diplom%C3%A1ticas%20em%20Genebra

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0592.htm#:~:text=Bras%C3%ADlia%2C%2006%20de%20julho%20de,e%20104%C2%B0%20da%20Rep%C3%BAblica

https://revistaforum.com.br/global/2022/4/27/onu-reconhece-que-moro-foi-parcial-da-vitoria-para-lula-com-anos-de-atraso-114570.html?fbclid=IwAR1jRYYycux2TKOTsJBazMpkMGZgPma09eCMk3wLin9NeQz7rN4ZCPDUVe0

Local de Cobertura

Manaus (AM)

Elvira Eliza França

Elvira Eliza França é mestre em Educação pela UNICAMP, especialista em Neurociência e Comportamento pela PUC (RS), especialista em Programação Neurolinguística pelo NLP Comprehensive dos EUA e graduada em Comunicação Social pela Universidade de Mogi das Cruzes (SP). É autora dos livros: “Crenças que promovem a saúde: mapas da intuição e da linguagem de curas não-convencionais em Manaus, Amazonas” editado pela Valer e Secretaria de Cultura e Turismo do Amazonas (2002); “Corporeidade, linguagem e consciência: escrita para a transformação interior” (1995), “Dimensões interiores da escrita: a voz da criança interior” (1993), “Do silêncio à palavra: uma proposta para o ensino da filosofia da educação” (1988) e “Filosofia da educacão: posse da palavra” (1984), publicados pela Editora Unijuí (RS). Criou a técnica terapêutica com as expressões das emoções denominada “Caretas Articuladas com Movimentos das Mãos - CAMM.”